terça-feira, julho 23, 2013

Profissionalismo real

A operação mediática em torno do nascimento de um novo príncipe britânico, a exemplo do que ocorreu com o casamento de seus pais ou com o "jubileu" da raínha, está a ser feita com um imenso mas já tradicional profissionalismo. Se o interesse dentro do país é natural, acompanhado do "merchandising" de regra, já a exportação intensa, um pouco por todo o mundo, deste "glamour" acaba por ser muito curiosa, pelo facto de conseguir mobilizar, durante semanas, jornais, revistas e televisões de culturas muito diversas e nada similares à britânica.

O que será que torna a coroa britânica mais apelativa, face aos seus congéneres? Seria muito interessante fazer uma análise deste fenómeno, que leva a que a coroa londrina suplante, a grande distância, qualquer dos seus pares europeus. Ainda há dias, verificámos que a transmissão de poder real na Bélgica, tal como há semanas ocorrera no caso holandês, quase que passou despercebida, tal como o nascimento de um príncipe sueco ou luxemburguês apenas suscita algumas modestas linhas. Dir-se-ia que só as coroas monegasca e espanhola conseguem concitar algum interesse similar, mas sempre a uma imensa distância do caso britânico.

É claro que, nas últimas décadas, quase todas as coroas tiveram de viver, lado a lado com estes fatores simbólicos de sedução, com a revelação de crises familiares que as ensombraram, que vieram a provar (o que já ocorria, mas era um pouco disfarçado) que, afinal, a vida das realezas sofre dos mesmas problemas da do comum dos mortais - com os seus dissídios, traições, divórcios, corrupção e coisas análogas. Essa circunstância, se bem que algo debilitante do caráter "mágico" das coroas, pode contudo ter servido como um fator de aproximação da existência da coroa à vida vulgar de cada um de nós. No caso britânico, o fenómeno Diana trouxe mesmo uma figura com um final trágico a esta saga familiar.

Dito isto, só cabe desejar longa vida ao novo príncipe e, provavelmente, futuro chefe do Reino Unido da Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, bem como chefe da Comunidade britânica. 

segunda-feira, julho 22, 2013

Que há-de ser de mim?

Afeganistão, 2013

"Deixem-nos trabalhar!"

Foto de MFPLCB

... e logo verão!

O Sporting ganhou ontem a Taça de Honra.

"Desassa!"

Lá pela minha terra, por Vila Real, havia em tempos um homem bastante forreta, que era conhecido por aproveitar todas as "borlas" que se lhe ofereciam. Um dia, estava à porta de casa, esperando a hora do jantar. A mulher tinha acabado de ir para a cozinha, dizendo que ia assar uma carne. Entretanto, um amigo passou pela rua e convidou o nosso homem para ir comer uns petiscos lá a casa. Entusiasmado, gritou para a mulher, uma frase que ficou famosa:

- Ermelinda! Desassa!

Ontem, ao ouvir o presidente da República, lembrei-me desta historieta. Porquê? Sei lá!

domingo, julho 21, 2013

Uma janela em Belém


O telefone do Rato


Renovação

Leio que Honório Novo, deputado do PCP, vai abandonar as lides parlamentares e ser substituído por uma colega mais jovem, regressando à sua profissão de professor. Os comunistas, mais do que qualquer outro partido, mantêm esta regra de jogar livremente com as unidades do "coletivo", numa leitura muito própria do sistema de representação parlamentar.

De há muito que conheço Honório Novo. Conversámos e divergimos sobre a Europa (mais nesses tempos do que hoje), tivemos mesmo um debate televisivo a dois muito vivo, ao tempo em que ele era parlamentar europeu e eu andava pela vida política. É um homem que estuda muito bem os dossiês, que usa uma argumentação forte, por vezes contundente, mas sempre com um quantum satis de saudável ironia. Sei que deixa uma imagem de seriedade e competência entre os seus colegas. É um amigo que, com pena, mas também com democrática naturalidade, vejo abandonar as bancadas de S. Bento.

