sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Nuno Júdice

E não me venham com a conversa de que não se lê literatura porque os livros estão caros! Por 50 cêntimos, com a compra da revista "Visão" desta semana (também em Paris, claro!), é possível adquirir um volume com prosa e poesia de Nuno Júdice, que inclui o seu magnífico ""Pedro, lembrando Inês".

Nuno Júdice é um dos maiores poetas portugueses contemporâneos.

Durante vários anos foi Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal e director do Instituto Camões em Paris e, actualmente, dirige a revista "Colóquio Letras", da Fundação Calouste Gulbenkian.

Nascido na Mexilhoeira Grande, em 1949, tem trabalhos na área da poesia, do ensaio e da ficção. Licenciou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa e obteve o grau de Doutor pela Universidade Nova de Lisboa, onde é Professor Catedrático.

A sua estreia literária deu-se com "A Noção de Poema", em 1972. Em 1985, recebeu o Prémio Pen Clube e, em 1990, o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus. Em 1994, a Associação Portuguesa de Escritores distinguiu-o pela publicação de "Meditação sobre Ruínas". Foi finalista do Prémio Europeu de Literatura Aristeion. Assinou obras para teatro e traduziu autores como Corneille e Emily Dickinson.

Foi Director da revista literária Tabacaria, editada pela Casa Fernando Pessoa, e Comissário para a área da Literatura da representação portuguesa à 49ª Feira do Livro de Frankfurt. Tem obras traduzidas em Espanha, Itália, Venezuela, Inglaterra e França.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Portugal e o Futuro

O mal-estar entre os militares profissionais fora já potenciado pela decisão do Governo de Marcello Caetano de facilitar o acesso de "milicianos" ao seu quadro de oficiais. A acrescer a esse sentimento corporativo, era patente, em muitos desses quadros, um crescente cansaço pela repetição, sem fim à vista, de comissões de serviço nos três teatro de guerra (Angola, Moçambique e Guiné), naquilo que o regime português chamava "Ultramar" e que o mundo exterior teimava em considerar como meras colónias.

Viviam-se os primeiros anos da década de 70 do século passado e, no imaginário das tropas profissionais, começavam a emergir o nome e o carisma de um general destemido, que, como governador da Guiné, empreendera políticas sociais que haviam cativado sectores populacionais que o PAIGC também disputava e que, ao que se sabia, havia mesmo tentado compromissos com a guerrilha pró-independentista. Um homem que caminhara um longo caminho, desde os tempos em que integrara, como observador, a "Legião Azul" das tropas alemãs no combate na frente russa, até se ter tornado numa figura algo heterodoxa mas muito prestigiada, que sobressaía no seio de uma hierarquia militar marcada pelo cinzentismo acrítico.

Esse general era António de Spínola, uma personalidade com um recorte pessoal muito próprio, oriundo da arma de Cavalaria, da escola dos Pupilos do Exército, que tinha a arte de cativar e criar prosélitos, de lados opostos do espectro político.

Spínola não tinha o estilo de um general moderno - usava monóculo e uma chibata de cavaleiro -, mas era então visto como um militar muito à frente da média dos seus pares, com êxitos operacionais no terreno e já com uma vocação para uma reflexão autónoma no domínio das opções de políticas de enquadramento sócio-económico, o que se configurava quase como um escândalo, no cenário de imobilismo que o regime de então alimentava.

Perante umas Forças Armadas que, no fundo, consideravam ter já sustentado uma guerra, por mais de uma dezena de anos, sem que o poder político tivesse encontrado para ela uma solução política, Spínola funcionava como a principal bandeira de esperança, não obstante alguns sectores militares mais progressistas alimentarem sobre ele algumas desconfianças.

Também a alguns políticos não passou desapercebido o potencial mobilizador de Spínola. Sá Carneiro e o grupo de liberais, então já desiludidos, mas que, inicialmente, haviam acreditado na abertura que Marcello Caetano anunciara sem concretizar, chegaram a pensar nele para uma candidatura alternativa à Presidência da República, em 1971. Mas Spínola não estava então preparado ou inclinado para correr esse risco.

Em 1973, terminada a sua comissão na Guiné, Spínola regressou a Portugal e, claramente "à contrecoeur", Marcello Caetano foi como que obrigado a recompensar o seu inegável e crescente prestígio na corporação militar com a atribuição do posto de vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, subordinado a outra figura também com grande aceitação entre os seus pares, o general Francisco da Costa Gomes.

