sexta-feira, outubro 09, 2015

Presidenciais

A complexa situação política que resultou das eleições legislativas deixa mais evidente a importância das próximas eleições presidenciais. O papel do chefe do Estado como árbitro institucional da República pode vir a ter, nos tempos que aí vêm, uma relevância ainda mais significativa.

A última década mostrou, à evidência, que uma chefia da República progressivamente enviesada, cúmplice de uma prática governativa que diariamente testou e provocou os limites das regras constitucionais, converteu a Presidência numas das parcelas da equação conservadora que se abateu sobre o país. E não contribuiu para dignificar a instituição.

A delicada situação que Portugal viveu durante a presença da “troika”, com uma tutela internacional sobre as nossas políticas públicas, facilitada por um executivo entusiasta e criativo, perante as receitas radicais que eram impostas ao país, teria justificado que o Presidente da República se tivesse erigido como uma espécie de provedor do interesse dos cidadãos, como um escudo protetor da Constituição que jurara cumprir e fazer cumprir, transformada então na última trincheira de defesa dos direitos coletivos das populações.

O extremismo celerado de algumas das medidas aplicadas ou tentadas por esse tempo sombrio, que trouxe um incontável sofrimento à grande maioria dos portugueses, só foi travado pela coragem e independência do Tribunal Constitucional. Essa instituição foi então atacada e vilipendiada, até no plano internacional, sob estímulo do próprio governo.

Ouviu-se então, da parte do atual ocupante de Belém, uma palavra institucional e política de solidariedade com a corte defensora do diploma fundamental da República? Foi o chefe de Estado capaz de trazer a público a sua voz, exigindo respeito pela separação de poderes e pelo Tribunal Constitucional? Nem por uma vez. Esse imenso silêncio ficou como umas das marcas menos nobres do exercício de funções do atual titular, mesmo num catálogo de omissões ou atitudes dessa natureza onde a escolha não é fácil.

Em claro contraste, cerca de metade do atual período constitucional português havia assistido, na cadeira presidencial, a duas figuras socialistas representarem, com inigualável prestígio, essa mais elevada função do Estado. Mário Soares e Jorge Sampaio encarnaram, cada um a seu modo, uma forma exemplar de exercer o cargo, suscitando confiança nos cidadãos, assegurando uma atenção escrupulosa pelos valores constitucionais e, o que não é menos relevante, projetando com elevação, cultura e respeito o país na ordem internacional.

É assim necessário garantir uma unidade objetiva de vontades que procure assegurar que o próximo Presidente da República recupere a bandeira de independência e dignidade dessas duas presidências exemplares. Tudo deve ser feito para evitar que as forças conservadoras prolonguem, eventualmente num registo apenas mais “animado”, o ciclo que agora acaba, de forma bem penosa.

O Partido Socialista decidiu, e bem, que não tomaria posição oficial por qualquer das candidaturas que entretanto surgiram na sua área política, todas elas tendo já suscitado apoios por parte de figuras do partido.

As candidaturas presidenciais são atos de iniciativa individual. Nenhum presidente será eleito apenas pelos militantes de um partido, quer ele seja seu militante, quer seja uma personalidade com vincada expressão na sua área política. Os candidatos devem conseguir demonstrar que conseguem alargar a sua base de apoio, conquistando apoios num círculo mais vasto, passando barreiras ideológicas, credibilizando a sua personalidade como merecedora de confiança, mostrando estar à altura de tempos complexos em que o país necessite da sua firmeza de convicções, da sua capacidade de interpretar o interesse coletivo, respeitando o jogo partidário mas situando-se acima dele.

A primeira volta das eleições presidenciais deve assim funcionar como uma espécie de eleições primárias onde a existência de excelentes opções prova que a área da esquerda democrática continua a ser o terreno onde é possível encontrar figuras capazes de dignificar a magistratura suprema do país.

Pelas razões que referi no início deste texto, seria de grave irresponsabilidade se os militantes socialistas viessem a alhear-se deste combate. Do seu resultado muito dependerão as condições de governabilidade do país no futuro próximo, bem como a criação de um ambiente de respeito pelos direitos coletivos dos cidadãos, no respeito escrupuloso pelo equilíbrio interinstitucional e pelos princípios da Constituição da República.

(Artigo que hoje publico no "Acção Socialista")

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Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...