quarta-feira, maio 15, 2019

15 de maio de 2009 - publicado há 10 anos, neste blogue


ANGOLA

“O embaixador do Congo em Paris, Henri Lopes, contou-me, há dias, uma história curiosa, passada em 1974.

Na capital do Congo, Brazaville, estava situada aquela que era a principal representação externa do MPLA no exterior. Nesse tempo, o movimento defrontava-se com uma cisão chamada Revolta Activa, então chefiada por Mário Pinto de Andrade. A Organização de Unidade Africana (OUA) procurava encontrar uma solução para aquela fractura política e Henri Lopes, que era então primeiro-ministro do Congo, havia sido encarregado de tentar uma reconciliação. Em algumas conversas, Neto dera sinais de poder aceder a essa ideia, pelo que foi marcada uma reunião no gabinete do primeiro-ministro congolês.

Assim, numa manhã, Neto e Lopes falavam do tema, com o presidente do MPLA a dar indicações claras de que, nos termos de algumas condições, um compromisso era possível. Num determinado momento, porém, chega a notícia de que uma revolta tinha tido lugar em Portugal. Era dia 25 de Abril.

Ao espanto de Agostinho Neto sucedeu-se, de imediato, a sua decisão de pôr fim a qualquer mediação ou entendimento. O MPLA e a Revolta Activa acabaram por agravar as suas tensões, que chegou a momentos de alguma violência, mesmo em Brazaville. Os membros da Revolta Activa não viriam a ter qualquer papel no início da independência angolana.

É curioso como, aqui por Paris, se encontram histórias esparsas que se ligam à nossa aventura africana.”

terça-feira, maio 14, 2019

O tempo das cerejas


“Já estamos no tempo das cerejas, sabia?”, disse-me hoje a empregada do hotel, algures na Cova da Beira, terra afamada das melhores cerejas. E acrescentou: “Na minha terra, em Alpedrinha, elas amaduram mais cedo”. Gostei do orgulhoso “amaduram”, em lugar do “amadurecem”. 

Não lhe perguntei se conhecia a canção de Montand e hino da Comuna de Paris, “Le temps des cerises”, porque, nos tempos que correm, já ninguém conhece o que eu conheço e, a cada dia, dou-me conta de que cada vez conheço menos coisas que quase todos conhecem. E também não ousei recordar-lhe que, como lá se diz no poema, “é bem curto o tempo das cerejas”. 

Ontem, no Souto da Casa, ofereceram-me cerejas. Ouvi então a voz de Montand: “Quand vous en serez au temps des cerises / Si vous avez peur des chagrins d'amour / Évitez les belles!”. Sábio conselho, difícil de seguir. Diz quem sabe dessas coisas.

Serra da Estrela



O Carvalho da drogaria


No meu tempo, em Vila Real, as duas principais drogarias da cidade eram propriedade de dois irmãos, de apelido Carvalho. As voltas da vida tinham-nos afastado. Os feitios também. Um era uma figura de perfil discreto, que recordo de chapéu na cabeça e um porte sereno: era “o senhor Carvalho da drogaria”. O outro era uma personalidade que tinha tudo de oposto: bigode ao vento, brincalhão, “blagueur”, de verbo e riso fáceis: era “o Carvalho da drogaria”. A cidade era cruel. Mas não havia que enganar!

Eu devia ter aí uns 13 ou 14 anos quando comecei a “parar” na loja do “Carvalho da drogaria”. Era na rampa de S. Pedro, perto de minha casa. Pelas tardes de férias, com a cidade a ferver de calor e tédio, enquanto ele “aviava” quem por ali aparecesse, eu ficava, da parte de fora do balcão, à conversa, sei lá bem sobre quê. O Carvalho - para mim, o “senhor Carvalho”, dando-me ele a “importância” de sempre me tratar por “senhor Costa” - era levado da breca com as criadas (era assim que se dizia, claro) que as patroas mandavam por lá buscar água oxigenada ou bicarbonato de sódio ou pedra-pomes. Cheio de rapapés, elogiava-lhes o penteado ou a blusa sob o avental branco ou o que lhe viesse à gana. Às mais inocentes, sob um pretexto qualquer, convencia-as a irem “lá dentro”, à zona mais íntima da loja, onde era certo e sabido que lhes mostrava umas certas revistas trazidas por amigos de França. Era então ouvi-las: “Ó senhor Carvalho! Que indecente!” E de lá saiam, coradas, cheias de risadinhas nervosas, com o Carvalho, lúbrico, a lançar-lhes: “Volte sempre, menina Odete! Ainda não viu nada!”. E acrescentava, para mim: “Jeitosa, esta pequena! Não acha, senhor Costa?”. Eu devia achar, ao que me lembro desses tempos de inquietas descobertas.

