O conceito é antigo, tem mesmo uma significação que não é alheia à religião. Nas décadas mais recentes, a palavra "subsidiariedade" tem andado um tanto na moda, querendo significar que, nas hierarquias e nas estruturas dos Estados, as decisões devem ser tomadas ao nível mais baixo possível, sem perda e até com ganhos de eficácia, evitando a tradicional tutela "top-down", aproximando assim o poder decisório dos cidadãos.
Na vida das instituições europeias, o conceito tem os seus momentos de glória, erigindo-se como orientação em muitas políticas e práticas comunitárias, evitando acusações de as estruturas bruxelenses querem tratar de tudo, em detrimento dos poderes nacionais e até regionais. Nem sempre, contudo, por boas razões. Algumas vezes, a aplicação estrita do princípio tende a desresponsabilizar as entidades de topo, através de uma demagógica descentralização que pode ter efeitos de agravamento das desigualdades entre os Estados. Por isso, em determinados contextos, Portugal e outros Estados chegaram a opôr-se, e bem, a formas perversas de utilização do princípio.
Nesse contexto, era o caso. Aquele ministro português, num ano já longínquo, no "briefing" que lhe foi feito pelos diplomatas e técnicos que trabalhavam na nossa representação junto da instituições comunitárias, em Bruxelas, tomou boa nota da posição que lhe era aconselhada para a sua intervenção no conselho de ministros europeu, que teria lugar no dia seguinte. E não colocou quasquer objeções à proposta de rejeição do conceito de subsidiariedade naquele contexto específico.
A grande desvantagem dos "briefings" feitos de véspera, pela minha experiência pessoal - de funcionário e também de membro do governo -, é que tal permite aos governantes "dormirem sobre os assuntos" e, às vezes, dá-lhes na veneta terem sobre eles ideias próprias. O que, como diria Sir Humphrey, é um risco que os Estados devem ter todo o cuidado de evitar.
Foi o que aconteceu com aquele ministro. No dia seguinte, à entrada do conselho, chamou de parte o diplomata que iria assessorá-lo nos trabalhos e informou-o:
- Estive a refletir melhor sobre aquela questão da subsidiariedade. Acho perigoso estarmo-nos a opor à proposta da Comissão.
O funcionário ficou siderado! Em todas as instância anteriores, sob precisas instruções de Lisboa, Portugal tinha deixado muito clara a sua oposição à aplicação do princípio naquele caso particular, porque disso poderiam resultar impactos pouco consentâneos com os nossos interesses. Seria assim muito difícil explicar uma súbita mudança de atitude. E perguntou ao ministro as razões que fundamentavam a sua posição. Ficou logo esclarecido:
- Então Portugal não quer sempre obter subsídios da União Europeia? Porque é que, desta vez, nos opomos à subsidiariedade? Parece-me incoerente, não acha?
8 comentários:
Senhor Embaixador,
"How sharper than a serpent's tooth it is to have a thankless minister."
Rei Lear, adaptado.
Com os meus respeitosos cumprimentos,
Henrique Souza de Azevedo
Discordo,Senhor Embaixador.
Infelizmente,isto é coerência. Coerência com o nível dos "saberes" e "competências" de muitos dos nossos governantes.
Senhor Embaixador, se atentarmos bem no significado de subsidiaridade (de subsidiário, de subsídio, e daí subsidiaridade (e não subsididiari-e-dade, mas alguns dicionários poderão reconhecer este termo), talvez, inocentemente, ingenuamente, o tal ministro acertasse, não?
O orgulho mais feroz nasce sobretudo no momento duma impotência
Ui!
Let me guess: O ministro está agora numa empresa subsidiária do Estado a contratar swaps, cujas rendas, ele até sabe, serão pagas com subsídios que foram consequência da sua coerente resolução enquanto governante.
(Lá está o Sr. Embaixador a deixar a dúvida no ar. Depois nós pensamos que são todos...)
Aqui no interior estamos habituadíssimos à subsidiariedade: Quando é para cortar, Lisboa é lesta na aplicação do princípio. Quando Bruxelas manda uns dinheirinhos o princípio tem fim no Chiado...(ou na av de Roma?...)
antónio pa
conheço alguem que se atrapalhava com o palavrão ao querer dizê lo, gaguejava, ficavamos todos suspensos, os que o ouvíamos, só à terceira tentativa é que acertava a dizê la completa. sempre lhe dei razão, é uma palavra em que se tropeça, eu evito dizê la, quanto ao ministro tropeçou no sentido...
Meu Caro Francisco,
Vou atrever-me a duas perguntas parvas (adoptei o adjectivo no Alentejo que fez o favor de me adoptar) :
. porque vamos vender os "Mirós"?
. porque me lembrei do anúncio publicitário de uma antiga "pasta medicinal" ?
Aquele abraço de sempre.
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