Vem aí mais um Dia de Portugal. Infelizmente,
não vou poder aceitar o convite para estar presente na cerimónia em Elvas,
experimentando a minha nova e curiosa qualidade de membro do corpo
diplomático em Portugal, enquanto diretor executivo do Centro Norte-Sul do
Conselho da Europa. O avião que me trará do Brasil não chegará a horas que me
possibilitem a deslocação a Elvas.
Todos os anos, olho sempre com alguma
curiosidade para a lista dos condecorados no Dez de Junho. Por ela confirmo
juízos sobre pessoas cuja ação meritória o país entendeu finalmente dever
reconhecer publicamente (lá figura um nome que, como embaixador, eu próprio já
havia proposto por mais de uma vez), aprendo a respeitar nomes de compatriotas
que se distinguiram em domínios às vezes insuspeitados e encontro, aqui ou ali,
escolhas que me parecem francamente deslocadas, num juízo de aquilatação
relativa. Outros, nomeadamente os que tomam essas decisões, pensarão de forma
oposta à minha, claro. É da natureza destas coisas nunca serem totalmente
consensuais, embora o bom senso recomende que devam sempre tender a sê-lo.
Há precisamente uma década, também eu subi
ao palanque para receber, das mãos do chefe do Estado, a mais elevada comenda a
que qualquer servidor público pode ambicionar, atribuída por razões então
divulgadas, que me não cabe a mim julgar ou agora reiterar. Digo isto para que
se compreenda que o que a seguir vou dizer não pretende vantagens em causa
própria.
Ao longo dos anos, um pouco como acontece com
os militares, havia-se criado a regra de distinguir, no Dia de Portugal, com a
Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, um embaixador de Portugal que, por uma
carreira distinta ou por ações diplomáticas "valerosas" (como disse o
poeta que marca o dia), se houvesse destacado na execução dessas suas funções
públicas. Era um testemunho de reconhecimento do Estado em domínios de
soberania que, pela sua seletividade e raridade, funcionava, entre nós, como
uma espécie de "benchmark" de mérito (embora, também aqui e uma vez
mais, a doutrina por vezes se dividisse quanto à justeza da escolha feita). E
era um gesto que, do mesmo modo, não deixava de ter algum significado perante
os nossos pares estrangeiros, bem como face aos países onde estávamos ou
iríamos ser acreditados. Os outros Estados, onde estas coisas também se
praticam, frequentemente em moldes similares, sabem bem interpretar o que
significava terem, como representante diplomático português, um embaixador
titular da mais elevada condecoração do seu país.
Agora, de há uns tempos para cá, ou é
desatenção minha ou desapareceram embaixadores nas listas dos condecorados no
Dia de Portugal. Não quero fazer disto uma polémica, mas, com esta realidade,
pode criar-se a impressão de que a função diplomática terá decaído nas tabelas
de apreciação dos poderes públicos. Se assim fosse, isso seria de uma imensa
injustiça e motivo de grande estranheza. É que, com ênfase, regularidade e de
uma forma que não quero crer ser apenas retórica, quer o chefe da diplomacia
quer o chefe de Estado têm vindo a destacar o importante e cada vez mais
difícil trabalho que, em particular nos últimos anos, é discretamente realizado
pela carreira diplomática portuguesa, na tentativa de salvaguarda do prestígio
e dos interesses do país na ordem internacional. Assim, só posso deduzir que,
não devendo essa perceção negativa corresponder à realidade, haverá novos
critérios, seguramente ponderosos mas que, para mim, não são nada evidentes.