Com a ajuda de alguns amigos, António de Spínola havia então redigido um livro que iria mudar a História de Portugal - "Portugal e o Futuro". Essa obra, se bem que não trouxesse nada de muito novo no tocante à história das ideias sobre como enquadrar um futuro de evolução de uma situação colonial, representou, no contexto português, uma verdadeira pedrada no charco das ideias feitas. Com alguns episódios que se podem situar entre o críptico e o equívoco, o livro foi publicado e tornou-se, por assim dizer, numa espécie de pronunciamento a prazo, no prenúncio da desinquietação que veio a atravessar, de forma decisiva, as Forças Armadas portuguesas e que veio a dar origem à Revolução de 25 de Abril de 1974.

Passam agora precisamente 35 anos sobre a edição de "Portugal e o Futuro".

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Braga

Algumas vezes, nos anos 60 e 70, fui ver jogos do Sporting de Braga ao velho estádio "28 de Maio", nos tempos da preeminência e da proeminência da família Santos da Cunha na vida política e desportiva da cidade. As suas bancadas de pedra, que lembravam o Estádio Nacional, traziam-nos irresistivelmente à memória obras similares da arquitectura desportiva e monumentalista europeia da época da sua construção. Hoje em dia, o Braga abandonou esse seu campo de matriz "estado-novista" e é servido por um novo e belo estádio (imagem), que é talvez a mais criativa solução arquitectónica que nos resta do Euro 2004.

Mas esta nota serve apenas para registar quanto me impressiona o facto do Sporting de Braga ter vindo a demonstrar uma maturidade desportiva europeia muito pouco comum, um comportamento sem complexos perante equipas que, à partida, estariam num "campeonato" diferente do seu.

Ontem, ao ganhar folgadamente ao consagrado Standard de Liège, consagrando-se como a única equipa portuguesa que nos resta na taça UEFA, o Braga deu uma magnífica demonstração de classe e de cosmopolitismo futebolísticos, consagrando-se, uma vez mais, como um dos clubes portugueses com maior afirmação internacional. É muito bom para o futebol português não ficar eternamente restringido ao Porto, Benfica e Sporting, agora que o Boavista entrou num triste ocaso.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Berardo em Paris

A polémica foi grande, quando o Estado português deu o seu acordo, em 2007, para reservar parte do Centro Cultural de Belém para a exibição permanente da colecção de Joe Berardo, um empresário português apaixonado por arte contemporânea. Pode mesmo dizer-se que esse debate não se extinguiu, argumentando uns com o excessivo compromisso financeiro assumido pelo Estado, atenta a qualidade das obras, arguindo outros com o facto de Portugal passar a garantir a permanência, no seu solo, de um acervo pouco comum de arte contemporânea, reunida ao longo de anos, e com um valor de mercado assegurado.

Para além de tudo o que se possa dizer, a verdade é que a circunstância de, numa cidade como Paris, onde a arte de grande qualidade abunda por tudo quanto é museu, estar hoje em exposição (até 22 de Fevereiro) cerca de 10% da colecção Berardo (no Musée du Luxembourg) parece poder retirar alguns argumentos aos seus detractores.

Nessa exposição podem ser vistos trabalhos de figuras como Vieira da Silva (imagem), Max Ernst, Magritte, Miró, Andy Warhol, Man Ray, de Chirico, Pollock, Dali e muitos outros. Serão as obras maiores desses autores? Claro que não são, mas vale sempre a pena vê-las, quanto mais não seja pelo facto de representarem um conjunto significativo de artistas, reflectindo as principais tendências do século XX. Os parisienses devem ser os primeiros a pensar assim, a ajuizar pelo sucesso do evento.

O cozinheiro "iraniano"

A revolução iraniana acabara de acontecer. Estava na Noruega, era 1980, há 30 anos. O Xá tinha saído do país e os nossos colegas iranianos tinham desaparecido dos circuitos diplomáticos. A Embaixada do Irão era um belo edifício, quase em frente à nossa, na Drammensvein.

Um dia, sou avisado que um português, residente em Oslo, queria falar comigo - eu era então o encarregado de negócios, na ausência do embaixador. Aparece-me um tipo gorducho, algo afogueado, a apresentar um problema. Desde há anos que era cozinheiro da Embaixada iraniana. De um dia para o outro, todos os iranianos da Embaixada se tinham ido embora. Ele estava sozinho, sem instruções, sem dinheiro... o que havia de fazer? Pensava ir à procura de um novo emprego. E faz-me uma pergunta inesperada: podia eu ficar com a chave da Embaixada, para eu a dar aos meus futuros novos colegas iranianos?

