O mal-estar entre os militares profissionais fora já potenciado pela decisão do Governo de Marcello Caetano de facilitar o acesso de "milicianos" ao seu quadro de oficiais. A acrescer a esse sentimento corporativo, era patente, em muitos desses quadros, um crescente cansaço pela repetição, sem fim à vista, de comissões de serviço nos três teatro de guerra (Angola, Moçambique e Guiné), naquilo que o regime português chamava "Ultramar" e que o mundo exterior teimava em considerar como meras colónias.
Viviam-se os primeiros anos da década de 70 do século passado e, no imaginário das tropas profissionais, começavam a emergir o nome e o carisma de um general destemido, que, como governador da Guiné, empreendera políticas sociais que haviam cativado sectores populacionais que o PAIGC também disputava e que, ao que se sabia, havia mesmo tentado compromissos com a guerrilha pró-independentista. Um homem que caminhara um longo caminho, desde os tempos em que integrara, como observador, a "Legião Azul" das tropas alemãs no combate na frente russa, até se ter tornado numa figura algo heterodoxa mas muito prestigiada, que sobressaía no seio de uma hierarquia militar marcada pelo cinzentismo acrítico.
Esse general era António de Spínola, uma personalidade com um recorte pessoal muito próprio, oriundo da arma de Cavalaria, da escola dos Pupilos do Exército, que tinha a arte de cativar e criar prosélitos, de lados opostos do espectro político.
Spínola não tinha o estilo de um general moderno - usava monóculo e uma chibata de cavaleiro -, mas era então visto como um militar muito à frente da média dos seus pares, com êxitos operacionais no terreno e já com uma vocação para uma reflexão autónoma no domínio das opções de políticas de enquadramento sócio-económico, o que se configurava quase como um escândalo, no cenário de imobilismo que o regime de então alimentava.
Perante umas Forças Armadas que, no fundo, consideravam ter já sustentado uma guerra, por mais de uma dezena de anos, sem que o poder político tivesse encontrado para ela uma solução política, Spínola funcionava como a principal bandeira de esperança, não obstante alguns sectores militares mais progressistas alimentarem sobre ele algumas desconfianças.
Também a alguns políticos não passou desapercebido o potencial mobilizador de Spínola. Sá Carneiro e o grupo de liberais, então já desiludidos, mas que, inicialmente, haviam acreditado na abertura que Marcello Caetano anunciara sem concretizar, chegaram a pensar nele para uma candidatura alternativa à Presidência da República, em 1971. Mas Spínola não estava então preparado ou inclinado para correr esse risco.
Em 1973, terminada a sua comissão na Guiné, Spínola regressou a Portugal e, claramente "à contrecoeur", Marcello Caetano foi como que obrigado a recompensar o seu inegável e crescente prestígio na corporação militar com a atribuição do posto de vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, subordinado a outra figura também com grande aceitação entre os seus pares, o general Francisco da Costa Gomes.
Com a ajuda de alguns amigos, António de Spínola havia então redigido um livro que iria mudar a História de Portugal - "Portugal e o Futuro". Essa obra, se bem que não trouxesse nada de muito novo no tocante à história das ideias sobre como enquadrar um futuro de evolução de uma situação colonial, representou, no contexto português, uma verdadeira pedrada no charco das ideias feitas. Com alguns episódios que se podem situar entre o críptico e o equívoco, o livro foi publicado e tornou-se, por assim dizer, numa espécie de pronunciamento a prazo, no prenúncio da desinquietação que veio a atravessar, de forma decisiva, as Forças Armadas portuguesas e que veio a dar origem à Revolução de 25 de Abril de 1974.
Passam agora precisamente 35 anos sobre a edição de "Portugal e o Futuro".
Viviam-se os primeiros anos da década de 70 do século passado e, no imaginário das tropas profissionais, começavam a emergir o nome e o carisma de um general destemido, que, como governador da Guiné, empreendera políticas sociais que haviam cativado sectores populacionais que o PAIGC também disputava e que, ao que se sabia, havia mesmo tentado compromissos com a guerrilha pró-independentista. Um homem que caminhara um longo caminho, desde os tempos em que integrara, como observador, a "Legião Azul" das tropas alemãs no combate na frente russa, até se ter tornado numa figura algo heterodoxa mas muito prestigiada, que sobressaía no seio de uma hierarquia militar marcada pelo cinzentismo acrítico.
Esse general era António de Spínola, uma personalidade com um recorte pessoal muito próprio, oriundo da arma de Cavalaria, da escola dos Pupilos do Exército, que tinha a arte de cativar e criar prosélitos, de lados opostos do espectro político.
