quarta-feira, março 04, 2015

Queixas

Os governos português e espanhol queixaram-se à Comissão Europeia das acusações do PM grego de que Madrid e Lisboa - ainda não percebi bem por que ordem - tinham estado na linha da frente da tentativa de isolamento da Grécia no âmbito do Eurogrupo.

Hoje, o presidente da Comissão Europeia veio confirmar que os dois países ibéricos foram dos mais intransigentes, ainda mais do que a Alemanha, nessa discussão. 

Portugal vai agora queixar-se do sr. Juncker? E a quem?

Espionagem

Um pequeno escândalo abala a próxima candidatura de Hillary Clinton à presidência americana: aparentemente, durante a sua anterior encarnação como responsável pela diplomacia americana, a senhora terá usado, em regra, o seu endereço pessoal de mail, não tendo trabalhado usualmente com um endereço "corporativo" governamental. Ora isso, segundo os especialistas, poderá ter fragilizado a segurança das suas comunicações. A polémica está assim lançada.

Manifesto a minha solidariedade com a sra. Clinton. Passei os últimos anos a usar o meu email pessoal para coisas oficiais. Porquê? Isso não podia ser "apanhado" por terceiros? Não podiam ter lido o que eu escrevia? Claro, foi sempre esse o meu sonho...

A Cimeira das Lajes

 
Na edição correspondente a Dezembro de 2014 da revista "Relações Internacionais" publico uma recensão sobre o livro de Bernardo Pires de Lima "A Cimeira das Lajes. Portugal, Espanha e a Guerra do Iraque", editado pela "Tinta da China", que pode ser lida aqui.
 
O autor é um académico com um importante trabalho diário na imprensa sobre questões internacionais. Agora que passou mais de uma década sobre esse evento, parece ser importante revisitar esse momento em que se verificou uma quebra de consenso nacional sobre política externa. 

terça-feira, março 03, 2015

Yolanda Brígida

Você era uma criança. Falava à televisão, ao lado dos seus pais, emigrados na Suíça. Perguntaram-lhe o que gostava mais de ver nos noticiários. Com o olhar vivo e inocente, disse: os desastres! Essa sua resposta ficou-me para sempre.
 
Tempos mais tarde, curso tirado, estagiária da notícia, salário de recibo verde, telefonou-me para Brasília a inquirir do nome de um português envolvido num acidente. Expliquei que a ética da minha profissão não me autorizava a quebrar o sigilo. Não esqueci a sua reação: "A ética?! Deixe-se disso! Vá! Diga-me lá! É que se eu não consigo essa informação, o meu chefe põe-me na rua!"
 
Um dia, num jornal com mais de cem anos, na "silly season", li uma peça sua sobre um senhor chamado Eça de Queirós. Explicava, pedagógica, que era "um escritor realista português do século XIX", do qual citava obras a esmo. Fui ver: o texto era da Wikipedia. Fazia bem em apoiar-se em fontes prestigiadas, nessa Britannica da geração dos "shots".
 
Veja-a agora muito por aí, Yolanda Brígida ou Cátia Vanessa ou qualquer outra coisa assim que a rica imaginação dos seus pais tenha gerado. De "corneto" na mão, nos "travellings" na peugada do advogado desconcertante, à coca da casa dos "pulseirados", a perguntar como se sente à mãe que perdeu o filho no mar alto, a entrevistar o primo da vizinha de um tipo que conheceu o criminoso.
 
Vi um dia a sua glória. Uma baliza tinha caído sobre a cabeça de uma criança. O dia era “seco” em eventos. Os três telejornais abriram com a notícia, era o "seu" desastre. E lá estava você em campo, baliza ao fundo, preparada para a partida. Ao longe, as "repórteres" dos outros canais, seus heterónimos, filmavam-se comicamente entre si, debitando “buchas” para as respetivas câmaras, à espera do requestado edil local, que você entrevistava e que se prestava ao papel de alterne entre pantalhas, a todas anunciando o clássico "rigoroso inquérito". Um "must"!
 
