Nasci para a política a desconfiar da Europa comunitária. Por anos, olhei-a como um braço do domínio americano, um instrumento da Guerra Fria destinado a limitar as escolhas de vida dos europeus. Como as liberdades “burguesas” pouco me diziam, via os nossos europeístas “a soldo de” alguém, na melhor das hipóteses uns ingénuos reformistas, num tempo em que a palavra estava proscrita por onde eu andava. Não tendo Portugal vivido a Segunda Guerra, não entendia o cimento que essa memória traumática havia representado para muitos. A aventura da unidade europeia era, para mim, uma ideia estrangeira.
Um dia, comecei a andar bastante por essa Europa. Fui-me apercebendo da importância do seu modelo social, das garantias e direitos que os cidadãos ganhavam com o progressivo aprofundamento das suas políticas, do bem-estar coletivo que visivelmente ela ia construindo, dos ganhos de escala em crescimento que a integração induzia, da filosofia de solidariedade que então estava subjacente ao projeto. O pedido de adesão de Portugal, não me tendo galvanizado, pareceu-me uma opção geopolítica imperativa. Dei comigo a pensar que iria ser sempre tão europeísta quanto os interesses de Portugal o justificassem. Nem mais, nem menos.
É que a Europa continuava a inspirar-me alguma precaução. Inquietava-me deixar que parte importante da soberania do meu país fosse “raptada” por uma “casa comum” onde os condóminos tinham um poder muito diverso na sua gestão. Eu era ainda produto de uma certa escola defensiva de pensamento, a qual, ironicamente, combinava os meus preconceitos ideológicos com uma filosofia de sinal inverso que Franco Nogueira deixara a pairar pelos claustros das Necessidades.
Com alguma surpresa, fui um dia convidado a integrar um governo. Ofereciam-me a pasta dos Assuntos Europeus. Amigos meus, conhecedores das reticências que eu nunca escondera, mostraram a sua perplexidade pela minha aceitação do cargo. Decidi assumir o risco. Passei, a partir de então, a conhecer as coisas europeias mais intimamente. Perdi algumas ilusões mas ganhei bastantes convicções. Aprendi que a Europa é um espaço de luta e confrontação de projetos mas é, sem a menor dúvida, o melhor terreno para a defesa e promoção dos interesses portugueses, um fator essencial para a sobrevivência do nosso modelo democrático, dos valores que cultivamos e sob os quais quero continuar a viver. Esta Europa é o outro nome da nossa liberdade.
Domingo, vou votar pela Europa que foi de Mário Soares. A Europa de António Costa.
(Artigo que hoje publico no “Jornal de Notícias”)