O Carvalho mudou um dia a sua drogaria para a Rua Direita, então a artéria comercial mais importante da cidade. Eu já não vivia em Vila Real. Por muito tempo, aquele continuou a ser um ponto de passagem obrigatório nas minhas idas pela cidade. Como eu o tinha “apanhado”, um dia, na Régua, num “tête-à-tête” romântico num café, provocava-o: “Tem ido muito à Régua, senhor Carvalho?”. Ele soltava uma gargalhada, comprometido, mas sempre livre, na vida de solteirão que levava. “O senhor Costa sabe-a toda, ó se sabe!”, respondia-me ele. 

E assim nos fomos dando, até que um dia notei que a drogaria tinha fechado. Informei-me e soube que o Carvalho tinha zarpado para Barcelos, sua terra de origem, reformando-se das drogas. Num telejornal dos “anos da brasa”, vi então, uma noite, o meu amigo Carvalho como porta-voz de uma manifestação sei lá bem sobre quê. Já deve ter morrido há muito.

Há dias, dei comigo a dizer, na minha casa, em Lisboa: “Acho que devíamos mudar o Carvalho da drogaria de parede”. Ao leitor, a frase pode soar a estranha. Em minha casa, não. O “Carvalho da drogaria” é o nome simplificado que o óleo de Gracinda Candeias (na imagem) ganhou depois do meu pai, um dia, entrando na sala de jantar da casa onde eu vivia, em Londres, ter dito: “Este vosso quadro faz-me sempre lembrar o Carvalho da drogaria”. Parece que era o bigode do Carvalho que ele identificava naquela pintura. E assim ficou, para sempre. Mas ainda não houve consenso para a saída do “Carvalho da drogaria” daquela parede.

14 de maio de 2009 - publicado há 10 anos, neste blogue


HOLOCAUSTO

“Hoje de manhã, numa conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, aqui em Paris, Eduardo Lourenço dizia que, se pensarmos bem, a escravatura pode ser considerado o primeiro holocausto. Nunca me tinha ocorrido, mas, como quase sempre, ele tem razão.”

segunda-feira, maio 13, 2019

Pérolas da eloquência


Amanhã vou a Manteigas. Aproveitarei para recordar essa figura estupenda da retórica lusa que foi Américo Tomás, que dela dizia: “É uma terra bem interessante, porque estando numa cova está a mais de 700 metros de altitude...”

domingo, maio 12, 2019

Contrastes



Viana, no dia que agora termina, estava soberba. Um sol magnífico pairou sobre a cidade. Cheira já a verão.

Numa conversa, a anteceder o trabalho de um “retiro” em que estive por ali, sobre questões europeias e internacionais, veio à baila a outra Viana, a Viana invernosa, com chuva e vento, uma cidade muito diferente. Vir por ali em novembro ou março é ter a experiência de uma outra cidade.

Alguém lembrou então que um ambiente desses é, afinal, o ideal para se escrever um livro, ao calor da lareira, saindo pouco de casa. Logo outra pessoa comentou que, para alguns, um tempo pouco acolhedor é, ao contrário, deprimente, desmotivador, indutor de tristeza. Uma leitura contrastante.

Lembrei-me então de uma história.

"O senhor embaixador não acha este clima deprimente?: cinzento, pesado e que obriga a ficar em casa a maior parte do tempo. As pessoas aqui devem sofrer muito com isto, não?" O secretário de Estado português, de visita a uma capital nórdica, fazia este comentário, na tarde escura de um mês outonal, em frente do nosso embaixador, na respectiva residência.

"Nem imagina!, senhor secretário de Estado", responde o diplomata. "Estes climas nórdicos, para além de serem muito incómodos, criam uma pressão psicológica terrível sobre as pessoas, levam a alguns desregramentos, como o alcoolismo, e chegam a originar doenças do foro psiquiátrico. Há por aqui imensos suicídios!" E o embaixador continua, por vários minutos, a discorrer sobre as óbvias desvantagens das longas noites, da ausência de sol e dos respectivos impactos negativos.