A ideia era bizarríssima. Cuidei em nem sequer transmitir o assunto a Lisboa. Os telegramas com historietas, subscritos pelos substitutos dos chefes de missão são, no anedotário do MNE, motivo regular de gozo dos colegas. E a história de um cozinheiro português a "entregar-me" a Embaixada do Irão iria fazer o gáudio dos claustros das Necessidades. Assim, optei por entrar em contacto com o serviço do protocolo do Ministério dos estrangeiros norueguês, com quem aconselhei o cozinheiro a falar.

Passadas semanas, uma nova e mais ortodoxa equipa diplomática iraniana chegou, finalmente. O nosso cozinheiro foi, de imediato, despedido. O menu tinha mudado no Irão.

Lembrei-me deste episódio ao verificar que, aqui por Paris, está a ser recordada a mudança política ocorrida há três séculos no Irão. Aliás, foi de França que, nesse mesmo ano de 1979, partiu o Ayatollah Khomeini, que aqui viveu refugiado por cerca de um ano, depois de um exílio por vários outros países.

Imigração

A imprensa portuguesa dá hoje conta do facto de cerca de 38 mil estrangeiros, imigrantes em Portugal, terem pedido a nacionalidade portuguesa, durante o ano de 2008.

Algumas vozes, de forma mais ou menos audível, são contra aquilo que consideram ser a criação "artificial" de cidadãos portugueses, por um mero motivo de interesse e oportunidade. Outros entendem ser de toda a justiça dar, a quem contribui para a criação de riqueza no nosso país, o direito de poder usufruir, em pleno, dos nossos direitos de cidadania.

Tenho uma visão muito positiva do efeito global da presença e integração dos estrangeiros em Portugal, embora não desconheça alguns dos problemas por elas suscitados. Mas, historicamente, foi o facto de ser um porto de chegada para muitas gentes, um cruzamento e ponto de passagem de várias nacionalidades, que deu a Portugal a imagem de país acolhedor e simpático que hoje tem no mundo e que, por outro lado, acabou por tornar a nossa cultura mais aberta e tolerante.

Nos dias que se vivem na Europa, quanto ao modo de lidar com os estrangeiros, devemos ter orgulho na nossa diferença.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Citações

Muitas pessoas quiseram ter a simpatia de se referir a este blogue - em mails, em imprensa, nos comentários ou em outros blogues, os quais agora aqui se assinalam por ordem alfabética, embora correndo o risco de alguma involuntária omissão:

The Abrantes Partnership,
Maquiavelencias,
Praça Stephens
A Cagarra,
Politeia,
Enxuto,
Criativemo-nos,
Tomar Partido,
A Origem das Espécies,
Causa Nossa,
Rever Portugal,
Locutório,
Notas Verbais,
Mundos Paralelos,
A Nossa Candeia,
Delito de Opinião

Colisões

Dois submarinos nucleares, um britânico e um francês, colidiram no Atlântico. Há dias, dois satélites, um americano e outro russo, colidiram no espaço. É obra!

Rádio Alfa

Há dias, visitei pela primeira vez a Rádio Alfa, uma emissora luso-francesa da região de Paris, onde a Embaixada de Portugal tem um espaço regular de informação, criado pelo meu antecessor.

A Rádio Alfa é propriedade do comendador Armando Lopes, uma força da natureza, um poço de simpatia, um homem de sucesso, nascido em Caxarias (Leiria), que alimenta o orgulho nas suas origens.

Nos corredores da Rádio Alfa, para além de me ter cruzado com simpáticos conhecimentos de outras eras, tive o gosto de encontrar, pela primeira vez, João Paulo Diniz, um grande senhor da história da rádio portuguesa.
Quem dera que a Língua portuguesa pudesse ter muitos espaços como este em França!

domingo, fevereiro 15, 2009

Cravos vermelhos

Depois do bloqueio, Israel autorizou a primeira exportação de flores produzidas em Gaza pelos palestinianos: 25 mil cravos vermelhos, destinados à Europa.
(Com vénia ao Corta Fitas)

Rui Paula

É necessária alguma coragem para nós, portugueses, nos aventurarmos pelas sendas da alta gastronomia, perante um país como a França, de onde partem os critérios de avaliação mais exigentes, como os guias Michelin anualmente fazem questão de recordar-nos. Justo ou injustamente, as coisas são assim.

