segunda-feira, outubro 19, 2015

A hora da Marta?


Há dias, como já aqui referi, Garcia Pereira foi afastado de lider do MRPP, num vigoroso comunicado do respetivo Comité Central assinado por uma misteriosa "Marta". O país ficou a saber que quem falava pela segunda mais antiga formação política portuguesa depois do PCP era uma mulher. E porque a decisão varrera daquele órgão um grupo importante de dirigentes, logo se pensou que, tal como no Bloco de Esquerda, uma mulher tinha assumido a liderança no renovado MRPP.

Dias depois, foi anunciado que Arnaldo Matos vai regressar à ação política no MRPP. Em que ficamos: ele ou a "Marta" tomam a chefia da pujante formação?

Nos "anos da brasa" de 1974/75, Arnaldo Matos foi um nome bem conhecido dos portugueses, como líder do MRPP. Dirigente associativo universitário nos tempos da ditadura, este jurista madeirense viria a criar, em 1970, o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, mais tarde qualificado de PCTP/MRPP.

Em 1974, num comício do MRPP, no Pavilhão dos Desportos de Lisboa, imediatamente após o 25 de abril, foi anunciada, a certo passo, a chegada ao palco do "representante do Comité Lenine, comité central do MRPP". A sala ficou em "suspense". Quando vi subir, em passo lesto, essa anónima figura, saiu-me, bem alto, um "Olha! É o Arnaldo Matos!", Fui logo silenciado por um coro de protestos dos circunstantes, escandalizados por eu estar a "expor" alguém que estaria "na clandestinidade". Sabia lá eu, que estava por ali, não por qualquer militância partidária, mas por mera curiosidade, que, à época, me fazia "passarinhar" por comícios vários, até de partidos de extrema-direita...

O nome de Arnaldo Matos acabaria por ser divulgado meses mais tarde e a ele ficou ligado o título de "grande educador da classe operária", na linha grandiloquente da inigualável propaganda comunista. Por muitos meses, titulou uma linha que se opunha fortemente ao Movimento das Forças Armadas (MFA), acusado este de ser uma "correia de transmissão" do PCP, numa "tropa" onde curiosamente dispunha de alguns aliados, o mais proeminente dos quais era o major Aventino Teixeira. Uma proximidade a Ramalho Eanes, fruto da convivência comum no seu serviço militar em Macau, também o terá protegido, em especial aquando da sua detenção em 28 de maio de 1975, numa operação do MFA destinada (sem sucesso) a desmantelar o MRPP.

A Revolução entraria, entretanto, em perda de velocidade, o MRPP foi-se tornando cada vez mais diminuto e, um dia, deixou de se ouvir falar de Arnaldo Matos, que terá ingressado na advocacia. Nos últimos anos vi-o, por diversas vezes, em eventos públicos, ao lado do lider que lhe sucedeu no partido, o também advogado Garcia Pereira.

Anuncia-se agora que Arnaldo Matos vai "regressar às lides" políticas. O país já pôde mesmo apreciar umas suas "coloridas" declarações. E é aqui que o mistério se renova. Arnaldo Matos vai substituir a "Marta"? Neste tempo tão feminino em figuras políticas - que falta nos faz Carmelinda Pereira! -, há esse nome novo que emerge das catacumbas clandestinas do MRPP. Quem é afinal a "Marta"? Por onde é que anda o nosso alegado jornalismo de investigação?  

10 comentários:

Fernando Correia de Oliveira disse...

Falta um adjectivo, caro Embaixador. Arnaldo Matos não era apenas "grande educador da classe operária", mas sim "grande dirigente e educador da classe operária", mais conhecido por GDECO para um círculo restricto.
Quanto à passagem por Macau de Eanes, Aventino e Matos, faço notar que eram os tempos da Revolução Cultural (1966-1976) e que a propaganda chinesa chegava com vigor e cor ao território (onde aliás, por essa altura, se passou um episódio algo humilhante para a soberania portuguesa, com Guardas Vermelhos à mistura - o incidente 1, 2, 3. Mas isso são outras histórias.
saudações

Portugalredecouvertes disse...


Sr. Embaixador, ouvimos tanta vez o tal

" Daqui fala a Marta!"
que já não surpreende...

votos de uma boa noite :)

Angela

Anónimo disse...

Caro Chico

Será a famosa Marta do anúncio na televisão do OK! Teleseguros? Sendo assim o MRPP (que foi apelidado Meninos Rabinos Pintam Paredes como se devem lembrar) está mais do que seguro. Aguarda-se esclarecimento do largo do Rato

Abç do Leãozão

Helena Sacadura Cabral disse...

Francisco
Só pode ser a Marta da Companhia de Seguros!
Aquela que tudo resolve. Sobretudo agora, que as mulheres parecem querer tomar conta da política...
Candidatas à PRepública creio que já são seis. Qualquer dia dá-me um vaipe e candidato-me também. Mas só depois do nosso jantar, prometo!

Luís Lavoura disse...

"Marta" não é provavelmente o nome verdadeiro dela. Ou dele, porque pode nem sequer se tratar de uma mulher.
O MRPP preza - e muito bem - a privacidade dos seus militantes.

Luís Quartin Graça disse...


Antes do 25 de abril, e durante vários meses, o Arnaldo Matos esteve escondido na casa de uma minha bisavó materna, no meio do Ribatejo, a quem ficou eternamente grato, tendo mesmo feito questão de ser uma das pessoas que transportou o caixão, quando ela morreu. O "grande dirigente e educador da classe operária" foi-lhe parar ao sótão da casa por ser amigo e companheiro de militância de um neto dela, primo direito da minha mãe, neto este que, aliás, creio que não terá agora escapado a ser uma das vítimas desta recente, curiosa e anacrónica "purga" nas fileiras do MRPP.

Luís Quartin Graça

João Forjaz Vieira disse...

A minha avó paterna, bisavó do anterior escrevente, tinha poucas letras e muita dureza. Perguntada em quem votaria nas primeiras eleições e depois de meses de doutrinação do "grande educador" , como conta Luís Quartin, respondeu sem hesitação : no QDS, o que fez com ajuda de uma prima.
João Vieira

Helena Sacadura Cabral disse...

Luis Quartin Graça
Eu sempre defendi que o que salva os políticos são as famílias. Deles, ou nossas!

Unknown disse...

Nos meses da brasa (brasa mesmo, ateada pela direita troglodita…), apareceu na parede da Portugália, na Almirante Reis, uma inscrição garrafal, a negro, claro, que asseverava "NINGUÉM CALARÁ A VOZ DA CLASSE OPERÁRIA. MRPP".
Poucos dias depois, alguém, seguramente um "revisionista", acrescentou: "NEM VOCÊS".
Para alguns parece terem voltado os pavores de há muitos anos…
JC

ARPires disse...

E pensei eu, se ninguém falou da Marta falo eu, a dos seguros, mas para meu desalento quando cheguei ao fim de ler todos os comentários verifiquei que já várias pessoas se tinham lembrado do mesmo.
Viva o MRPP e como se dizia na altura para os irritar, EmieR Pum Pum...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...