Spínola não tinha o estilo de um general moderno - usava monóculo e uma chibata de cavaleiro -, mas era então visto como um militar muito à frente da média dos seus pares, com êxitos operacionais no terreno e já com uma vocação para uma reflexão autónoma no domínio das opções de políticas de enquadramento sócio-económico, o que se configurava quase como um escândalo, no cenário de imobilismo que o regime de então alimentava.
Perante umas Forças Armadas que, no fundo, consideravam ter já sustentado uma guerra, por mais de uma dezena de anos, sem que o poder político tivesse encontrado para ela uma solução política, Spínola funcionava como a principal bandeira de esperança, não obstante alguns sectores militares mais progressistas alimentarem sobre ele algumas desconfianças.
Também a alguns políticos não passou desapercebido o potencial mobilizador de Spínola. Sá Carneiro e o grupo de liberais, então já desiludidos, mas que, inicialmente, haviam acreditado na abertura que Marcello Caetano anunciara sem concretizar, chegaram a pensar nele para uma candidatura alternativa à Presidência da República, em 1971. Mas Spínola não estava então preparado ou inclinado para correr esse risco.
Em 1973, terminada a sua comissão na Guiné, Spínola regressou a Portugal e, claramente "à contrecoeur", Marcello Caetano foi como que obrigado a recompensar o seu inegável e crescente prestígio na corporação militar com a atribuição do posto de vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, subordinado a outra figura também com grande aceitação entre os seus pares, o general Francisco da Costa Gomes.
Com a ajuda de alguns amigos, António de Spínola havia então redigido um livro que iria mudar a História de Portugal - "Portugal e o Futuro". Essa obra, se bem que não trouxesse nada de muito novo no tocante à história das ideias sobre como enquadrar um futuro de evolução de uma situação colonial, representou, no contexto português, uma verdadeira pedrada no charco das ideias feitas. Com alguns episódios que se podem situar entre o críptico e o equívoco, o livro foi publicado e tornou-se, por assim dizer, numa espécie de pronunciamento a prazo, no prenúncio da desinquietação que veio a atravessar, de forma decisiva, as Forças Armadas portuguesas e que veio a dar origem à Revolução de 25 de Abril de 1974.
Passam agora precisamente 35 anos sobre a edição de "Portugal e o Futuro".
7 comentários:
Excelente textos cativantes e nos produzindo dependência com sabor a quero mais. Abraço forte e amigo.
Alexandre Ayres
Senhor Embaixador,
Com os meus defeitos, literários, de raizes gostei (como outras que tem escrito) da peça relativa à Obra de "Portugal e o Futuro".
Merece-me meditar em cima do último parágrafo que escreveu: "Passam agora precisamente 35 anos sobre a edição de "Portugal e o Futuro".
O General António de Spínola, na página 24, da mencionada obra escreveu: "No quadro deste imperativo, situamo-nos em preocupante atraso em relação a uma Europa em clima de progressiva integração económica. Não sobrevivemos à margem dela; e dela somos afastados por motivos de ordem económica e política....."
São passadas três décadas e um lustro, depois do livro ser lançado na "praça pública" portuguesa que viria a causar furor, em certas camadas, da sociedade portuguesa da época.
´
O General (que se pode considerar "coragem"), afirmou de facto a realidade de um Portugal atrasado, no contexto dos países da Europa.
Mas já lá vão 35 anos e a nau Portugal ainda não conseguiu "zarpar" da turbulência das revoltosas ondas do mar que foi esperança e lançar o ferro em porto seguro.
Continua Portugal e o seu Povo os mais "atradasinhos" dos países inseridos no continente europeu...
Cordialidade
De Banguecoque
José Martins
Mais uma vez, atento às datas importantes, como sempre !! Parece que foi ontem...
Forte Abraço
Rui M Santos
Bem lembrado! Vou à estante rever as 1ªprovas de
prelo,encadernadas e autografadas pelo autor,com
dedicatória para o responsável pela sua publicitação,Eurico da Costa.
Para que a memória não seja curta...
Boa noite, dr. Seixas da Costa:
O livro foi publicado no dia 22 de Fevereiro de 1974 e, segundo Dutra Faria, da ANI (insuspeito), esgotou-se em menos de seis dias. Verdade que também não sei qual a tiragem da 1ª edição. Não está mencionada. Custava 100$00, € 0,50 na moeda de hoje.
Luís Pinheiro de Almeida
Boa lembrança essa de Eurico da Costa, aliás, Carlos Eurico da Costa. Talvez o proprietário do blog pudesse recordar-nos um dia essa figura de um poeta surrealista e de um grande senhor do jornalismo.
José Ferreira Pita
Só um pormenor - Spínola não é ex-aluno dos Pupilos do Exército, mas sim do Colégio Militar
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