terça-feira, agosto 31, 2010

Felipe Oliveira Baptista

O estilista português Felipe Oliveira Baptista acaba de ser nomeado diretor artístico da Lacoste. Segundo a imprensa francesa de hoje, quinze estilistas internacionais estavam, à partida, na corrida para o lugar, para o qual a firma havia feito uma "short list" de seis nomes da qual saiu o nome de Oliveira Baptista.

Felipe Oliveira Baptista nasceu em Portugal, em 1975, tendo-se formado em Londres. Trabalhou em marcas prestigio como Cerruti, Max Mara ou Nike. O estilista estava, desde há algum tempo, a mostrar-se como uma das figuras mais marcantes da nova geração da moda parisiense, com sucessos reconhecidos pelo público e pela imprensa especializada.

Um grande e luso abraço para ele.

segunda-feira, agosto 30, 2010

A aposta

No palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros, há um andar considerado mais "nobre", conhecido como o "terceiro andar" (na realidade é o 1º andar, para quem entra pelo largo do Rilvas). Nele têm os seus gabinetes o ministro e um secretário de Estado.

O acesso ao "terceiro andar" pode fazer-se por uma escadaria com corrimão de mármore e um confortável tapete (na imagem, à direita) ou, em alternativa e um pouco mais adiante, por uma escada mais modesta, que circunda um elevador.

Um certo ministro que, há muito, passou lá pelo MNE, decidiu, um dia, limitar o uso regular da tal escadaria a si próprio e ao secretário de Estado, para além dos respetivos visitantes oficiais. Ao que consta, não lhe agradava cruzar-se na escadaria com diplomatas ou pessoal técnico e administrativo, o qual, no seu entender, deveria utilizar as alternativas de acesso existentes.

Talvez por ter percebido que a passagem a escrito de uma tal determinação poderia tornar-se polémica, a decisão do ministro foi espalhada apenas de forma verbal, mas com indicação de ser para cumprir.

Um dia, o ministro cruzou-se na escadaria com dois diplomatas, que aparentemente haviam ignorado a sua determinação. Com ar grave, perguntou-lhes:

- Os senhores não ouviram dizer que eu dei ordens para não utilizarem esta escadaria?

Um dos diplomatas exclamou, em tom baixo, mais para o colega que o acompanhava:

- Pronto! Ganhaste a aposta!

- Que aposta? - inquiriu o ministro, com ar um tanto agastado.

O diplomata esclareceu:

- De facto, senhor ministro, essa ideia da proibição anda por aí. Mas eu apostei com este meu colega que devia ser um boato de algum inimigo seu, que tinha posto isso a correr para lhe prejudicar a imagem. É que eu não conseguia acreditar que o senhor ministro tivesse proibido a utilização desta escada. Mas, afinal, era verdade! Assim, perdi a aposta.

E, voltando-se para o colega, disse:

- Hoje pago eu o almoço.

Não consta dos anais da casa a reação do ministro.

Para a história, diga-se que a proibição se desvaneceu com o tempo, não necessariamente por virtude deste incidente, mas porque se terá provado impraticável. Como é óbvio, quem quiser pode hoje utilizar a tal escadaria.

"Visiteurs du soir"

À luz de um velho conceito criado pela literatura e pelo cinema, a política francesa consagrou, de há muito, a figura dos "visiteurs du soir", uma espécie de conselheiros informais que as grandes personalidades políticas costumam ouvir ao final de algumas tardes, com maior ou menor regularidade. São, quase sempre, amigos pessoais, saídos da sociedade real, que, pela porta das traseiras, lhes trazem notícias do mundo exterior, que lhes refletem o modo como os políticos são vistos nos meios onde se movem, que dão opiniões sobre a atuação dos seus colaboradores. A sua principal característica será dizerem livremente o que pensam, sem estarem sujeitos a cadeias hierárquicas ou temerem profissionalmente os humores do seu auditor.

Os "visiteurs du soir" são - diz-se! - a "bête-noire" de quantos se acham com direito institucional a ter um acesso privilegiado às personalidades políticas e, em especial, a dispor de uma influência sobre as suas decisões. Assessores e adjuntos, ao que parece, temem essas figuras incontroláveis, cuja opinião pode destruir relatórios, pareceres e outros juízos formais, convenientemente elaborados no sereno remanso da burocracia. Estes nunca saberão, aliás, se a mudança de atitude do chefe perante uma determinada proposta é devida a uma leitura própria ou é derivada da prevenção de um desses visitantes.

