Conheço e sou amigo de Miguel
Angel Martinez há bastantes anos. Miguel Angel é um homem de causas, que não esconde as suas emoções, fazendo parte daquela espécie de pessoas que não usa "langue de bois" e diz abertamente o que pensa. Político espanhol com grande experiência
europeia, é um dos mais antigos deputados europeus de Espanha, tendo já chefiado o Comité Executivo que orienta o Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, que atualmente dirijo. Grande
apoiante do Centro, participou comigo, na passada sexta-feira, em Estrasburgo,
num grupo de trabalho, criado pelo Comité de Ministros, que debate
o futuro daquela estrutura.
Em 2000, o
então meu colega de governo, Luís Amado, à época secretário de Estado dos
negócios estrangeiros e cooperação, fez uma intervenção num comité do
Parlamento europeu, a propósito da sensível questão da organização da cimeira
entre a União Europeia e a África.
(Em 2000 e, mais tarde,
em 2007, Portugal organizou cimeiras UE-África, durante as suas presidências da União Europeia. Na primeira dessas realizações,
defrontámo-nos com um sério problema. A maioria dos países africanos pretendia
que, do seu lado, a representação fosse assumida pela então Organização de
Unidade Africana (OUA) – hoje União Africana. Se tal acontecesse, Marrocos, que
por virtude do conflito no Saara ocidental não pertencia à organização, não
poderia participar. E, para nós, isso era impensável. Foi uma longa batalha, que,
contudo, e “to make a long story short”, terminou com a presença de Marrocos na
cimeira.)
Na ocasião, as declarações de Luís
Amado e a postura portuguesa mereceram um comentário muito elogioso de Miguel Angel Martinez.
Para nossa grande surpresa, um jornalista português fez um “take” para a Lusa em que, totalmente à revelia dos factos, Martinez era citado como tendo criticado
Amado. O deputado espanhol fez, de imediato, um desmentido escrito.
Num dos dias seguintes ao
incidente, estive no edifício do Parlamento europeu, em Bruxelas, para uma
apresentação do programa da presidência portuguesa. No final, no corredor,
chamei os jornalistas portugueses presentes e disse-lhes: “Não sei se leram este “take”
da Lusa, onde se diz que Miguel Angel Martinez criticou o secretário de Estado
Luís Amado”. E distribuí cópia da notícia. De seguida, estendi-lhes um outro
papel: “Agora, têm aqui um texto distribuído pelo deputado, em que desmente
formalmente a notícia, explicando que disse precisamente o contrário”. O grupo de jornalistas não percebia o que eu pretendia
com o meu gesto, mas ficou a saber isso de seguida: “Talvez o vosso colega que
escreveu a notícia falsa (e apontei para
ele) já tenha feito a sua retratação pela mentira que publicou. Pode
distribuir-nos uma cópia?”.
O visado ficou "branco como a cal". E o restante grupo de jornalistas
portugueses ficou surpreendido pela violência do meu comentário. Virei as costas e fui para o hotel. À noite, dois dos mais credenciados profissionais portugueses em Bruxelas, Fernando
de Sousa e José Rui Cunha, fizeram-me chegar o seu desagrado pela minha atitude, lamentando a “humilhação
pública” que eu tinha provocado ao colega, que era desculpado pela sua inexperiência. O assunto acabaria de morrer com o tempo, mas estou certo que quem assistiu à cena a não esqueceu.
E, diga-se, até hoje nunca encontrei
razões para me arrepender daquele meu gesto. Lembrei-me desta historieta na sexta-feira, ao dar um abraço ao meu querido amigo Miguel Angel Martinez, que há muito não via.