Um abraço, caro Honório. Ver-nos-emos um destes dias pelo nosso norte. Quase que se pode dizer que você e o Gaspar passam agora a ter mais tempo um para o outro. Embora alguns portugueses desconheçam que Gaspar é (apenas) o nome do seu gato. 

'The powder room"

Uma cena do filme sobre Margareth Thatcher, na qual, depois de um jantar, as senhoras presentes são convidadas delicadamente a saírem, deixando os cavalheiros sozinhos, a fumar um charuto e a beber alguns álcoois fortes, trouxe-me ontem à memória uma cena passada, há umas décadas, numa embaixada portuguesa num país nórdico.

Tinha sido um jantar em "smoking" e vestido longo, com o qual o novo embaixador quisera ter um gesto elegante de cortesia para com algumas das personalidades locais que o haviam acolhido nesses primeiros meses, desde a sua chegada. 

Tudo correra a preceito e o ambiente, no final do jantar, era distendido e alegre. A primeira ronda de cafés fora servida. Forte da sua experiência em países anglo-saxónicos, o diplomata iniciou o ritual:

- Minhas senhoras, convido-as a passarem ao "living". "And the powder room is over there", - disse, apontando para a porta e na direção da casa de banho das visitas, que o embaixador cuidara em ter bem equipada, com escovas, perfumes e tudo quanto presumia necessário para as senhoras "retocarem" a sua aparência, depois da função gastronómica, enquanto aguardariam que os cavalheiros se lhes juntassem.

Mas estava-se num país nórdico. A maioria das senhoras não tinha a menor intenção de deixar os companheiros numa tertúlia masculina. Algumas, contudo, ainda anuíram por gentileza ao convite e fizeram menção de se levantar, mas outras permaneceram no seu lugar e reagiram de uma forma que desarmou o anfitrião:

- "Powder room"? Nem pensar! Eu vou ficar aqui! E, se o senhor embaixador não se importa, vou beber um cognac!

Uma outra disse mesmo que, pensando bem, lhe estava a apetecer um charuto e um "scotch". Outra, ainda, que vivera uns anos entre nós, pediu um Porto.

Toda a sala sorriu. E quem se havia levantado voltou a sentar-se. O embaixador tomou consciência, nesse instante, que tinha entrado num mundo diferente. E também noutro tempo, no modo como os homens e mulheres se comportam socialmente, de forma mais igualitária. Aquele seria o último jantar em que, por ali, as senhoras seria convidadas, no fim de um jantar, a passar pelo "powder room"...

sábado, julho 20, 2013

Livros

Distraído com outras coisas, dou-me hoje conta que a "Sá da Costa", a histórica livraria do Chiado, vai fechar nas próximas horas. Sinto-me especialmente triste pelo facto? Nem por isso, exceto na medida em que o encerramento de uma livraria é sempre uma machadada no património cultural.

Recordo, bem jovem, entrar naquele ambiente escuro e sentir, com alguma incomodidade, as conversas da tertúlia idosa que abancava no local suspenderem-se com o surgimento do intruso. Por alguns anos, a "Sá da Costa" intimidava-me, criava-me um certo desconforto, o que me levava a ser um visitante esporádico. Em certas alturas, tinha a sensação de que faziam um favor ao venderem-me algum livro. Nos últimos tempos, sentia, por vezes, alguma curiosidade em entrar naquele espaço decadente apenas para apreciar a estranha mescla de volumes que compunha as mesas laterais de entrada: "best sellers" misturados com obscuras edições de autor, estudos microscópicos sobre temáticas raras junto a volumes para turistas, prolongando a especiosa escolha que era feita nas duas montras. 