A existência dos "visiteurs du soir" é a prova evidente da importância, para as figuras políticas, de não se manterem fechadas numa redoma oficiosa, muitas vezes feita de "yes-men" ou "yes-women", que, com o tempo, acaba por reproduzir o mundo ideal que eles próprios gerado, o qual, muitas vezes, pode estar já distante do mundo real exterior. Saber escolher e saber ouvir os seus "visiteurs du soir", em especial aqueles que não têm interesses próprios por detrás dos seus conselhos, é um atestado de sabedoria dos homens políticos.

domingo, agosto 29, 2010

Interinidade

Em alguns países da América Latina, a assunção de funções de governo por um substituto, na ausência do titular efetivo do posto, tem uma consagração formal muito expressiva. Se um ministro sai para o exterior, por uma qualquer razão, a pessoa que fica responsável pelo seu cargo passa, de imediato, a ser designada por "ministro interino" e, como tal, a ser qualificada obrigatoriamente em cerimónias e na imprensa. Diga-se que, de certo modo, isso lhe confere um suplemento de autoridade e dá aos seus atos um significado diferente, como que colmatando o que poderia ser um vazio político. 

No Brasil, o caso mais flagrante prende-se com as ocasionais ausências simultâneas do presidente e do vice-presidente da República. Neste caso, assume o cargo o presidente da Câmara dos Deputados. Se este estiver ausente, essa titularidade passa, sucessivamente, ao presidente do Senado e ao presidente do Supremo Tribunal Federal. Em alguns casos, estes titulares interinos fazem questão de assumir a plenitude dos direitos do cargo e mudam-se - nem que seja por escassos dias! - para o gabinete presidencial e recebem em audiência nesse cenário, com abundância de fotografias oficiais. Para a história divertida ficou mesmo o caso de quem, no precário exercício dessa fortuita e ocasional função, foi bem longe no usufruto das benesses logísticas a que a mesma dava lugar...

A prática europeia, pelo menos nos casos que conheço, parece ser bastante menos formal. Em Portugal, a um secretário de Estado que fica a chefiar um ministério na ausência do ministro não lhe passaria nunca pela cabeça intitular-se "ministro interino", do mesmo modo que - como uma exceção histórica que só confirma a regra - um presidente da Assembleia da República jamais seria tentado a mudar-se para Belém, durante a ausência do país do presidente da República. Cada terra com seu uso...

Vem isto a propósito de uma conversa que, há menos de uma década, um grupo de embaixadores na ONU (em rigor, deve dizer-se de "representantes permanentes", designação para os chefes de missões diplomáticas junto de organizações internacionais) estava a ter em casa do meu querido amigo e colega espanhol Inocencio ("Chencho") Arias, à volta de um almoço. Por qualquer razão, veio então à baila esta prática latino-americana. Alguns comentaram a profusão de "presidentes interinos" a que a mesma pode conduzir. Nem todos, porém, comungaram dessa visão ligeira.

Um dos colegas latino-americanos, aliás dos mais qualificados entre todos os colegas que cruzei em Nova Iorque, pediu a nossa indulgência e, um tanto embaraçado, revelou: "Também eu, um dia, assumi por três dias as funções de presidente da República. Era o ministro mais antigo e coube-me ocupar o cargo. E, devo confessar-vos, não resisti: coloquei a faixa presidencial e, com a família, tirei fotografia oficial, com constituição na mão e bandeira por detrás. Com os diabos: aquilo só acontece uma vez na vida!".

O quadro do colombiano Botero, com o título de "El Presidente", é talvez cruel de mais, mas não resisti a utilizá-lo a ilustrar este post. 

Decisão

Dizia-se que ela nunca decidia nada. Era injusto, não era verdade. Havia uma coisa em que era vertiginosa: na decisão de adiar.

sábado, agosto 28, 2010

Salazar

Filipe Ribeiro de Menezes, um investigador português residente na Irlanda, publicou uma biografia política de Salazar nos Estados Unidos, como aqui já se referiu, há meses. Essa obra está prestes a ser editada em português, pela Dom Quixote.

De uma entrevista que concedeu à última "Visão", acho interessante citar:

"Não encontrei nada que me fizesse acreditar que Salazar alguma vez pensou, a sério, e desejou, sinceramente, retirar-se da cena política e, sobretudo, da presidência do Conselho de Ministros."