É que onde eu gosto verdadeiramente de a ver é nos diretos, à porta de um tribunal fechado há horas, na soleira de uma urgência com uma velhinha a revelar o cancelamento da consulta numa greve, no rescaldo de um incêndio a recolher a clássica declaração sobre a "mão criminosa” no sinistro. Adoro as redundâncias em que ecoa, quase palavra por palavra, o que o “pivot” acabou de dizer, não vá alguém ter entrado na sala só nesse instante. Exulto quando se dirige, impante, à vedeta em estúdio, que mal a conhece, com um íntimo: "Daqui é tudo, Judite!'.
 
Há dias, vi-a numa de excelência. António Costa tinha acabado de falar sobre o seu "sermão aos chineses", que em ano eleitoral substitui o "sermão aos peixes", do outro António, mas Vieira. Ele saía já de cena, tenso, e você, marota, ética Cofina, reguila qb, sem esperar resposta, só para gáudio da malta lá na redação, atirou-lhe à cara: "O país está melhor, António Costa?". Eu, no caso dele, sabia o que lhe tinha atirado à cara, a si.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

segunda-feira, março 02, 2015

Refletir é preciso

Na carreira diplomática, que me encheu a existência profissional até há uns tempos, existe uma regra de ouro, em face de situações que nos incitam a uma reação imediata, a qual nos pode parecer óbvia e indiscutível: parar um pouco para refletir. Quando a pena ou a tecla nos apelam para enviar, logo de seguida, um "telegrama" ou uma "nota verbal" com uma reação forte e dura, a boa experiência aconselha a "dormir sobre" ela.

Quantas vezes, perante uma patetice qualquer, recebida da "Secretaria de Estado" (designação que damos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa), não me apeteceu arrasar de imediato, com um "telegrama", o funcionário expedidor, acobertado sob o heterónimo de "NEstrangeiros" (expressão que assina vulgarmente as comunicações que recebemos nos postos). Mas, como referi, a profissão ensinou-me a saber "dormir sobre o telegrama", fórmula há muito consagrada na casa. É que, no dias seguintes, com mais calma e ponderação, a validade dos nossos argumentos aparece quase sempre servida por uma linguagem mais elegante e aceitável, embora não necessariamente menos firme.

Lembrei-me disto a propósito da Grécia. Nos tempos que correm, o eixo daquela diplomacia que é sempre relevante afastou-se do Palácio das Necessidades. Não é coisa que me agrade constatar, mas é a realidade das coisas. E assim, do reino profissional dos "telegramas", passámos, nos últimos anos, à glória das folhas de Excel feitas política externa (às vezes, com alguma irresponsabilidade que vai até ao ponto de "tweetar" garotices). Do "terceiro andar" do Palácio, local do poder, a reação político-diplomática aparece regularmente transferida para outras sedes, quase sempre desenhadas com cifrões à mistura. E tenho pena que, por essas novas bandas, não haja hoje, ao que tudo parece indicar, uma massa crítica suficiente que evite que as reações dos políticos, quando confrontados com os "cornetos" das estagiárias televisivas, não haja sido antes aculturada por umas horas de reflexão. E, já agora!, com algum sentido e responsabilidade de Estado, se não for pedir muito.

Por isso, ó gentes deste governo cessante, não "syrizem" as vossas emoções, "durmam sobre" o assunto, reajam com um estilo "cool", percebam que a precipitação pode estragar duradouramente uma relação bilateral, tendo de caber aos vindouros sarar as feridas e juntar os cacos. É que, depois, como ensinou o meu amigo e colega Marcello Duarte Mathias, "gasta-se uma vida inteira a corrigir um erro de trajetória". Ouçam-no, tanto mais que ele tem ascendência grega...

