sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Sovinice

Despedidos os visitantes, até ao jantar que iria ter lugar na residência, o embaixador regressou ao seu gabinete na chancelaria daquela pequena embaixada perdida no mundo. A mesa em que tivera lugar a reunião estava em alguma confusão. Pequenas notas garatujadas, deixadas para trás pelos participantes, já sem préstimo. Uma folha de A4, cuidadosamente escrita, bem caligrafada, permanecia, contudo, frente ao lugar que fora ocupado pelo ministro. Seria algo importante? O embaixador, curioso, decidiu-se ler o que nela estava escrito. Podia dar-se o caso do papel ser necessário ao governante, para a reunião com o seu homólogo, no dia seguinte. Nesse caso, entregar-lha-ia antes do jantar.

Ao lê-la, ficou hesitante. Na folha havia pequenos apontamentos, com os temas da agenda, seguidos de comentários sintéticos, do tipo "imp" ou "ok" ou "ver com atenção", com alguns pontos de interrogação pelo meio. Não parecia um papel imprescindível. Uma nota, dentro de uma "caixa", no verso da folha, chamou a sua atenção. Era de diferente natureza. Eram as "compras".

Nesse tempo, ir de Portugal ao estrangeiro significava poder encontrar uma oferta comercial diferente ou a melhores preços, razão pela qual quem se deslocava optava por efetuar a aquisição de certos produtos, normalmente nos "free-shops" dos aeroportos. Isso era muito vulgar no caso dos perfumes. E, no caso, lá estavam eles: para a mulher um "Cacherel", para o pai um "4711 ", para um nome de senhora não identificado, talvez uma filha, um "Miss Dior". E, na última linha, uma quarta lembrança, com nota bem sublinhada: "Secretária - água de colónia - barata!"

O embaixador decidiu-se por não devolver a lista de compras. Não lhe apetecia que o ministro o viesse a ter por cúmplice silencioso da sua "shopping list" e, em especial, da sua sovinice.

12 comentários:

Anónimo disse...

Lembro-me de um ministro que viajava com a secretária, há uns bons vinte anos. Portanto não devia ser esse - e a secretária não era de usar perfumes baratos.

Isabel Seixas disse...

É, seria talvez melhor a opção por um frasco pequeno...
Os grandes aromas guardam-se em frascos pequenos.

Anónimo disse...

Se o Sr. Ministro tinha escolhido, para o pai, a colónia "4711", que nunca foi conhecida por ser particularmente cara, eu imagino o montante destinado ao néctar reservado para a secretária...

margarida disse...

Isso foi para despistar!
Na realidade, a secretária recebeu o melhor perfume.
Tantos anos no ‘milieu’ e ainda o conseguem enrolar, excelência…

patricio branco disse...

magnifica caneta a do ministro com que rabiscava a lista de compras, uma montblanc, claro que não necessitava do papel, memorizou tudo o que necessitava, por isso o deixou, havia 1 ministro que ia fazendo desenhos no papel, caras, rostos com ou sem barba,enquanto decorriam os trabalhos da reunião, muitas vezes esses apontamentos ou listas fazem se por tédio, para passar o tempo, o melhor para uma secretária são chocolates, bem, para o ministro era uma colonia barata, a 4711 tambem é económica, logo o pai tambem lhe saia barato, mas tem um aroma fresco, limpo, citrico, e devia ser o que o pai gostava e usava, etc

Anónimo disse...

Não são muitos os comentários ao seu post, nem sei quantos poderão ser de Senhoras. Mas concordo que o que está certo é o da comentarista Margarida. As damas são muito mais intuitivas nestes pormenores...

Defreitas disse...

Senhor Embaixador: Quem pagava os perfumes? A carta de crédito pertencia a quem? Qual era o limite autorizado pelo MNE para as compras destinadas à família e amigos? Um dos seus antigos chefes,
Freitas do Amaral dá-nos uma pequena ideia de como o "estado português", ou talvez melhor, "os homens e mulheres" que temos vindo a eleger ao longo dos últimos anos, tem vindo, ao longo dos mesmos, a gastar o dinheiro dos contribuintes... nas viagens diplomáticas, nos carros, e no resto.... Nem todos, certamente, mas tantos, tantos, que Portugal está lá onde está!


http://youtu.be/2ojiDECioDM

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Defreitas: Por mim falo: quando fui secretário de Estado, o único cartão de crédito que tinha era o meu, pessoal.

Defreitas disse...

Senhor Embaixador: Longe de mim de pensar o contrário. Por isso mesmo não generalizei.

Catarina disse...

margarida a troca de perfumes está optima.Hoje muito me tenho lembrado daqueles que estão a jantar com a pessoa errada,no dia dos namorados...mas então "é a vida"

Anónimo disse...

O mistério reside, contudo, no "Miss Dior".

Anónimo disse...

Não estará Freitas do Amaral meio confuso? Por acaso tb o ouvi...


Nunca conheci alguém, do mne com cartões de crédito se não pessoais! Se é pessoal ninguém tem nada a ver, com os gastos de cada um, ora essa!!!!!!!!!

Agora, vamos lá a não confundir compromissos oficiais, viagens, estadas, etc...
Queriam que pagassem os próprios?

É assim que se faz no privado?
Pois....








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