Nunca percebi a "Sá da Costa", a sua lógica e a sua filosofia. Reconheço que o defeito deve ser meu. E deve ser o mesmo que fez com que não tivesse sentido muito o fim da vizinha "Diário de Notícias" ou da "Portugal". Ou que me faz ser algo "neutral" face à "Bertrand", que apenas reconheço fazer parte da identidade da zona, hoje transformada numa espécie de Algarve lisboeta. Por mim, guardo saudades livreiras do Chiado apenas para a "Moraes" e para a "Opinião".

sexta-feira, julho 19, 2013

Equação

1. O ministro de Estado e das Finanças demite-se.
2. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros demite-se.
3. Os mercados internacionais reagem muito mal à crise no seio do governo.
4. O primeiro-ministro anuncia ao país que a crise no governo foi superada e que propõe ao presidente da República uma remodelação do executivo.
5. O presidente ignora a proposta de remodelação e pede que os partidos do governo, com o principal partido da oposição, o Partido Socialista, procurem um entendimento programático.
6. O Partido Socialista aceita dialogar com os partidos do governo.
7. Os partidos encontram-se durante uma semana, anunciando, no final, que não foi possível chegarem a um acordo.
8. A culpa da crise de governabilidade em que o país fica é do Partido Socialista.

Fácil e claro, não é?

Algarve

Para o imaginário português (e não só), Algarve em julho (e agosto) é sinónimo de férias.

Há exceções. Eu fui uma delas. Por pouco mais de 24 horas, estive no Algarve, mas em trabalho. Com um tempo fabuloso, lá vi o mar. Mas ao longe.

quinta-feira, julho 18, 2013

FHC

Fernando Henrique Cardoso, que por dois mandatos foi presidente do Brasil, abrindo depois caminho ao presidente Lula, esteve alguns dias em Lisboa. Muito respeitado internacionalmente, é uma personalidade que honra o seu país, em cuja história democrática tem um lugar destacado. Tive o gosto de o encontrar, em excelente forma e bem disposto, no passado fim de semana, durante um almoço de amigos.

Ser uma figura pública tem, por vezes, o condão de proporcionar episódios curiosos. FHC, como é conhecido no Brasil, contou-nos duas histórias deliciosas.

A primeira foi passada numa rua de uma capital sul-americana, onde se deslocara, vários anos decorridos após a sua saída de funções. 

Um casal, ainda jovem, olhava para ele fixamente. Tinham ar de turistas, pelo que deduziu que fossem brasileiros. Não se enganou, ao ouvir o cavalheiro dirigir-se-lhe em português:

- Eu conheço-o! Deixe-me ver...

O presidente estava divertido com a hesitação dos seus compatriotas. Foi então que a senhora se decidiu:

- Já sei! O senhor trabalha na "Globo"! Não é isso?

- Trabalhava! Agora já não apareço mais na "Globo". O meu contrato acabou...

A segunda historieta é mais recente. Passou-se num elevador onde FHC seguia. Entram duas senhoras. Ambas o fitam. Uma delas, após alguma hesitação, pergunta:

- Desculpe! Não é o Fernando Henrique Cardoso?

O antigo presidente decidiu brincar um pouco:

- Não, esse é o meu irmão...

Ao que outra comentou:

- Pois é! O senhor é bem mais velho que ele!

quarta-feira, julho 17, 2013

O MES ainda anda por aí?

Foi um partido cheio de ambições. (Alguns não perceberão, outros não concordarão, muitos sabem "onde eu quero chegar" quando afirmo que as suas mais importantes ambições foram realizadas). Criado em 1974, dissolveu-se, "na boa", em 1981. Com uma jantarada, como deve ser!

Por ele passaram um presidente da República, vários ministros, um líder da oposição, muitos secretários de Estado e outros políticos, reitores e professores universitários, altos magistrados, embaixadores e várias figuras com saliência na sociedade portuguesa contemporânea.

Lembrei-me ontem do MES, ao ver Alberto Martins como negociador do "acordo de salvação nacional", exercício a cujas conversações assiste, em representação de Belém, David Justino. Para quem não saiba, ambos foram antigos militantes do MES.