Fernando Madrinha


Devo-me ter cruzado no máximo umas três vezes na vida com Fernando Madrinha, jornalista do "Expresso" e seu colunista até ao seu último número. Não o conheço bem, quero eu dizer. Mas conheço-o de escrita, ao longo de quase 20 anos - eu que sou um leitor do "Expresso" desde o nº 1, isto é, há mais de 40 anos. E nem sempre estando de acordo com o que ele escreve, longe disso!, reconheço-o como uma voz livre e uma opinião ponderada e equilibrada, num mundo do jornalismo opinativo onde se passam muitos recados e se fazem ainda mais fretes. Tenho assim pena, desconhendo as razões de fundo, de vir a perder os seus textos. Só espero que o jornal nos não nos venha a "compensar" com (mais) alguns "talibans" de pena adjetivada, que fazem do radicalismo, de qualquer dos lados do espetro, o seu "fond de commerce". Cá estarei para ver.

José Quitério



Foi uma bela cerimónia aquela que ontem teve lugar na Reitoria da Universidade de Coimbra, no dia em que se comemorava o 725º aniversário da instituição. 

Tratou-se da entrega do "Prémio Universidade de Coimbra" 2015 a José Quitério, a figura do jornalismo português que dedicou à cultura da gastronomia mais de quatro décadas da sua vida. 

O elogio do premiado foi feito por outro nome cimeiro da gastronomia portuguesa, José Bento dos Santos, atual presidente da Academia Internacional de Gastronomia. Antes, havia sido feita a leitura de um belíssimo e clássico texto de José Quitério.

A unanimidade é muito difícil de se obter, em qualquer área da vida. Mas eu desafiaria alguém em Portugal a juntar, como aconteceu com José Quitério, o conjunto tão diverso de personalidades que apoiaram a sua candidatura, proposta pelo jornalista Fortunato da Câmara, que desde há semanas lhe sucedeu como crítico gastronómico do "Expresso". Senão, vejamos:

Álvaro Siza Vieira, arquiteto
André Jordan, empresário
António Lobo Xavier, advogado
António Mega Ferreira, escritor
Artur Santos Silva, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian
Baptista Bastos, escritor
Carlos do Carmo, cantor
Francisco José Viegas, escritor
Francisco Pinto Balsemão, empresário
Guilherme de Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura
Helena Sacadura Cabral, economista
Joaquim Furtado, jornalista
José Bento dos Santos, empresário
José Carlos de Vasconcelos, jornalista
José Miguel Júdice, advogado
Luis Pato, empresário
Maria de Lurdes Modesto, publicista em culinária
Maria do Céu Guerra, atriz
Miguel Esteves Cardoso, escritor
Rui Vieira Nery, professor universitário.

domingo, março 01, 2015

O dever

Não me parece uma falta de extrema gravidade a existência de uma dívida do dr. Passos Coelho à Segurança Social. Pode acontecer a qualquer um.

Só que o dr. Passos Coelho não é qualquer um, é o primeiro-ministro do país, a quem sempre exige uma conduta impoluta, como se vê a Justiça exigir noutro contexto.

Por isso, representa uma evidente falta de cultura democrática, em lugar de procurar justificar-se em formalismos, não ter apresentado desculpas públicas ao país. O país ficaria satisfeito e o primeiro-ministro teria saído bem desta pequena história. 

Assim, não saiu.

Renso

Quando o novo primeiro-ministro italiano, de quem antes pouco tinha ouvido falar (não acompanho em pormenor a vida política italiana, devo confessar), tomou posse, o seu nome - Renzi - ficou às voltas na minha cabeça. Aquele apelido dizia-me alguma coisa, mas não conseguia pensar o que fosse.

Um dia, a luz surgiu-me. Um nome "próximo" era vulgar aos meus ouvidos, desde a infância. Fazia parte dos amigos que, com o meu pai, se sentavam na esplanada do Girassol, no jardim, nas férias de Verão, em Viana do Castelo. Chamavam-lhe "Renso". Um dia, tinha eu aí uns oito ou nove anos, referi-me a ele como o "senhor Renso". O meu pai corrigiu-me: "Deves chamar-lhe senhor Coutinho. Só os amigos próximos o tratam por Renso" disse, com um sorriso enigmático. Tomei devida nota.

Passaram uns anos e, no grupo do Girassol, que o meu pai continuava a frequentar em férias, ouvi um dia dizer que "a mulher do Renso tem andado adoentada". Nessa ocasião, inquiri, finalmente, da origem do "petit nom". E fui esclarecido.

