Na noite da passada quinta-feira, depois de ouvir a intervenção de Aníbal Cavaco Silva, lembrei-me da declaração corajosa de Ernesto Melo Antunes, quando, na sequência do movimento de 25 de novembro de 1975, há quase 40 anos, teve o descernimento e a coragem para vir à televisão reafirmar a importância do PCP para o futuro do processo político português.
Horas antes, Jaime Neves, num encontro no Regimento de Comandos da Amadora, também televisionado, na presença do general Costa Gomes, havia dito a famosa frase : "Meu general, os comandos ainda não estão satisfeitos". Era a expressão da vontade de alguns setores revanchistas, civis e militares, que queriam "explorar o sucesso" (como se diz em linguagem castrense) e, muito simplesmente, defendiam a ilegalização dos comunistas, quando não mesmo a prisão dos seus dirigentes.
O Partido Comunista Português foi, a grande distância, a força política mais determinada na luta contra a ditadura. Não é preciso aderir minimamente aos seus princípios para reconhecer esta realidade. Tenho uma profunda admiração e gratidão pelo sacrifício dos comunistas portugueses.
Não estou de acordo com o programa do PCP, como me não revejo nas propostas maximalistas do Bloco de Esquerda. Acho mesmo que a respetiva aplicação seria uma receita para o desastre económico e para o isolamento de Portugal, na Europa e no mundo. Mais do que isso: continuo, como aqui e noutros locais tenho dito, muito cético quanto à sustentabilidade das promessas dessas formações políticas para apoiar um governo através do qual o Partido Socialista possa pôr em prática o essencial do seu programa.
Como democrata, porém, não posso de maneira nenhuma aceitar a exclusão de qualquer partido político, com assento no parlamento. Nos dias que correm, todos os democratas portugueses têm a estrita obrigação de estar unidos para defender o direito dos comunistas e dos bloquistas de terem a agenda programática que muito bem entendam, por muito datada, sectária e irrealista que ela seja. Somos obrigados a ter presente que um milhão de portugueses pensa como eles.
Vale a pena também lembrar sempre que a única limitação que qualquer formação política hoje tem, para poder atuar, é a Constituição da República. E, em matéria de respeito pela Constituição, a coligação "sortante", que o presidente aparentemente tanto aprecia, é a última a poder dar lições a alguém.
Retroativamente, ponho-me agora a imaginar o sentimento que Cavaco Silva terá tido, em novembro de 1975, ao ouvir Jaime Neves e Melo Antunes. Com quem terá estado de acordo? Depois do que escutámos na passada semana, não me resta a menor dúvida.
12 comentários:
"Os políticos dividem as pessoas em duas categorias: como instrumentos ou como inimigos."
Mas sem serem claros, como é óbvio!
O erro de Cavaco foi ter sido inocentemente (ou estulto não sei) claro!
E, se quanto aos outros partidos lá os vamos tirando pela "pinta", quanto ao PC e ao Bloco, há muita dificuldade em perceber ao que vêm.
Muito bem que representam muitos eleitores, mas não têm qualquer direito de deitar muitos mais pela "borda fora". Eles é que têm de convencer a maioria para se poder mudar o sistema radicalmente!
Vão dizer: olhe que não, olhe que não! Mas o que pensar quando apoiam regimes estranhos e dizem que os deputados foram eleitos pelo Povo e que este quando votou estava finalmente (como sempre foi, dizem) a pensar nos deputados e em cada um deles... E que, portanto, as coligações não têm nada a ver com os lideres ou com os partidos.
antonio pa
Eu estaria tentado a arriscar que a personagem em questão não esteve, naquela altura, de acordo nem com um nem com outro. Porque conhecendo-se alguns episódios em que foi protagonista e onde a coragem física nunca foi coisa que abundasse lá pelos lados da Travessa do Possolo, cheira-me que estria transido de medo fechado em casa (debaixo da cama?) e sem sequer ligar à rádio ou a televisão...
ZPF
Muito bem escrito. O único senão é que os radicais do outro extremo não têm o direito democrático a associar-se e a ir a votos. É uma pena que os democratas devam cerrar fileiras na defesa dos antidemocratas de esquerda mas, por puro capricho revanchista, não permitam que os antidemocratas de direita tenham os mesmos direitos. Porque a ilegalização das organizações "fascistas" foi revanchismo também, não foi? Quantas pessoas estariam dispostas a votar num partido que defendesse a continuação do Estado Novo? E - para "explorar o sucesso" da argumentação -, quantos monárquicos puderam votar nos primeiros tempos da República? A mim, parece-me sempre que os eleitores são como os animais da quinta: todos iguais mas uns mais iguais do que outros.
PS: os responsáveis pela alta traição da entrega dos arquivos da PIDE à União Soviética já foram presos? Claro que não! Isso seria revanchismo...
Aplaudo.
Sr embaixador deixe-se de paninhos quentes e falinhas mansas. sabe perfeitamente quem é o partido da marreta e foicinha e quem era o Barreirinhas do Cunhal e os conceitos "democráticos" desta filial de Moscovo. Se calhar o único com senso de justiça era o comandante Neves que sabia com quem combateu cá e em Moçambique e quem lhes fornecia as armas. Não se esqueça da aliança Hitler Estaline para dizimarem a Polónia nem tão pouco a posição dos comunistas franceses até os exércitos de Hitler avançarem sobre a URSS e nenhum PCP deu mostras de espírito democrático, mas sim de seita pró mafioso. não sei se é assim tão inocente!