"Salazar era mais dono do seu tempo do que qualquer seu sucessor o conseguiu ser. Não tinha de comparecer perante o parlamento, raramente reunia o Conselho de Ministros, não se tinha de preocupar em manter a liderança partidária, não tinha de ir a Bruxelas semana sim, semana não... Tinha a vida que queria e trabalhou como quis."

"Salazar desejava o poder, e convenceu-se que governaria melhor que qualquer outro português. Estou convencido de que ele acreditava ser (ou que a certa altura acreditou ser) uma figura providencial."

"Se o Estado Novo mal sobreviveu a Salazar não foi devido ao enorme vazio que este deixou e que Marcelo Caetano não conseguiu colmatar - foi porque, graças à guerra colonial, Salazar deixou o regime numa situação impossível de resolver."

"O homem que se orgulhava de ter 'nascido pobre' é insensível à pobreza extrema que se encontra no país, ou à emigração que a política económica dos seus governos provoca."

"O facto de Salazar nunca ter denunciado o Holocausto, mesmo depois de finda a guerra, conta contra ele."

"O 'orgulhosamente sós' foi muito mais perigoso para a soberania nacional, e o papel de Portugal no mundo, do que qualquer outra política desde então seguida."

Godard

Acaba de ser anunciado que a Academia de Hollywood vai atribuir um Óscar de carreira a Jean-Luc Godard.

Este blogue, cujo nome é inspirado num seu filme, e quem o escreve, que deve muito a Godard no modo como ele o ajudou a ver o cinema, regozijam-se com esta decisão, que representa o reconhecimento da indústria americana pelo trabalho que, deste lado do Atlântico, muito contribuiu para a história do cinema.

A obra de Godard evoluiu entretanto para outros terrenos e muitos dos seus admiradores, como é o meu caso, não se reconhecem na sua última fase. Isso não impede que saudemos o seu incontestável génio.

"Long drink"

No ano de 2004, aquele pobre país da Ásia Central mantinha, no essencial, todos os reflexos típicos da época comunista, tal como eu os recordava dos anos 80. O único hotel disponível, marcado pelas autoridades, era mais do que espartano, com o elevador avariado e uma desfuncionalidade geral irritante. Só os preços tinham um mínimo de "elevação", provavelmente inflacionados para estrangeiros. Os quartos estavam decorados de uma forma inenarrável, as casas de banho eram dignas de pensões portuguesas do tempo do Estado Novo, as camas suscitavam insuperáveis dúvidas de limpeza. Como era só por uma noite, não valia a pena fazer de tudo aquilo um drama.

Logo que instalado, desci para o "hall", juntando-me aos quatro colegas que comigo vinham de Viena, cúmplices desse périplo de "fact-finding mission" que nos faria atravessar todas as cinco Repúblicas da região. Rimo-nos um pouco da situação, sob o olhar patibular de uma matrona mal encarada que, na receção, era um modelo acabado de inospitalidade. Perguntámos se podiamos beber qualquer coisa. Com um gesto displicente, apontou-nos um bar ao fundo da sala. Ao balcão, estavam dois personagens de blusão de couro, manifestamente dedicados à observação dos nossos movimentos.

Os meus colegas pediram refrigerantes, mas eu tive a ideia de querer um vodka tónico, honrando o álcool preferido daquela parte do mundo. O barman, que tinha sido educado na mesma escola de simpatia da rececionista, respondeu-me, em macarrónico inglês, que só serviam "long drinks" depois das 7 horas. E eram aí 6 e picos. 

Pedi, assim, uma água tónica. Depois, pedi algum gelo. Deixei passar uns minutos. Como eu suspeitara, os dois matulões da segurança bebiam vodka, em pequenos copos. Quando os vi pedir outra dose, disse ao barman que também queria, para mim, um vodka. Hesitou por um segundo, mas não tinha nenhuma razão para recusar o que acabara de dar aos seguranças. E lá me trouxe um copo com vodka.

Aí, não resisti: com um gesto largo, verti o vodka sobre a água tónica com gelo e exclamei: "Vodka tonic!". Os meus colegas desataram às gargalhadas e tenho a impressão que os seguranças também sorriram. Só temi que o barman tivesse uma Kalashnikov para poder concretizar o ódio com que me olhava.  

sexta-feira, agosto 27, 2010

Carter

O antigo presidente americano, Jimmy Carter, acaba de obter a libertação de um cidadão do seu país, que havia sido condenado na Coreia do Norte. Para além do efeito político que os seus anfitriões possam ter tido como objetivo nesta ato, a verdade é que esta não é a primeira vez que a intervenção de Carter proporciona a resolução de certos casos complexos, na ordem internacional.