Isto não quer dizer nada? Talvez não, mas não deixa de ter alguma graça.

Uma outra esquerda

A democracia portuguesa tem alguns fenómenos curiosos.

Um deles, bem conhecido, é o Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), uma formação na qual nunca ninguém votou diretamente em qualquer eleição, porquanto aparece sempre incluída numa "frente", que em tempos já se chamou APU e que agora se designa por CDU, onde o PCP é, sem surpresas, o partido dominante. O aproveitamento constitucional de uma "quota" de representação política, que permite a criação de um outro grupo parlamentar, duplica assim os tempos de palavra e, como agora se vê, garante que, no âmbito da mesma CDU, possam ser suscitadas duas moções de censura. Durante muitos anos, o PEV tinha como face mais visível a minha amiga Isabel de Castro. De há já algum tempo para cá, é a inconfundível voz de Heloísa Apolónia que passou a fazer parte do património sonoro do nosso parlamento.

A mais enigmática formação neste âmbito é, porém, a "Intervenção Democrática", uma estrutura política cuja visibilidade e atividade quotidiana mereceria, estou certo, ser estudada numa tese de doutoramento. Desde sempre dirigida por um homem simpático, com quem tenho uma relação bem cordial, Corregedor da Fonseca, surgiu como que uma espécie de herdeiro do MDP-CDE, esse "alter ego" ou "compagnon de route" dos comunistas, que chegou a ganhar um lugar na história político-partidária portuguesa. Até 1988, a ID (é esta a sigla de uma formação a cujos comícios os portugueses nunca terão o privilégio de assistir) teve um grupo parlamentar e tudo. Desde então, surge apenas sazonalmente, numa espécie de "troika" com o PCP e o PEV no seio da CDU, criando a ideia de que forma uma aliança política, de incidência eleitoral, fruto da laboriosa conjugação dos três programas.

Se estas três organizações - PCP, PEV, ID - se mantêm independentes, uma lógica de razoabilidade deve levar-nos a pensar que têm doutrinas e programas próprios, os quais, tendo necessariamente pontos comuns que justificam a permanência da "aliança", também têm, com certeza, divergências que justificam a sua existência autónoma. Ora esse é, para mim, o grande mistério. Em que pontos se afastam? Qual a sua idiosincrasia própria? Que conflitos ideológicos alimenta a ID com o PC? Em que se opõe o PEV ao PCP? Que temáticas dividem "Os Verdes" da ID?

Estas são dúvidas com que vivo há anos. Serão bem-vindos comentários que me ajudem a atenuá-la. 

terça-feira, julho 16, 2013

"Gazeta da Selvagem Pequena"

"Há quem tenha a ilusão de que o presidente da República pode impor aos partidos, contra a vontade destes, a sua participação em governos de coligação, por vezes apelidados de salvação nacional".

Aníbal Cavaco Silva, in "Roteiros", vol VI, 2011/12, pag. 22

Os pretos

Na minha infância, em Vila Real, praticamente só havia brancos. O primeiro preto que recordo ter aparecido na cidade foi o Ângelo, um jogador de futebol, depois reconvertido em massagista, que por lá ilustrava a "diferença". Era um homem encantador e educado, que conquistava pelo seu trato humano. Casou com uma senhora branca e, lembro-me bem, isso provocou localmente alguns comentários de desaprovação.

(Por que razão ele escreve "preto" e não "negro"?)

A imagem que, à época, a minha geração cultivava dos pretos era mais de estranheza do que hostilidade. Verdade seja que os livros e as coleções de cromos sobre as raças humanas, então muito populares, mostravam-nos esses outros mundos bizarros e apenas estimulavam uma certa curiosidade antropológica. Os pretos do "Tintin no Congo" não eram muito diferentes, no seu exotismo, do "preto da Casa Africana", que fazia sorrir os passantes. O preto que nos era dado por essas imagens era uma espécie de criança grande, parada no seu tempo mental. Não havia racismo em Portugal? Pois, pois...