O secretário de Estado deve ter regressado a Lisboa com a plena confirmação daquilo que sempre suspeitara, sobre os malefícios do tempo na Escandinávia.

Algumas semanas depois, o nosso embaixador recebe um almirante em fim de carreira, homem bonacheirão e "bon vivant". O clima local continuava o mesmo, claro.

"Sabe, senhor Embaixador? Eu acho que é muito confortável sentir este contraste entre o tempo frio que faz lá fora e o ambiente simpático dentro das casas, nestes países nórdicos. De certo modo, este clima ajuda-nos muito à concentração, a apreciar os bons momentos da leitura de um livro, de uma conversa à lareira, com um copo ao lado. Eu devo confessar-lhe que sempre achei muito estimulante, intelectualmente, este tipo de tempo". E o almirante tira uma baforada do Cohiba e bebe mais um golo do "Royal Salute", que o embaixador guardava para os grandes visitantes.

O anfitrião sorri e anui, de imediato: "Tem o senhor almirante toda a razão! Isto de se estar em casa - e as casas aqui são quase sempre muito cómodas, como sabe -, com a neve e o frio como pano de fundo, é um estímulo fantástico para o bem-estar, para a relação dentro das famílias, para criar um ambiente muito saudável. Estas sociedades nórdicas não são ricas por acaso: é porque as pessoas se sentem bem e, naturalmente, isso estimula o trabalho e a eficácia. O clima é uma das chaves da felicidade nestes países, pode crer!".

Woody Allen criou a figura de Zelig, a personagem que mimetizava aqueles de quem ficava próximo. Este embaixador não era um homem hipócrita, nem sequer vivia na busca obsessiva de ser bem visto pelos seus visitantes, colando-se-lhes às opiniões. Pela minha experiência, tinha apenas uma despojada ausência de opinião própria, vivendo na eterna hesitação entre inteligentes argumentos contraditórios, relativamente aos quais não se conseguia decidir, mas que era capaz de aprofundar genuinamente, sempre com o entusiasmo das grandes convicções.

Belmonte


Guarda


Trancoso


Aguiar da Beira


Granja



Viana




sexta-feira, maio 10, 2019

As armas da Venezuela



Naquela noite de 2007, em Brasília, eu juntara à volta de Mário Soares, num jantar, o antigo presidente da República, José Sarney, e o então vice-presidente, José Alencar.

Sarney era um velho conhecido de Mário Soares, que as voltas da política tornara, à época, um leal aliado de Lula. Alencar era um querido amigo pessoal meu, que achei que Soares gostaria de conhecer.

O jantar começou bem, com a bonomia e as histórias mineiras do vice-presidente a deliciarem o nosso antigo presidente. Este tinha vindo, na véspera, da Venezuela, onde entrevistara o presidente Hugo Chávez para um programa televisivo. Estava visivelmente entusiasmado com o líder venezuelano, por virtude das suas preocupações sociais e dos seus desafios a Washington, sentimento que eu sabia muito longe de ser partilhado pelos dois convivas brasileiros. Alencar mostrava-se mais parcimonioso nestas reservas do que Sarney, que, tempos mais tarde, acabaria por assumir no Senado brasileiro uma oposição forte à entrada da Venezuela para o Mercosul.

A certo passo do repasto, com a conversa quase sempre em torno da figura de Chávez, comecei a notar que o diálogo entre Soares e Sarney se estava a tornar um tanto tenso. Entre outras discordâncias, Sarney explicava a Soares que havia setores brasileiros muito preocupados com as aquisições de material militar que Chavez tinha recentemente feito, e procurava chamar Alencar em apoio das suas teses. Este, até meses antes, tinha acumulado o cargo com o de ministro da Defesa, mas, por não querer distanciar-se da atitude também pouco crítica de Lula face a Chávez, mantinha-se discreto.

Soares, contudo, acreditava piamente na boa vontade de Hugo Chávez, confiava nas suas boas intenções e no seureal interesse em manter um relacionamento positivo com o Brasil. Num determinado momento, voltando-se para Sarney, disse-lhe: "Ó José Sarney! Eu conheço muito melhor o Chavez do que você! E, por isso, posso assegurar-lhe que nunca uma arma venezuelana que ele controle se voltará alguma vez contra um interesse do Brasil".

