quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Medeiros Ferreira

Com inteligência culta, José Medeiros Ferreira deu ontem uma bela lição de história diplomática contemporânea, na conferência sobre o papel de Mário Soares como ministro dos Negócios Estrangeiros, que ontem proferiu nas Necessidades, a convite do Instituto Diplomático.

Tenho uma limitada esperança de que a totalidade dos auditores possa ter sabido apreciar, à exaustão, esta magnífica prestação e, em especial, algumas sofisticadas subtilezas que lhe estiveram subjacentes. Na sua forma e no seu conteúdo - de há muito aprendi que, com Medeiros Ferreira, as duas coisas são sempre inseparáveis -, esta revisitação dos primeiros tempos do Portugal pós-abril constituiu uma riquíssima interpretação desses tempos conturbados, do ponto de vista de alguém que, tendo sido ator político relevante nesse mesmo domínio, não foi apenas um observador neutral desse período. 

Tendo lido quase tudo o que sobre essa época se escreveu, creio nunca ter visto uma desconstrução tão fina e cuidada sobre a figura diplomática de Mário Soares no contexto da política de descolonização, tendo como cenário de fundo os conflitos, abertos ou subliminares, havidos com Spínola (e, depois, não só com ele) nesse contexto. Pela primeira vez, esta conferência ajudou-me a refletir sobre a evolução do papel político de Soares face à negociação dos processos independentistas. Interessantes também foram as notas sobre o posicionamento de Mário Soares perante a Europa e os EUA, bem como a revelação da (pouca) importância que atribuía às relações com a Rússia e a Europa de Leste.

Medeiros Ferreira só ligeiramente aflorou, para logo se afastar do tema, o tempo em que foi, ele próprio, ministro dos Negócios Estrangeiros do primeiro-ministro Mário Soares. A questão de Israel, que terá estado na origem da sua decisão de sair do cargo, veio à baila nesta conferência, num registo muito curioso, embora apenas para iniciados. Lembrei-me, na ocasião, de uma frase que ouvi Mário Soares dizer a Itzhak Rabin, em 1995: "Foi por causa de Israel que perdi um ministro dos Negócios Estrangeiros". 

Devo dizer que fiquei muito satisfeito por ter tido a oportunidade de ter estado presente nesta conferência e nela observar o meu amigo José Medeiros Ferreira na sua melhor forma. A qual comporta sempre a dimensão polémica que é a sua inigualável imagem de marca.

8 comentários:

Unknown disse...

Senhor Embaixador
Sabe se esta conferencia sera publicada?
Obrigado
Liberal Correia

patricio branco disse...

sem duvida que foi uma interessante conferencia, pena o texto não estar disponivel (site do id do mne ou blog de mf) vou ver...

Anónimo disse...

Aqui, desculpem- me, vou seguir o conselho do meu pai: "águas passadas não movem moinhos".
José Barros

Anónimo disse...

Julgava que a demissão de Medeiros Ferreira tinha que ver com a ida de Alegre a Luanda, desautorizando-o.

josé medeiros ferreira disse...

Já estive cá hoje, mas volto ao menos para dizer quanto gostei, caro Francisco Seixas da Costa, da sua presença nesta ocasião e quanto apreciei as suas palavras sobre a conferência. Mas, sem quere «fazer história» sempre lhe digo que a questão do estabelecimento de relações diplomáticas com Israel esteve longe de ter constituido a razão do meu pedido de demissão. Limitei-me a levar o caso a Conselho De Ministros e a executar, nesse âmbito, o que naturalmente ficou decidido.
Aqui fica o meu abraço amigo
Jose Medeiros Ferreira

Joaquim Pinto disse...

Falar de dois bons amigo, é uma honra do sr. Emb Seixas da Costa, e dar os parabéns ao meu bom amigo Prof. Medeiros Ferreira, Parabéns, que faça muitos .
Um abraço para os dois.
Joaquim Pinto

Anónimo disse...

Por razões várias (entre elas o aparecimento do PRD) o Prof. Medeiros Ferreira esteve afastado das lides do PS durante tempos... Coube-me mobilizar uma reunião no Altis para debater a adesão ao Tratado de Mastricht, que na época tinha opositores de peso... Nessa noite a sala Paris encheu com os; "a favor" ((muitos) e os "contra", como o Professor António José Saraiva, que passados meses deixava este mundo dos Mastricht's (em 17 de Março de 1993). O Prof. Medeiros Ferreira, de forma e conteúdo brilhante deu ali uma daquelas lições (às questões colocadas pelos deputados do PE) em que os prós e os contras da nossa correria para tudo o que cheirava a Bruxelas não ficassem "tapados" por interesses individuais ou de grupo... Depois dessa altura voltou a tomar assento na AR. Fiquei sempre satisfeita pela honestidade intelectual com que nos tem brindado com as suas intervenções. Há muito trabalho e estudo sério na vida do Prof. Medeiros Ferreira. Que bonito ver o Senhor Embaixador elogiá-lo como mestre... Os açoreanos que se dedicaram às letras, artes ou política sempre o fizeram com excelência. O clima ajudou-os a serem mais amantes da leitura e recolhedidos do que os madeirenses para quem a rua, o jardim ou o mar são a sua vivência diária. O clima e a geografia de um sítio são fundamentais para se compreender bem as características e hábitos das pessoas. Medeiros Ferreira é um açoreano que engrandece a terra onde nasceu!

Unknown disse...

pode ver e ouvir esta conferencia na integra em
http://idi.mne.pt/pt/conferencias/diplomaciae-politicaexterna/mario-soares-a-procura-do-tempo-perdido.html
assim como as outras deste ciclo de conferencias organizado pelo instituto diplomático

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...