(E ele insiste! Escreve "pretos"...)

Depois de 1961, no nosso imaginário juvenil, fomos estimulados  a identificar os pretos com os "terroristas". Para quem hoje não saiba ou possa ter esquecido, lembro que os "terroristas" eram os pretos que "atentavam contra a soberania portuguesa no Ultramar". O facto dos primeiros ataques da UPA (União dos Povos Angolanos), antecessora da FNLA, terem dizimado, de forma particularmente bárbara, muitos civis angolanos (e, para nossa surpresa, também muitos pretos, ditos "fiéis" aos portugueses, isto é, aos brancos), tornou vulgar na comunicação social de então o conceito de "terroristas", logo, de forma simplificada, apodados de "turras". No ambiente jingoísta da época, um preto era um "turra".

(Pior! Agora fala de "pretos" e de "turras"...)

Para dar mostras de abertura, o regime ditatorial português promovia os seus pretos de estimação. Para além do futebol, onde o "4-2-4" era um espaço de convivência inter-étnica que mostrava ao mundo como sabíamos integrar com sucesso o pé-de-obra colonial, a ditadura mostrava alguns dos "seus" pretos, que apresentava ao mundo como a prova provada da abertura do Portugal-do-Minho-a-Timor e da nossa ímpar capacidade de convivência inter-étnica.

Uma dessas caras foi Pinheiro da Silva, que, creio, foi secretário provincial de Educação de Angola e morreu há muito pouco tempo. O que o regime não permitiu que se soubesse através da imprensa, porque não ia bem com a história que pretendia propagar, é o episódio em que o deputado salazarista Júlio Evangelista insultou publicamente Pinheiro da Silva e, perante a reação deste, que se preparava para vingar fisicamente a humilhação, lhe atirou à cara: "Alto aí! Preto não bate em branco!"

(Que história sórdida! Mas, se calhar, é verdadeira!)

Mas a que propósito vem isto hoje, perguntará o leitor? É muito simples: surge a propósito da afirmação de um senador italiano que ontem decidiu qualificar de "orangotango" uma ministra do seu país.

O mundo evoluiu muito. A mesma América que, há escassas décadas, impedia a entrada de pretos em certos autocarros, elegeu Obama. A África do Sul, que não permitia senão a brancos que se sentassem em certos bancos de jardim, revelou Mandela como uma figura ímpar no seu humanismo. E, no entanto, neste século XXI, continuam a subsistir e a ser eleitos atrasados mentais como o tal senador italiano. E a revelarem-se diariamente, no anonimato cobarde dos comentaristas nos "sites", um racismo e uma xenofobia larvares, que mostram que há um Portugal desconhecido (ou menos conhecido) que espera por nós, ao virar da esquina do populismo.

Porque razão utilizei a palavra "preto" e não "negro"? Porque há muito que me convenci que uma postura anti-racista não se demonstra pelo léxico que se utiliza, por muito que alguns puristas nos queiram convencer do contrário. Eu digo, indiferentemente, preto ou negro e desafio quem quer que seja a inculpar-me do menor racismo nas minhas ações. Tenho amigos pretos, ou negros, se quiserem, e a sua cor é uma coisa que só os outros me lembram. A tolerância e a capacidade de convivência com a diferença é uma atitude de vida, de respeito pelos outros e, muito em especial, de orgulho em fazermos parte de um país que, no plano internacional, é hoje distinguido pelas suas políticas de integração das comunidades imigrantes (sabiam?). E onde, contrariamente a outras sociedades mais desenvolvidas, nunca se ouviu um eleito nacional assumir publicamente palavras tão torpes como as do triste senador italiano.

Termino com uma nota menos pesada.  