Jimmy Carter, que foi presidente entre 1977 e 1981, não é uma figura que tenha ficado gravada de forma muito positiva no imaginário histórico americano, talvez por não ter assumido a atitude jingoísta que muito dos seus concidadãos esperavam, em casos como a tomada de reféns na Embaixada americana em Teerão ou a invasão russa do Afeganistão. 

Talvez o mundo, mais do que os EUA, tenha apreciado o fantástico êxito que consistiu a assinatura dos acordos de Camp David, que acabaram com a conflitualidade entre Israel e o Egito e lhe valeram o prémio Nobel da paz, o ato de devolução do canal do Panamá ao panamenhos, a distensão com Cuba, que permitiu a abertura da secção de interesses em Havana, bem como a assinatura do tratado de desarmamento SALT II. E, mais do que isso, parte da América talvez não tenha gostado do seu "puxar de tapete" a certas ditaduras latino-americanas, num recuo em relação à lógica subjacente à "doutrina Monroe".

Carter é um homem de bem, o presidente que trouxe os Direitos Humanos para a primeira linha da agenda externa americana. De certo modo, pode dizer-se que Barack Obama, sem o poder assumir, é um herdeiro da linha de Carter, o qual talvez tenha tido razão cedo demais.

quinta-feira, agosto 26, 2010

Perdigões

Há dias, veio-me à lembrança uma história curiosa que, vai para uns anos, um velho diplomata me contou, a propósito das dificuldades que, por vezes, surgiam no Protocolo do Estado, antes do 25 de Abril.

A hierarquia a estabelecer entre os convidados para refeições oficiais nem sempre é uma coisa óbvia e, muitas vezes, a solução final encontrada acaba por ser contestada. Já deparei com situações bem delicadas, com um ou vários convidados a ficarem furibundos com os lugares que lhes foram atribuídos num almoço ou jantar. Algumas regras básicas existem e são essenciais, mas o bom-senso e a experiência acabam sempre por ser o melhor conselheiro para as decisões neste domínio, em especial quando se misturam personalidades oriundas de meios muito diversos, sem uma "ordem" natural entre si. Percebo que estas coisas possam parecer "chinesices" a quem não é do "métier", mas posso garantir que, em todo o mundo, esta questão tem sempre a maior importância.

Comentava eu com esse meu colega uma dificuldade com que um dia nos havíamos confrontado na gestão protocolar de uma mesa, e que tinha provocado um incidente sério, quando ele me perguntou: "E os "perdigões"? Ainda têm problemas com eles?"

Era a primeira vez que eu ouvia falar dos "perdigões"! Foi então que o meu amigo me esclareceu que, nos seus tempos no MNE, havia sido criada essa figura "protocolar", para designar personalidades cujo "ranking" relativo com outras entidades, nomeadamente oficiais, era discutível, mas cuja importância pela função ocupada justificava claramente um "upgrading" nos planos das mesas. De onde vinha o nome? Claro, de Azeredo Perdigão, então presidente da Fundação Calouste Gulbenkian.

Não tenho ideia de que, nos dias de hoje, o nosso Protocolo de Estado ainda utilize esse conceito, mas de uma coisa estou certo: com esse ou com outro nome há certas figuras, dentre os convidados regulares dos banquetes oficiais, que requerem um cuidado à altura dos antigos "perdigões". 

Gameiro

Chama-se Kevin Gameiro. É francês e uma das grandes surpresas da lista de escolhidos para a seleção nacional de futebol, há poucos minutos.

A sua ascendência é, claro!, portuguesa. O seu avô imigrou para França há muitos anos. 

Duas ou três coisas

Joyce, brasileira, compôs e canta com Ney Matogrosso... "Duas ou três coisas":

Duas ou três coisas que eu sei da vida
Posso até te aconselhar
Antes de mais nada esqueça os conselhos
Deixa o coração mandar

Duas ou três coisas que eu sei da estrada
Posso até te sugerir
Não vá pela sombra não, deixa o dia
Deixa a luz te colorir

Quem já viajou no bonde do sonho
Sabe onde ele vai parar
Salta muito antes do fim da linha
Na curva do mar

Duas ou três que eu sei do mundo
Eu podia te ensinar
Mas cada mergulho é um
Vá bem fundo e aprenda logo a nadar

Duas ou três coisas guardo comigo
Que eu podia te contar
Mas quem ta com Deus não corre perigo
Vá...
Onde o vento te levar


Oferta de um amigo, para ouvir aqui.

quarta-feira, agosto 25, 2010

Craveiro Lopes


O nome, agora conhecido, do próximo candidado presidencial do Partido Comunista Português, Francisco Lopes, leva a recordar que o nosso país já teve um presidente com um nome similar: Francisco Higino Craveiro Lopes.