Sarney fechou aquela cara de brasileiro que, do bigode ao cabelo negro com brilhantina, refletia uma imagem caricatural do brasileiro da sua idade a que o mundo dos anos 50 e 60 se habituara, e, longe de convencido, voltando-se para Soares, disse-lhe: "Ó Mário! Nem você nem eu já temos idade para acreditar nessas coisas! Não seja ingénuo!".

Mário Soares não gostou, retorquiu firme, mas com procurada elegância. Eu fiz um sinal a Alencar para me ajudar a amenizar a conversa. Isso foi conseguido, sem dificuldade, mas pode dizer-se que aquele que seria o último encontro entre os dois antigos presidentes não acabou em ambiente de grande euforia. Despedidos os convidados, Soares voltou-se para mim e disse: “Este Sarney está muito reacionário, não acha?”. 

Chávez já morreu há muito. Alencar e Soares também já desapareceram. Olhando as coisas à luz dos dias que correm, lembrei-me das preocupações de Sarney. E tenho a certeza, que sem apoiar minimamente as bravatas de Trump, Mário Soares seria hoje, se fosse vivo, um forte crítico de Maduro. Porque o seu lado era sempre o da liberdade.

Siglas


Dois dos últimos posts que publiquei tinham siglas como título. Hoje de manhã, durante um pequeno-almoço de trabalho, alguém lembrou que tantas são as siglas em que andamos mergulhados que quase se pode dizer que vivemos numa verdadeira “sopa de letras”.

Mas as siglas de que quero hoje aqui falar referem-se a uma realidade muito particular: a pessoas. É, de certo modo, uma consagração para alguém que a simples indicação de uma sigla a identifique publicamente.

Em França, há a sigla BHL para Bernard-Henri Lévy. Embora ande por estes tempos menos na moda, o antigo ministro das Finanças e diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, era igualmente identificado regularmente como DSK.

Quando vivia em Paris, dei comigo um dia a tentar recordar a quem mais esta simplificação nominal se aplicava por lá. Só me lembrei de Valéry Giscard d'Estaing (VGE), do desaparecido jornalista e político Jean-Jacques Servan-Schreiber (JJSS), da atriz Brigitte Bardot (BB), do jornalista televisivo Patrick Poivre d'Arvor (PPDA), da antiga ministra Michèle-Alliot Marie (MAM) e da (bela) ministra do Ambiente de Sarkozy, Nathalie Kosciusko-Morizet (NKM).

Nos Estados Unidos, surgem-me à ideia Franklin Delano Roosevelt (FDR) e John Fitzgerald Kennedy (JFK), ajudados, no presente, pelo facto de, no primeiro caso, dar o nome a uma importante artéria rodoviária de Nova Iorque (FDR Drive) e, no segundo, a um aeroporto da mesma cidade (JKF Airport). Com um grau diferente de popularidade, aparece LBJ (Lyndon Baines Johnson), vice-presidente e sucessor de Kennedy, que se presume tenha começado a ser designado por uma sigla na senda da daquele.

No Brasil, julgo que há apenas três nomes que a imprensa consagrou como siglas: os antigos presidentes Juscelino Kubitchek (JK) e Fernando Henrique Cardoso (FHC), bem como desaparecido político baiano António Carlos de Magalhães (ACM).

Desconheço o que passa noutros países, mas noto que, por exemplo, no Reino Unido não há esse costume, muito embora a importância da sua imprensa tablóide, com títulos garrafais a incitar à simplificação, pudesse ajudar a isso.

E em Portugal? Em termos de figuras públicas, creio que há apenas Miguel Esteves Cardoso (MEC), Baptista Bastos (BB), Pedro Queiroz Pereira (PQP), Eduardo Prado Coelho (EPC) e António-Pedro de Vasconcelos (APV). E, para quem tem memória futebolística, há ainda Jacinto João (JJ), um desportista do Vitória de Setúbal.

É claro que, neste âmbito, há ainda pequenos grupos privados, sem notoriedade pública, que se alimentam da sigla dada pelo seu nome. Composto pelos jornalistas Francisco Sarsfield Cabral e Filipe Santos Costa, o advogado Francisco Sá Carneiro e eu próprio - por minha iniciativa, quem se admira? - está em vias de ser criado o “clube FSC”. Infelizmente, há já quem tenha presumido o valor dessa marca e a tenha registado, como se vê pela imagem...