Sobre a questão do "preto" e do "politicamente correto" (para além do que um dia já referi aqui), recordo uma pessoa que, nos seus primeiros tempos do Brasil, foi um dia apanhada a dizer "Ouro Negro", porque temia que, ao falar em Ouro Preto, estivesse a pisar alguma linha vermelha (ou "encarnada", como o salazarismo subtilmente recomendava e um certo ridículo social lisboeta teima em querer impor).

segunda-feira, julho 15, 2013

Comidas

A delegação portuguesa, chefiada por um jovem governante que, pela primeira vez, se deslocava a Bruxelas, saía do edifício comunitário e encaminhava-se já para os carros quando o mais graduado dos técnicos presentes se aproximou do político e lhe sugeriu:

- Não alinha em comer uma "moules"? Conheço um sítio excelente, onde as há magníficas!

O governante (que nada tinha a ver com os Negócios Estrangeiros, note-se), um pouco embaraçado, respondeu:

- Sinto-me tentado! Mas o que é que fazemos com a nossas mulheres?...

Com maior ou menor rigor, garanto a veracidade desta história.

domingo, julho 14, 2013

Ainda a "salvação nacional"

O conceito de "salvação nacional", há dias invocado pelo presidente da República, remete, na memória da minha geração, para a "Junta de Salvação Nacional", criada na tarde de 25 de abril de 1974 e que viria a sobreviver até à criação do Conselho da Revolução, na sequência dos acontecimentos de 11 de março de 1975. 

Quem conhece melhor esse período sabe que a Junta deixou, na prática, de funcionar como tal após o chamado "golpe" de 28 de setembro de 1974. Embora alargada na sua composição na sequência desses acontecimentos (Nuno Fisher Lopes Pires, que ontem foi a enterrar, integrou-a a partir de então), julgo que não reunia regularmente nessa sua nova composição, passando a trabalhar sob o formato do chamado "Conselho dos Vinte", que incluía os chefes dos três ramos e outras figuras do MFA. Na noite de 11 de março de 1975, quando um grupo de militares, do qual eu fazia parte, se deslocou ao Palácio de Belém para interpelar os poderes militares aí reunidos sob a presidência de Costa Gomes e reclamar a realização de uma Assembleia "ad hoc" do MFA para essa mesma noite, foi o "Conselho dos Vinte" que por lá encontrámos.

A minha "relação" pessoal com a Junta começou bastante cedo, na noite de 25 de abril, quando, como Aspirante, fiz parte do grupo de militares que recebeu os membros Junta à entrada da RTP, na alameda das Linhas de Torres, que a minha unidade tinha ocupado na madrugada desse mesmo dia. Os carros que vinham do "posto de comando do MFA", na Pontinha, que traziam os membros da recém-criada Junta, pararam junto ao acesso à rampa que dava acesso aos estúdios, ao lado de uma bomba de gasolina que por ali havia. Atrás de Spínola, surgiram então umas fardas e alguns civis. Esse grupo começou a subir a rampa mas, porque tememos que alguém se aproveitasse da confusão para ter também acesso à RTP, tomámos a decisão de identificar cada um dos civis - já que quanto àqueles que estavam fardados a questão se não colocava. Recordo-me de, com a minha pequena metralhadora FBP, ter travado o passo a algumas dessas figuras. Uma delas, um homem de fato escuro e ar sorridente, identificou-se: "Eu sou o coronel Galvão de Melo, membro da Junta de Salvação Nacional". Não fazia a menor ideia sobre quem constituía a Junta, salvo Spínola e Costa Gomes. E, atrapalhado, lá deixei passar Galvão de Melo (na histórica foto de Alfredo Cunha, à direita), um dos dois membros da Junta oriundos da Força Aérea (o outro membro, Diogo Neto, estava em Moçambique).