Craveiro Lopes, um general da Força Aérea, surgiu na ribalta por virtude da morte súbita do presidente Óscar Fragoso Carmona, em 1951.

"Eleito" sob ditadura, em 1928, Carmona havia sido a resultante final dos golpes e contragolpes no seio das forças que fizeram o "28 de Maio", em 1926. O seu mandato, discretamente renovado em 1935 e  1942, viria a ser contestado, em 1949, pelo general oposicionista Norton de Matos, que desistiu antes do sufrágio. Ao que se sabe, as relações de Carmona com Salazar já não seriam as melhores, nos últimos anos de presidência, mas o velho general nunca se sentiu impelido a pôr em causa o aval que os militares, por seu intermédio, sempre deram formalmente ao Estado Novo. É que outro tipo de aval, complementar deste, e provavelmente mais eficaz na prática, era concedido ao ditador por Santos Costa, um hábil manobrador da corporação militar, que Salazar alcandorara à pasta da Defesa. 

A morte de Carmona induziu no regime um tempo político muito interessante, com os monárquicos a vislumbrarem, na conjuntura, uma oportunidade para colocarem, como "rei", Duarte Nuno. Este último era um "herdeiro da coroa", oriundo da linha miguelista, ungido como candidato ao trono pelo facto do último rei efetivo, dom Manuel de Bragança, exilado desde a implantação da República, não ter deixado descendentes. Salazar, ao que parece, não nutria especial apreço pela figura de Duarte Nuno, quanto mais não fosse pelo facto de este falar um português sofrível e por ser muito duvidoso que um "estrangeirado" desconhecido pudesse vir a criar uma relação afetiva com o país, numa "restauração" realista que poderia mesmo abalar alguns equilíbrios internos do regime. Há quem entenda que Salazar, ao levar o partido único, União Nacional, a não acolher a ideia de uma reimplantação da Monarquia, optando por voltar a escolher um novo presidente, terá quebrado definitivamente o laço que, praticamente desde 1926, vinha a manter com setores da linha monárquica, numa hábil ambiguidade que havia permitido o esmagador apoio desta corrente à ditadura. Seja isto verdade ou não, o facto é que, a partir desse momento, alguns monárquicos passaram a contestar publicamente Salazar e a alinhar, com alguma regularidade, com a oposição contra o regime.

Para a "eleição" em que Craveiro Lopes foi escolhido - que decorreu já sob a égide da Guerra Fria, sem que a ditadura, recém-admitida na NATO, sofresse grande pressão internacional para a democratização - o regime considerou inelegível um oposicionista mais radical, o professor Rui Luis Gomes, e criou condições repressivas que forçaram a desistência de um militar moderado, o almirante Quintão Meireles. O general da "situação" acabaria por ser, assim, o candidato único.

Francisco Craveiro Lopes revelou-se, de início, um presidente dócil, mostrando mesmo uma grande reverência face a Salazar. Tinha uma boa presença protocolar e a memória fotográfica portuguesa recorda um tempo recheado de visitas de Estado que protagonizou pelo lado português, desde a rainha Isabel II à rainha Juliana dos Países Baixos, passando pelos presidentes brasileiros Café Filho e Juscelino Kubitschek. As suas deslocações a África ou ao Brasil (35 dias!) ficaram no imaginário de quem, por essa época,  lia a "Flama" ou "O Século Ilustrado". Sinais há, porém, de que, a exemplo da distância criada com Carmona, também Craveiro Lopes, nos últimos anos do seu mandato, pode ter dado a Salazar razões políticas que aconselharam a sua não reeleição. Fala-se, em particular, do progressivo agravamento das relações do presidente com o ministro da Defesa, Santos Costa, com o primeiro a dar crescente expressão política junto de Salazar do desagrado de setores castrenses contra o segundo. Talvez por isso, em 1958, Salazar levou a União Nacional a prescindir de Craveiro Lopes e optou pelo contra-almirante Américo Tomás, que, depois de uma "eleição" contra o general oposicionista Humberto Delgado (ver aqui e aqui), haveria de ficar na chefia formal do Estado até ao 25 de Abril.

