Lembrei-me disto agora, num tempo em que Marcelo Rebelo de Sousa, cuja propensão para o pronunciamento público costuma, às vezes, raiar o excesso, bem em contraste com o que era a consabida reserva de Eanes, se mantém, pelo menos até à hora em que escrevo, num "sonoro" silêncio, naquela que foi a circunstância que, de modo potencial, se configurou como a maior crise para a estabilidade governativa, em toda a corrente legislatura.
O presidente fez bem em guardar a sua palavra. O que quer que pudesse ter dito teria sido demasiado. António Costa mediu a sua atitude, ao ameaçar com uma demissão, caso a direita se deixasse arrastar num processo de irresponsabilidade financeira. (É muito curioso que os portugueses, e o próprio António Costa, aceitem, sem surpresa nem escândalo, uma idêntica atitude por parte da "esquerda da esquerda", como se estivéssemos perante crianças traquinas "que já se sabe como são..."). Ao deixar o PSD e o CDS tropeçarem em si mesmos, Costa poupou a Marcelo o custo político de um veto -que, faço justiça ao presidente, ele seguramente colocaria à legislação, se aprovada nos escandalosos termos acordados em comissão parlamentar.
Tenho para mim que o presidente e o primeiro-ministro se fizeram um favor mútuo. António Costa ocupou o centro da praça, nela ficando deliberadamente sozinho, assistindo (com evidente deleite) ao esbracejar verbal dos seus opositores, que nem sequer foram compreendidos pela esmagadora maioria dos comentadores das respetivas áreas políticas - porque estes sabem que o ridículo se paga em credibilidade. Marcelo Rebelo de Sousa, refreando o seu tropismo para a palavra instantânea, percebeu que tudo quanto pudesse dizer, mesmo em termos de "acalmação", teria um preço em desagrado por parte de alguém. Deixará assim que a poeira assente para depois nos brindar com algumas palavras vistas como sensatas. Como sensato foi este seu silêncio.
(Artigo hoje publicado no “Jornal de Notícias”)
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