Haverá boas e más razões para se ser contra a experiência de um
governo minoritário do PS, com apoio dos partidos à sua esquerda. Já por aqui falei
das dúvidas que a fórmula me suscita.
Há, contudo, duas razões que me recuso a aceitar.
A primeira tem a ver com a ideia de ilegitimidade desse presuntivo
governo, por provir da agregação da vontade política conjugada de três
formações que, cada uma delas de per si, não ganhou as eleições. É
democraticamente ridículo, perante o impasse de uma proposta visivelmente
minoritária, que não consegue garantir, por ação ou omissão, apoio parlamentar
suficiente, dar por adquirido que o parlamento não tem o direito de gerar
outras soluções de governabilidade. Ou alguém duvida que, em 2009, se o PSD e o
CDS tivessem somado 116 deputados, face a um PS minoritário mas com mais votos do
que qualquer deles, a dra. Manuela Ferreira Leite teria sido primeira-ministra?
Foi patético observar o leque de reservas políticas com que o
presidente procurou ajudar a escorar esta frágil argumentação, não obstante ser
a mesma pessoa que, durante anos, andou a apelar para “consensos” maioritários.
Talvez devêssemos ter subentendido que isso significava sempre a inclusão
nessas fórmulas do partido de que é militante.
Eventualmente por essa razão, alguma imprensa europeia, insuspeita
de progressismo, mas pouco dada às idiossincrasias consuetudinárias que alguns
querem erigir por cá em jurisprudência constitucional, se vê por estes dias em
palpos de aranha para perceber o "drama" que ecoou das palavras do
presidente. Embora seguramente entenda melhor a pré-nostalgia, expressa num
tremendismo que pretende lembrar os idos de 1975, que já atravessa as hostes da
direita portuguesa.
A outra razão é a que, subliminar ou expressamente, aparece
espelhada nalguns comentadores, em especial na imprensa económica: os mercados não
querem uma aliança à esquerda. Mal estaríamos se um país tivesse de condicionar,
em absoluto, as suas opções governativas aos humores dos “traders” das salas de
mercado.
Todos já percebemos que, com a criação da UEM, do euro e do
compromisso de manutenção de objetivos macroeconómicos cumulativos para nele subsistir,
que se soma ao espartilho das regras de economia liberal que marca a filosofia
prevalecente no âmbito do mercado interno europeu, os Estados colocaram-se
voluntariamente num colete de forças. O capitalismo é o sistema adotado pela
Europa comunitária, “o socialismo está proibido", como alguém disse um dia,
pelo que subsiste apenas um escasso terreno de manobra aos governos nacionais
mais dados “ao social”, feita de opções fiscais e de um moderado reformismo,
nas margens do diverso possibilismo orçamental. Não vale a pena lembrarem-nos
isso: já sabemos! Mas arroguemo-nos, pelo menos, o direito nacional de escolher,
bem ou mal, quem vai gerir essa nossa (falta de) liberdade.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
8 comentários:
Cá estaremos para conferir o que dizem os mercados sobre as medidas que tomará o novo governo: Na Grecia já sabemos o que fizeram os governantes do syriza e o resultado; aguardemos calmamente.
Caro Embaixador, é óbvio que essa tal direita lusitana (existe?) diz muitas inanidades, mas não creio que nos devamos preocupar demasiado com tal. Como dizia o outro, os factos têm sempre razão. No entanto, observando o panorama geral com uma distância prudencial e uma inevitável frieza de sentimentos, a nova Coligação de Esquerda só pode deixar-nos apreensivos no que respeita à sua capacidade de êxito que é bem diminuta face aos obstáculos reais que vai ter que enfrentar. É, pois, inevitável um certo ceticismo que a direita que conta exprime num silencioso sorriso mefistofélico e alguma esquerda, com ou sem caviar, se precipita a condenar escandalizada por contrariar a esperança nos amanhãs que cantam. Visão cínica? Sem dúvida. Mas que é a própria História senão um exercício sofisticado de cinismo?
Em termos económicos o socialismo não é uma alternativa ao capitalismo. A alternativa ao capitalismo, também chamado de economia de mercado, é a economia de direcção central. Essa é que morreu porque não funcionava. Na Europa o socialismo tem a ver com as correcções, maiores ou menores, ao funcionamento da economia de mercado. O capitalismo é um bom sistema para a criação de riqueza mas não é um bom sistema para a (desejável) redistribuição dessa riqueza. A diferença entre um governo de direita ou de esquerda encontra-se na intervenção do estado, o que permite dizer que os políticos de direita fazem mais pela criação de riqueza que pela sua distribuição e os de esquerda vice-versa.
Já agora sempre estranhei que algumas pessoas acusassem "os mercados" como se estes fossem personagens sinistras que decidem do futuro da humanidade escondidos nas profundezas dos seus antros sórdidos. Isso faz tanto sentido como acusar de qualquer coisa o mercado da ribeira ou o do bolhão. "Os mercados" mais não são do que uma abstracção para designar a interacção de todas as decisões que nós tomamos todos os dias e que tenham uma componente económica, desde comprar o jornal, ir almoçar ao restaurante ou comprar um bilhete de avião, mais nada.
Pormenorzinho. Na entrevista de ontem, uma frase sibilina surgiu na boca de Jerónimo. « Ser sério não dá votos» Ao que parece há uma anestesia geral e os jornalistas passaram ao lado.
Dr. Seixas da Costa, repito, o ego e a sofreguidão pelo poder podem trazer chatices.
CUMPS.
O acordo da esquerda já vai com 25 dias de forno e ainda não há jantar para ninguém.
Jerónimo no forno, está ficar endurecido.
Pode-se juntar o pólo negativo ao positivo? Teoricamente pode. É só fazê-lo. Dá é faísca e espatifa tudo.
João Vieira
"Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique.
Todo o resto é publicidade"
George Orwell
Em resposta ao Domingos que acha que se deve aguardar com um cínico cepticismo e um sorriso trocista que a esquerda se "espalha" e falha completamente na sua governação...direi que a esquerda e o povo na sua grande maioria esperou 4 anos sem sorriso mas com lágrimas que chegasse o fim da governação que castigou muita gente. Gente enganada com promessas eleitorais e tomada de medidas injustas e só orientadas para os mais fracas (os banqueiros e certos políticos ou empresários fizeram muita patifaria que nos deixou onde estamos hoje, e não foram sequer chamados perante as suas responsabilidades). Não seria tempo de mudar este fado da inevitabilidade do "cinismo" inerente à própria História ?
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