Como o Sr. Embaixador bem diz, a única limitação de um Partido Político é a CRP. E lá não diz que ser-se a favor da reestruturação da dívida ou da saída do Euro constitui crime de traição à Pátria. É que eu, não sendo nem comunista nem bloquista, defendo-as a ambas, embora reconheça que nem BE nem PCP (nem eu) sabem como isso se atinge. Quanto a tudo o resto, lembrava aos senhores comentadores que as pessoas e as organizações mudam e que o PCP já mudou e muito desde os tempos de Estaline e sobretudo depois do colapso da URSS (que remédio). E que de facto ninguém como os comunistas combateu a Ditadura de Salazar, só que se calhar entre algumas almas, isso é razão para ressentimento adicional...
Só não entendo a sua cruzada contra Cavaco. V.Exª fez a sua grande parte da carreira com ele e ao que se saiba nunca o ouvi queixar-se. Durante 10 anos a achincalharem o Homem que foi a votos e ganhou. Que me lembre Cavaco reduziu a percentagem do PC de 18,8% a 10% e por isso o PC não lhe perdoará este ódio de estimação.
Depois de ver e ouvir as pobres e tristes entrevistas do secretário geral do PC e B.E. Cavaco tem toda a razão.Estes partidos não são confiáveis. Estamos perante gente perigosa, pois em horas mudaram de agulha.Quando formos todos 100% de esquerda o Sol sorrirá e trará bem estar e a Bonança para todos ao ao toque dum clik
Cumps
Os liberais criticam indiferentemente "os socialistas" e "a esquerda", ( fazendo uma distinção entre eles, quando lhes convém) deplorando simultaneamente o estatismo igualmente presente no discurso da direita.
Estas confusões não seriam embaraçantes se pela assimilação da esquerda ao socialismo , o liberalismo não estivesse associado à direita (PSD+CDS).
Mas na realidade, esquerda e direita, dum lado, liberalismo e socialismo, doutro lado designam coisas que não pertencem ao mesmo domínio.
Liberalismo e socialismo pertencem ao domínio das ideias políticas, Esquerda e direita são sensibilidades políticas. Passos "namorou" longamente a "sensibilidade" liberal que possa existir no PS.
Imaginemos um eixo indo da extrema-direita à extrema-esquerda. Encontramos sempre:
- à extrema-direita: os reaccionários, ou seja aqueles que pensam que antes era melhor, que é preciso derrubar o sistema político existente e voltar ao "statu quo ante", geralmente um passado idealizado.
- à direita: os conservadores, ou seja aqueles que pensam que as coisas estão bem como estão, e que se mudarmos serão pior.
- à esquerda, os progressistas, ou seja aqueles que pensam que as coisas podem ser melhoradas e que se mudarmos, serão melhor.
- à extrema-esquerda: os revolucionários, ou seja aqueles que pensam que o sistema é completamente mau, que o que havia antes era tão mau ou pior, e que é preciso instaurarem um novo modelo ideal.
Muito bom.
Ao Senhor opjj , que escreve: "
V.Exª fez a sua grande parte da carreira com ele e ao que se saiba nunca o ouvi queixar-se."
e que não conhece a famosa frase dum político francês, Jean Pierre Chevenement : "Quando se pertence a um governo, e que não se está de acordo com ele, "ou se cala o bico ou se põe a mexer" .
que escreve :
" PC e B.E. Cavaco tem toda a razão. Estes partidos não são confiáveis." Não são irrevogáveis, quer dizer ? O CDS não combateu O euro, a UE, a NATO e todo o resto?
que escreve:
" Quando formos todos 100% de esquerda o Sol sorrirá e trará bem estar e a Bonança para todos ao ao toque dum clik " : Verdade seja dita, que Portugal, com um PC so a 10%, como escreve, na cauda da Europa em tudo, com uma hemorragia da sua juventude que faz augurar um futuro risonho, com uma dívida que se vai pagar durante 25 anos, se não houver a coragem de pedir a sua renegociação , que aparentemente não está na agenda do corajoso PM.
!
E um presidente autoritário, anti-democrático, canhestro das ideias, ideologicamente fanático. que ainda por cima trata os Portugueses de imbecis, ao tentar fazer crer que um eventual governo do PS com o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda levaria Portugal a abandonar a NATO e a EU. A sério?
Senhor Embaixador,
Sou dos que pensam que o Presidente disse 122 palavras a mais( confio no Paulo Ferreira).
Gostaria de beneficiar do seu comentário sobre o paralelo possível entre as considerações do PR e o "cordão sanitário" imposto em 2000 à Áustria pelas autoridades europeias ( em Semestre de Presidência Portuguesa!) aquando da coligação com um partido da extrema direita.
Os escandalizados de hoje não os ouvi então.
Registo o prazer e o proveito em seguir o seu blog.
Cumprimentos
a.m.fernandes
Senhor Embaixador,
Os comunistas estavam a lutar contra a ditadura de então ( o que todos elogiamos)lutando por outra ditadura de sinal contrário. Porque é que a análise benemérita da história da resistência comunista enaltece sempre aquilo com que que todos concordamos, sem ao mesmo tempo criticar/analisar/ponderar/enquadrar aquilo porque queriam substituir a ditadura que combatiam? Não fica uma análise "perneta", um elogio incompleto?
Cumprimentos
Pedro
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