Craveiro Lopes terá ficado agastado com o seu afastamento e, após este, viria a tomar duas atitudes públicas com algum significado político. A primeira foi o seu inesperado prefácio ao livro do advogado Manuel José Homem de Melo, "Portugal, o Ultramar e o Futuro", em que subscreveu aquela que foi considerada uma proposta muito heterodoxa de nova política para as possessões africanas. A segunda atitude foi o seu aberto apoio à chamada "abrilada de 1961", a tentativa de golpe de Estado liderada pelo general Botelho Moniz, gorada por ingénuos formalismos dos seus promotores. É histórica, embora de certo modo caricata, a cena de Craveiro Lopes a entrar no Palácio da Cova da Moura, em 13 de Março de 1961, com uma mala na mão, na qual traria a sua farda de Marechal, com que tencionava reassumir as funções de chefe de Estado, após o esperado êxito do "pronunciamento".

Há uns anos, autorizei que fosse filmado no meu antigo gabinete de secretário de Estado - lugar exato onde a reunião final da conspiração de 1961 se realizou - o que julgo ter sido um "remake" desse patético momento. O último em que alguns generais das Forças Armadas portuguesas tiveram oportunidade de dar um novo rumo à política colonial, poupando o país a 13 anos de  tragédia. Não o fizeram e tiveram de ser os capitães a intervir...

Remessas

A comunidade portuguesa ou luso-descendente em França continua a ser aquela que, em volume, envia mais remessas de dinheiro para Portugal, de acordo com números agora divulgados. Tais remessas cresceram mesmo 1,8% no primeiro semestre de 2010, se comparado com idêntico semestre do ano anterior, representando 407 milhões de euros. 

Em geral, os portugueses no exterior enviaram, na primeira metade do ano, mais 5,2% do que no período homólogo de 2009, o que repercute uma forte inversão da tendência de decréscimo que vinha a registar-se desde 2007. Os portugueses na Suíça continuam a ser aqueles que, per capita, enviam um volume de remessas mais significativo.

O perfil da presença portuguesa em França - com uma maior taxa de fixação, em especial na 2ª e 3ª gerações - pode ajudar a justificar este comportamento diferenciado face à comunidade na Suíça.

Republicanismo

Fernando Catroga é um dos grandes historiadores portugueses. Ontem, no "Público", publicou um texto síntese exemplar, intitulado "O Republicanismo em Portugal", título, aliás, que retira de uma sua obra homónima.

Recomendo vivamente a sua leitura aqui.

terça-feira, agosto 24, 2010

Paris

Não, não estava assim Paris, ao final da tarde de ontem, quando aqui regressei.

Mas as nuvens que esta foto "roubada" do "Criativemo-nos" nos mostram são uma inspiração a que não resisti.

Braga

No sofrido mas brilhante resultado obtido contra o Sevilha, o Sporting Clube de Braga mostrou que não foi por acaso que, na época passada, chegou onde chegou. 

É excelente constatar que há mais futebol em Portugal, para além dos três "grandes".

Delito de opinião

O "Delito de Opinião", um espaço que já se transformou num referência da blogosfera portuguesa, estendeu-me hoje a sua passadeira vermelha, convidando-me amavelmente a publicar um texto por lá.

Quem tiver curiosidade, visite-(n)os aqui.

Fados

"Ela terá nascido cá?", perguntou aquele nosso embaixador, de visita de trabalho a Luanda, nos anos 80. E apontava para a placa "Avenida Deolinda Rodrigues". "Não era má fadista, mas daí a ter uma avenida com o nome dela...", continuou ele, bem perplexo.

Do banco de trás do meu Golf, saltou uma gargalhada sonora do funcionário do Ministério das Relações Exteriores, um querido amigo angolano. Imagino que tenha lançado também o seu imenso sorriso branco, reluzente na cara muito negra. 

Deolinda Rodrigues, homónima de uma fadista lisboeta, foi uma guerrilheira e heroína do MPLA, presa e assassinada pela UPA/FNLA, em 1968. Na suposta data da sua morte é comemorado o dia da mulher angolana.

O meu colega, hoje já reformado, desfez-se em desculpas. Ainda há poucos anos me perguntava se eu achava que o diplomata angolano tinha ficado muito ofendido com a sua "gaffe". Ainda um dia tenho de perguntar isso ao meu amigo angolano.

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...