PS - Lembrei-me agora do poema de Bertold Brecht, "Do pobre BB"...

quinta-feira, maio 09, 2019

É tão fácil calá-los!


Anda para aí uma indignação pelo facto de, na maioria dos debates para as eleições europeias, os candidatos falarem uns “em cima” dos outros, criando uma cacofonia que resulta desagradável para alguns dos espetadores. E, no entanto, é tão fácil resolver o problema...

Na primeira vez que fui a uma reunião ministerial da OCDE, a Paris, foi-me dito que a minha intervenção teria de ser lida num máximo (creio que) de sete minutos. ”Aparei” o texto por forma a caber nesse tempo. 

Quando cheguei à sala, verifiquei que tinha, no centro, uma coluna, creio que cilíndrica, com três luzes. A de baixo, que me pareceu maior, era verde. No meio, havia uma faixa amarela. No topo, sobressaía uma lâmpada vermelha.

Não estou seguro da exatidão dos números que vou dizer, mas isso pouco importa. Durante os primeiros quatro minutos da intervenção, pelo canto do olho, eu ia notando que a luz estava verde. Depois, a certa altura, por dois minutos, o verde desaparecia e, na coluna, iluminava-se a luz amarela. Era sinal de que tinha de apressar-me: essa luz durava dois minutos. Finalmente, surgia a luz vermelha. Num rápido minuto, havia que concluir a intervenção. Mas o que é que aconteceria se acaso o não fizesse? Muito simples: o microfone desligava-se e eu deixava de ser ouvido.

Se os moderadores dos debates das eleições europeias quisessem realmente discipliná-los, bastava-lhes atribuir um tempo para cada intervenção e mandar desligar o microfone de cada candidato após este ter chegado ao limite desse seu tempo. É o ovo de Colombo! Mas não querem! As peixeiradas, em televisão, valem audiências.

BHL



Bernard-Henry Lévy, conhecido em França como BHL, esteve em Lisboa, onde apresentou, há dois dias, um monólogo teatral, no Tivoli. Teve casa cheia. Não estive lá, mas disseram-me que não perdi muito. 

Lévy foi o filósofo francês que estimulou Nicolas Sarkozy à invasão da Líbia e que, no auge da tensão ucraniana, surgiu em Kiev a mobilizar os nacionalistas anti-russos. Foi aliás na Ucrânia que o encontrei, em 2016 e 2017, em dois congressos em que ambos participámos.

A França é muito dada à gestação deste tipo de "guerrilheiros da palavra", de corajosos combatentes com os mortos dos outros, prenhes de gesticulação mediática e com uma avaliação das consequências das lutas ao nível das batalhas de soldadinhos de chumbo. Estou a ler um livro da filha de Régis Debray que fala desse outro exemplo.

Lévy é um intelectual que, como filósofo, diz quem sabe que tem apreciável mérito. É um esteta. Veste-se daquilo que os brasileiros qualificam de "esporte fino", isto é, fatos de fino recorte com camisa branca aberta até ao terceiro botão, a mostrar o peito, cabelo ondulado e falsamente esvoaçante, graças à eficácia da laca. Quando vivi em Paris, via-o regulamente no “Flore", preponderando numa corte de admiradores, acompanhado da vistosa mulher, a atriz e modelo Ariel Dombasle.

Um dia, em 2010, a vida intelectual francesa foi sacudida por uma imensa e cruel gargalhada. Numa obra de Lévy, "De la Guerre en Philosophie", este citou, a certo passo, as conferências proferidas por um tal Jean-Baptiste Botul, perante os neokantianos do Paraguai, a seguir à Segunda Guerra Mundial. Lévy já havia usado excertos de Botul numa conferência na Ecole normale supérieure, em 2009. Ambas as citações vinham da obra de Botul, “A vida sexual de Emmanuel Kant”.

Ora Botul era uma figura inventada, criada em 1995 por um jornalista do satírico Canard Enchainé. O filósofo caiu na esparrela e, mais do que do valor (que parece que era real) das 1340 páginas do livro, a França intelectual passou por algum tempo a falar de Botul e a rir-se de Lévy. Há que convir que deve ser uma grande ingenuidade acreditar na existência de uma massa crítica de neokantianos no Paraguai! Pensando melhor: talvez houvesse alguns, entre os refugiados políticos centro-europeus da época...

quarta-feira, maio 08, 2019

AOC


Ontem, Álvaro Vasconcelos apresentou no Centro Nacional de Cultura, em Lisboa, o seu novo livro - “25 de abril no Futuro da Democracia”. Teresa de Sousa, Guilherme Oliveira Martins e Luís Moita fizeram a apresentação deste trabalho, em que o autor junta a uma interessante conferência proferida em Havana dois outros textos que, no seu conjunto, nos permitem olhar para a Revolução de 1974 numa ótica prospetiva.