A realidade, porém, é que Portugal tem já hoje uma série de chefes de cozinha que, sem favor, se apresentam num patamar de qualidade muito apreciável, pedindo meças a muitos estrangeiros.

Conheço relativamente bem um deles, Rui Paula, que hoje dirige o restaurante duriense DOC, depois de anos à frente do Cepa Torta, em Alijó. Em pouco tempo, Rui Paula fez do DOC uma referência da boa gastronomia portuguesa.

Recentemente, lançou um belo livro - "Uma Cozinha no Douro" -, escrito por Celeste Pereira e com fotos de Nelson Garrido, que agora acaba de ser galardoado com dois prémios do Gourmand Word Cookbook.

O autor deste blogue sente-se feliz por ter feito uma apresentação pública deste livro e de para ele ter modestamente contribuído com um pequeno texto.

No futuro, é minha intenção trazer Rui Paula a França - bem como outros destacados chefes portugueses -, a fim de podermos provar aos franceses que a nossa cozinha está num belo momento. E para adverti-los de que se cuidem...

sábado, fevereiro 14, 2009

Passaporte

Há dias, referi casualmente, num grupo de amigos europeus, o facto de que, ao chegarmos ao aeroporto de Lisboa, vindos de um país estrangeiro fora da área Schengen (que já abrange muitos Estados europeus), os novos passaportes portugueses já nos permitem entrar no país (bem como dele sair) sem que nos confrontemos com a cara de qualquer funcionário policial. Muitos quase não acreditaram.

Expliquei, com algum orgulho, que a simples colocação desse nosso novo passaporte numa máquina, combinado com o olhar para uma câmara, resulta na abertura de uma porta de vidro, com livre passagem e imediata entrada no país. Tudo em 30 segundos.

Posta de parte a leitura pessimista de um amigo, que é simultaneamente meu e da onça, o qual objecta que, dessa forma, ficamos mais tempo à espera das malas que tardam a chegar às esteiras, há que reconhecer o muito que andámos desde os tempos em que a rapaziada da Pide nos escrutinava com um olhar oblíquo que, por mais inocentes que estivéssemos, nos provocava alguma pontual taquicardia. Eu sei que há uma diferença imensa entre a sinistra Pide e o benévolo SEF, mas, mesmo assim, confesso que prefiro o anonimato orweliano da nova máquina. E, a julgar pela cara dos meus amigos estrangeiros, eles também…

São Valentim

É curioso recordar que na cidade de Chicago, faz hoje precisamente 80 anos, a noite não ficou famosa pelos jantares dos pares de namorados.

Crise?

Como há dias dizia por aqui um comentador televisivo, estará com certeza bem melhor na vida quem perdeu "tudo" numa operação com o especulador Madoff do que um desempregado da Renault.

Ao olhar para os números do leilão das peças de arte da colecção de Pierre Berger e de Yves Saint Laurent, que daí a dias aí vem (o lucro das vendas pode ir até 400 milhões de euros), e cujo catálogo custa uns meros 200 euros, vê-se melhor como há vários mundos neste mundo e que, enquanto alguns estão já definitivamente no zero, para outros a crise será sempre e apenas uma questão de um zero a mais ou a menos.

Este leilão de um verdadeiro museu privado, que o último "Nouvel Observateur" nos descreve e a que muito poucos tiveram acesso - com Picasso, Degas, Klimt, Goya, Gauguin, Ingres, Manet, Seurat, Cézanne e tudo o mais que se possa imaginar) -, terá como compradores garantidos novos nababos russos, casaques e outros mais, que já rondam Paris em jactos privados, à procura das vantagens da globalização do mercado da arte. Daqui a semanas, estas preciosidades espalhar-se-ão por vários países, como que democratizando o seu usufruto (provavelmente, continuando em domínios privados), até que o futuro lhes aplique a velha filosofia redestributiva dos três D das oportunidades no mercado de obras de arte: "death, divorce, debts".

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Alain Oulman

Alguns portugueses surpreendem-se, por vezes, ao verem o nome francês de Alain Oulman assinar alguns dos mais belos fados de Amália Rodrigues.