Por razões que não vêm para o caso, em meados do mês de agosto seguinte, eu tive de ir procurar o então major Costa Neves, chefe de gabinete  de Galvão de Melo, que estava de visita à penitenciária de Lisboa, onde, na véspera, tinha terminado um motim dos agentes da "Direção Geral de Segurança", o nome que o marcelismo tinha dado à PIDE, e que aí se encontravam detidos. Eu era então membro da "Comissão de Extinção da ex-PIDE/DGS e LP". Costa Neves ouviu o que eu tinha para lhe dizer e, a certa altura, perguntou-me: "Você é do Exército, não é?". Eu ia "à civil". Respondi que sim. A ordem foi imediata: "Então, fica, desde já, nomeado representante do Exército na Comissão de Inquérito sobre o motim dos pides. Sou eu que presido, há um representante da Marinha e você fica relator. Espero que saiba escrever...". Expliquei que tinha uma "guia de marcha" para me apresentar na prisão de Caxias, onde iria trabalhar nos arquivos da polícia política. Costa Neves não hesitou: "Não se preocupe com isso. Eu requisito-o. A partir de agora, fica a trabalhar comigo". E, logo nessa tarde, fui nomeado "assessor da Junta de Salvação Nacional", no gabinete do então já graduado general Galvão de Melo, que tinha precisamente na sua tutela a "Comissão de Extinção" - nada mais nada menos, a pessoa a quem eu tinha criado momentâneas dificuldades na entrada na RTP, na noite de 25 de abril. E por ali fiquei, até à demissão de Spínola e outros membros da Junta, entre os quais Galvão de Melo.

A Junta de Salvação Nacional funcionava no palácio da Cova da Moura, perto da Avenida Infante Santo. Algumas décadas depois, como acontece até hoje, o edifício passou a acolher a Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus. Que eu viria a dirigir, entre 1995 e 2001. De facto, o mundo é pequeno...

sábado, julho 13, 2013

Campanhas eleitorais

Desde há anos que a "inteligência" portuguesa, na área política e mediática, se refere à irracionalidade do extenso calendário necessário para a realização de qualquer ato eleitoral, muitas vezes sublinhando, como exemplo a seguir, a "sabedoria" de um sistema como o britânico, onde um processo destes se resolve em escassas semanas. Como principal desvantagem do nosso atual modelo, assinala-se a paralisia da vida política e a indecisão que isso induz no país, com efeitos sensíveis no processo económico.

Se se falar individualmente com qualquer deputado do PSD, do PS ou do CDS-PP (tenho menos certezas no que toca ao PCP ou ao BE), quase que posso assegurar que uma maioria esmagadora coincidirá com a ideia de que o tempo que medeia entre o anúncio da dissolução da Assembleia da República e a entrada efetiva em funções de um governo saído de um ato eleitoral é mais do que absurda, fruto de um formalismo de outros tempos. Aliás, há dias, todos ouvimos o presidente da República referir-se a isto, na sua comunicação ao país.

Mas então, se assim é, e se esses deputados são bem mais do que suficientes para encetar e concluir um rápido processo de revisão pontual da Constituição que arrume com o assunto, por que é que ninguém toma a iniciativa de propor uma solução? E, já agora, por que razão o senhor presidente, que deu mostras de estar atento ao problema, não aproveita o ensejo e estimula o nosso parlamento a ultrapassar rapidamente esta situação? 

Estes são os grandes mistérios da nossa classe política!

Nuno Fisher Lopes Pires (1930-2013)

O 25 de abril teve também os seus heróis discretos. Nuno Fisher Lopes Pires, que hoje desaparece, foi um deles. Tenente-coronel do Exército num movimento onde abundavam os capitães, esteve na conspiração desde as primeiras horas e fez parte de quantos, na Pontinha, dirigiram as operações militares.

Conheci-o mal, trocámos apenas breves palavras nesses corredores dos tempos revolucionários, mas recordo-lhe a postura serena, o cachimbo reflexivo e a saudável ausência de ambição ou desejo de protagonismo. É um dos homens a quem, no seu silêncio, devemos a nossa liberdade.

É só saúde!

É fantástica a súbita "onda de saúde" que se espalhou pelo país. Em poucos meses, não são mostradas filas nas urgências dos hospit...