Álvaro Vasconcelos é uma das figuras a quem Portugal muito deve, no campo da promoção da reflexão em matéria de política externa e europeia. Alma do saudoso Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais (IEEI)(1980/2007), viria a dirigir, em Paris, o Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia (2007-2012). Bem antes disso, durante a ditadura, esteve exilado na Bélgica e em França, tendo tido então um percurso político pela extrema-esquerda maoísta, que se manteve ainda por algum tempo depois do seu regresso a Portugal, no 25 de Abril.



Teresa de Sousa, que o acompanhou nesse ciclo político, lembrou que ambos haviam pertencido à AOC (Aliança Operário-Camponesa), uma organização “de massas” dependente de uma das fações do PCP-ML. 

A AOC foi uma sigla que se tornou popular nas eleições dos anos 70, quando a sua propaganda televisiva era “Vota no castelo!”. A AOC tinha uma agenda política fortemente contrastante com a dos comunistas do PCP. A sua palavra de ordem era “cada voto na AOC é uma espinha cravada na garganta do Cunhal”. 

Teresa de Sousa lembrou também que, curiosamente, AOC é hoje o nome por que é muito conhecida uma das deputadas democráticas americanas mais fortemente crítica de Trump, Alexandria Ocasio-Cortez.

Quando ouvi esta história, lembrei-me de outra. Um dia, em Paris, depois do termo das suas funções na estrutura da União Europeia, decidi convidar Álvaro Vasconcelos para almoçar, para lhe agradecer toda a colaboração que havia dado à embaixada que eu chefiava, enquanto havia ocupado aquele cargo. Escolhi uma zona que não era muito longe da residência dele. Não lhe disse o nome do restaurante, apenas o endereço, próximo do Instituto do Mundo Árabe, no final do boulevard Saint-Germain. 

Lá nos encontrámos, o almoço correu bem, brindámos ao futuro que, dentro de meses, ambos passaríamos a ter em Portugal. No final, disse-lhe que a escolha do restaurante era também, em si mesma, uma homenagem a ele. Nem imaginam a gargalhada que do Álvaro quando se deu conta de que o nome do restaurante era precisamente o AOC...


Honra a Messi


Desde há anos que, do Manchester United ao Real Madrid e agora à Juventus, “sofro” por Cristiano Ronaldo. Alegro-me quando ele marca e ganha, desespero quando ele falha e perde. Sinto os seus êxitos um pouco como meus, olho as suas conquistas como um orgulho coletivo do país. Acho que ele faz imenso pela notoriedade de Portugal - e isso, para mim, é um valor. (Noto, para que não haja dúvidas, que o mesmo me acontecia com José Mourinho). 

Dito isto, tenho de reconhecer que ver jogar Lionel Messi faz parte dos meus maiores prazeres futebolísticos regulares. Com uma vida a ver bom e mau futebol, raramente observei um jogador tão genial e completo. Messi é um génio, como Ronaldo o é, cada um à sua maneira. Um drible curto de Messi, na área, ou um seu passe milimétrico equivalem àqueles livres, fantásticos e precisos, de Ronaldo, ou aos seus cabeceamentos, “lá de cima”.

Quando ocorre um jogar contra o outro, claro que quero que Ronaldo “esmague” Messi, tal como nos prémios do “melhor do mundo”. Mas nem por um segundo isso faz com que eu alinhe minimamente na cultura anti-Messi que por aí anda, que também leva o Barcelona por arrasto. Ontem, ao ver o Liverpool-Barcelona, apreciei em especial o espetáculo, a “remontada” britânica, com aquele curiosíssimo canto, a fechar o jogo. Ah! E gostei dos cumprimentos entre adversários, no fim.

A máscara

Fiquei sem muitas palavras. Um amigo, daqueles que me conhecem "de gingeira", disse-me, há pouco, com uma crueldade nada compatíve...