Oulman era filho de um industrial francês, mas nasceu em Portugal, em 1928. Apresentado a Amália por um diplomata português, musicou para ela textos de poetas como Camões, David Mourão-Ferreira, Alexandre O’Neill, Ary dos Santos, Pedro Homem de Melo ou Manuel Alegre.

Em 1966, envolvido na vida política portuguesa, Alain Oulman foi preso pela Pide, vindo a conseguir ser expulso para França, graças à intervenção de Amália junto do então embaixador português em Paris, Marcello Mathias. Após o 25 de Abril, quando Amália foi acusada de cumplicidade com o regime ditatorial português, Oulman surgiu a defendê-la na imprensa.

Ontem à noite, em Brunoy, perto de Paris, ao assistir a um belíssimo espectáculo de fado protagonizado por Kátia Guerreiro, que cantou uma sua canção, lembrei-me deste luso-francês a quem a música portuguesa tanto deve. Oulman morreu em Paris, em 1990.

O frio

Há dias, ao passar pela Place da la Nation, aqui em Paris, veio-me à memória um episódio, no mesmo local, sobre a qual já lá vão, quase dia-por-dia, 38 anos.

Era Março de 1971 e eu caminhava distraidamente pela praça, naquele tipo de turismo para quem o simples passeio por Paris era já metade do usufruto da viagem, quando dou de caras com um antigo colega de liceu, que sabia ter saído “a salto” de Portugal, e a quem tinha perdido, por completo, o rasto. Fizemos aquela festa tradicional, típica de dois transmontanos que se prezam. Generoso, convida-me a ir beber uma cerveja à sua casa, ali perto.

Foi-me contando que lavava janelas a partir das 6 da manhã (“não é nada mal pago, sabes? Mas é muito chato ter de sair de casa às 4!”). Em fins de tarde, aproveitava para assistir a uns cursos livres na universidade de Vincennes. Sem mo dizer expressamente, deu-me a entender que era militante de um partido político português na clandestinidade, o que conteve a minha curiosidade inquisitiva sobre o resto da sua vida em Paris.

Subimos ao apartamento onde vivia, uma sala e um quarto, num 4º andar sem elevador, com uma cozinha a meias com um argelino, de cuja área da casa chegava um cheiro a comida pouco apelativo. “O problema é o frio. A casa não tem aquecimento. Temos de pôr aquecedores, mas a electricidade é cara. Às vezes vou para a cama mais cedo, só para me aquecer”. E, num tom mais triste, daquela saudade que a minha presença lhe trazia, acrescentou: “Queres saber uma coisa? Lá em Vila Real, o nosso frio era diferente”.

Pois era. O frio da terra portuguesa, para quem sofria a distância e a tragédia da emigração e do exílio, tinha outro calor.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Não há coincidências?

O cenário é a Hatchards, uma bela livraria de Londres, na tarde de ontem. Passo lentamente os olhos pelas estantes especializadas em temas internacionais e, subitamente, deparo com um livro de memórias políticas de Stephen Wall, antigo embaixador britânico em Lisboa e, mais tarde, junto da União Europeia.

Durante quase seis anos, a partir de 1995, negociei com Wall, em Bruxelas, coisas tão variadas como os pormenores dos tratados europeus, os fundos comunitários, a doença das vacas loucas ou os direitos humanos no Timor ocupado. Wall havia sido assessor de John Major e sê-lo-ia também de Tony Blair. É unanimemente considerado um dos grandes especialistas britânicos em temas europeus. Perdi-o de vista a partir de 2001 e tinha a ideia de que havia abandonado as tarefas de “civil servant”, que andava pela vida empresarial.

Volto-me para ir pagar o livro e com quem dou de caras, a dois metros de mim? Com Stephen Wall, aliás, Sir Stephen Wall. Um abraço, trocámos novos telefones actualizados, falámos das famílias e despedimo-nos, com um almoço combinado para daqui a semanas.

Dando eu de barato que Wall não se dedica a controlar, nas tardes chuvosas de Londres, as estantes das lojas onde se vendem as suas obras, há que convir que a ocorrência deste encontro, na ocasião da compra do seu livro, configura uma hipótese entre milhões. Não há coincidências? Sei lá! (citando dois títulos de Margarida Rebelo Pinto, que, talvez também por um acaso, não li.)

terça-feira, fevereiro 10, 2009

Bartolomeu Cid dos Santos

Olá, Bartolomeu

Hoje à noite, para as bandas de Gower Street, nessa Londres chuvosa, estaremos juntos a saudar a memória do nosso velho Joseph Crabtree, essa figura de perfil renascentista cuja eterna glória anualmente nos reúne, na clássica jantarada das 2ªs quartas-feiras de Fevereiro, quase sempre de recorte gastronómico duvidoso, mas que nós aprimoramos com alguns alcoóis de boa cepa.

