Sexta-feira passada foi dia de São Valentim. A propósito, veio-me à memória a história que um amigo português, residente em Londres, me contou um dia. Ao aproximar-se a data do "dia dos namorados", que também se ligava com um fim de semana, decidiu oferecer-se, bem como à sua mulher, uma estada e um passeio pela zona sudoeste da Inglaterra, por Cornwall. Desafiou um casal amigo, também português, a juntar-se-lhes. No "Michelin", ele havia descoberto um hotel que parecia muito simpático, numa pequena localidade, já próxima do cabo mais ao sul do Reino Unido.
Cornwall era uma região onde ainda nenhum dos quatro viajantes tinha ido. Esse meu amigo, contudo, já se deslocara bastante pela Inglaterra. Durante os meses que haviam antecedido a chegada da mulher a Londres, tinha passeado sozinho, quase todos os fins de semana, por várias zonas do país. Porém, esse "sozinho" era um conceito que a mulher nunca "digerira" por completo, porque sempre alimentou uma suspeita residual sobre todo aquele afã turístico fora de Londres, a montante da sua chegada. Coisa de mulheres ciumentas, claro!
Nesse tempo sem GPS dos anos 90, as pequenas cartas das localidades que os Guias Michelin traziam eram de grande utilidade, para evitar perdas de tempo. A localidade onde iam alojar-se não era grande e o meu amigo havia-se dado ao cuidado de decorar o caminho que, desde a entrada no pequeno burgo, era preciso fazer para chegar ao hotel. E, por essa carta, até ficou a saber que o hotel ficava à esquerda, no fundo de uma determinada rua.
A viagem foi agradável, com uma conversa divertida, entre casais que, não sendo íntimos, se davam bem. Chegados à localidade, esse meu amigo, que conduzia, começou a cortar à esquerda e à direita, nas esquinas das várias ruas, recordando-se com precisão do mapa para que tinha olhado com atenção, na véspera. Os companheiros de viagem estavam surpreendidos com tanta destreza. A mulher ia em silêncio. A certo passo, o meu amigo teve um derradeiro momento de "glória", ao anunciar: "o nosso hotel fica na segunda rua do lado direito; ao fundo da rua, à esquerda". E ficava mesmo.
O casal acompanhante estava siderado! Como é que ele tinha "dado" com o hotel, conduzindo, rua a rua, sem hesitação, sabendo mesmo de que lado da artéria se situava o hotel? Não, não era possível que ele nunca tivesse ido àquela localidade! O meu amigo, para gozar o momento, ia adiando a revelação do truque que tinha utilizado. Foi então que a mulher, ainda no hall do hotel, de cara muito fechada, lhe disse: "Com que então nunca cá tinhas vindo?" E disparou para o quarto, amuada, antes que ele tivesse tempo de revelar o engenhoso método de orientação utilizado. As explicações que depois lhe tentou dar caíram em saco roto.
Esse dia de São Valentim havia ficado, em definitivo, estragado. O ambiente do jantar a quatro ressentiu-se também. Ao café, os dois maridos encostaram-se ao bar a tomar um whisky, tendo comentado entre si o incidente. Foi aí que o companheiro de viagem do meu amigo, críptico, se saiu com esta: "Será que a sua mulher foi influenciada pelo nome português desta zona?". O meu amigo hesitou um leve segundo, antes de se juntar ao companheiro numas boas gargalhadas, cuja razão não revelariam nunca às mulheres. É que, em português, Cornwall, traduz-se por Cornualha...