Agora que as mulheres já podem assistir ao repasto (também graças ao teu e ao meu voto, lembras-te?), a Fernanda lá estará, como sempre esteve, a teu lado. Eu vou de Paris, o António vai de Lisboa, o João vai do banco e o Helder, desta vez, é obrigado a faltar. Tu, presumo, és capaz de te atrasar. Mas, num paradoxo digno do Huxley, todos estaremos presentes desde o primeiro momento.

Sabes bem que guardaremos o teu lugar, esse lugar único que soubeste criar, em nós, para ti. Porque, como dizia o teu apreciado Lopes Graça, tu serás sempre dos que "vão ao nosso lado".

E mais não digo, porque não sei nem consigo.

So long, Barto

Estou certo que o leitor perdoará o intimismo desta evocação simultânea do grande gravurista português que foi Bartolomeu Cid dos Santos (1931-2008) e de uma figura, não bafejada pela existência, que dá pelo nome de Joseph Crabtree (1754-1854).

Gastarbeit?

Pode parecer estranho que o embaixador de Portugal em França aborde um tema relativo ao Reino Unido. Mas a verdade é que, hoje em dia, nada do que é europeu nos é alheio.

A reacção nacionalista dos trabalhadores britânicos, ao procurarem limitar a contratação de operários estrangeiros, mesmo aqueles que são oriundos de países nos quais eles próprios têm direito de trabalhar, deve ser analisada com grande atenção. O que se passou no Reino Unido pode, com muita facilidade, repetir-se aquém-Mancha.

Esta reacção de proteccionismo nacional pode ter o seu quê de compreensível, se pensarmos na angústia dos desempregados britânicos. Mas compete aos governos - a todos os governos europeus - terem a frieza de esclarecer os seus cidadãos, desempregados ou não, que, ao limitar-se a livre circulação de trabalhadores, está-se a ferir o contrato europeu, está a desrespeitar-se o compromisso assumido formalmente por todos os subscritores da União Europeia - protegerem as "quatro liberdades": mercadorias, serviços, pessoas e capitais.

Se acaso amanhã viesse a considerar-se legítimo limitar a possibilidade dos trabalhadores serem recrutados livremente dentro do espaço da União Europeia, independentemente do seu país de origem, então seria igualmente legítimo que nos interrogássemos por que razão deixamos entrar os produtos estrangeiros nos nossos supermercados, qual o motivo por que permitimos que as nossas empresas possam ser adquiridas livremente por estrangeiros, que lógica existe para que uma seguradora, um banco ou uma construtora de um país europeu possa actuar sem entraves noutro, etc.

A União Europeia é um todo, as suas vantagens e desvantagens compensam-se entre si, pelo que a bondade das suas diversas dimensões não pode ser considerada e avaliada isoladamente. Se acaso algum governo europeu se sentisse tentado a dar cobertura política a quaisquer sentimentos populares assentes em reacções emocionais da índole dos que afloraram na desesperada reacção dos trabalhadores britânicos, isso significaria entreabrir uma porta trágica para o regresso da intolerância. Daí à xenofobia e até ao racismo seria um curto passo. Entendamos as razões da angústia de quem sofre, mas encontremos para ela respostas racionais e serenas.

O cartaz acima reproduzido é, a meu ver, a triste marca de uma Europa que nos compete recusar, em absoluto. Até por todas razões subliminares que porventura ocorram ao leitor, ao olhar para ele.

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Scolari


Já se ouvem os "eu bem dizia!" dos detractores de Scolari, nesta sua intempestiva saída do Chelsea.

Lamento muito, mas não partilho dessa alegria. Também eu, como "treinador de bancada", discordei bastantes vezes das suas opções técnicas, de alguma tibieza nas substituições, de certas teimosias que talvez fossem despropositadas.

Mas pergunto: quem, para além de Otto Glória, ajudou a dar mais alegrias aos Portugueses espalhados pelo mundo?

Um abraço luso-brasileiro de solidariedade, Felipão!

É a vida?

O PS não tem pena de não ter sido um seu governo a anunciar o novo aeroporto (não conta, claro, o "anúncio" feito por Pedro Nuno S...