O "Renso" tinha sido colega de escola primária do meu pai. Na realidade, chamava-se Coutinho. A crueldade dos colegas levou-os a apodá-lo de "toucinho". Com o tempo, a miudagem veio a mudar criativamente o "toucinho" para "ranço". A corruptela da vida transformou, finalmente, o "ranço" em "renso". Daí ao "senhor Renso" foi um passo curto. As voltas que os nomes dão!

Que o Estado Islâmico não pegue nisto, é o mínimo que se pode desejar, atenta a incompatibilidade entre Maomé e o toucinho...

sábado, fevereiro 28, 2015



Epígrafe

De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.
 
De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso   a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.
De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro   quando as digo.
 
Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
-- expressão da multidão que está comigo.

José Carlos Ary dos Santos

sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Regresso à escola

Há semanas, tive necessidade de obter uma certidão da minha licenciatura. Desloquei-me à secretaria da minha faculdade e, quando referi o ano de fim do meu curso, a simpática funcionária que me atendeu (já não era a Dona Irene, do meu tempo) voltou-se para as colegas e, como se apresentasse uma avis rara, disse alto: "Está aqui um aluno dos anos 70!". Ficou toda a gente a olhar para mim, comigo a não me reconhecer no qualificativo de "aluno"! A colega logo reagiu: "Esses anos já estão lá em baixo..." o que significava que jaziam nas catacumbas da faculdade tais registos do antanho, imagino que com patine de teias de aranha. (E devem ter ficado a perguntar-se: para que é que este homem quer uma certidão de licenciatura?). Dias depois, lá surgiram as papeladas que me diziam respeito e tiveram a amabilidade de me trazer, por curiosidade, no livro de registos, uma fotografia minha desses tempos, com forte cabelame e uma imponente bigodaça. As figuras que fazíamos!

Nos últimos anos, "regressei" à universidade. Já tinha feito uma incursão, há uns tempos, na Universidade de Aveiro, onde orientei uma tese de mestrado. Depois, na UTAD, presidi durante cerca de quatro anos ao respetivo Conselho Geral, uma experiência muito interessante, embora nem sempre fácil. Em Coimbra, colaboro com a respetiva Faculdade de Economia, de cujo Conselho Consultivo faço parte, desde há quase cinco anos. Na Universidade Autónoma, faço este ano letivo parte do corpo docente na área das Relações Internacionais. E, na Universidade Nova de Lisboa, além de integrar desde 2013 o Conselho da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, tive hoje a grata experiência de ser arguente em duas teses de mestrado na área das Relações Internacionais. Sabe-me bem este regresso à escola. 

Falando da Grécia


quinta-feira, fevereiro 26, 2015

Tertúlias


Faço parte de várias tertúlias. Nenhuma delas tem uma agenda de intervenção pública, mas em todas aprendo coisas úteis. Como regra, congregam pessoas, homens e mulheres, que se sentem bem a falar umas com as outras, mesmo se oriundas de círculos muito diferentes e com perspetivas, políticas e não só, às vezes contrastantes. Algumas dessas tertúlias são semanais, outras acontecem todos os meses, outras "quando o rei faz anos". Umas são temáticas, outras de mero convívio, às vezes com copos e vitualhas à mistura. 

A tertúlia é uma magnífica terapia contra o sectarismo, a bem da tolerância. Ouvir os que pensam de forma diferente da nossa enriquece-nos. Conversar com quem connosco partilha identidades conforta-nos. O fim de ciclo de uma tertúlia começa a pressentir-se quando os debates se transformam em discussões acaloradas. Já assisti à diluição de algumas tertúlias de que fiz parte, algumas vezes com pena, outras com alívio. Mas sou um "tertuliano" militante, confesso.

quarta-feira, fevereiro 25, 2015

Ucrânia


Paulo Sande, Bernardo Pires de Lima e eu próprio discutimos na Económico TV a crise político-militar na Ucrânia.

Pode ver esse debate aqui e aqui.

Trocadilhos

Gosto de trocadilhos criativos na designação de lojas. Ontem passei pelo "Ás de Comer". Há dias, pela lavandaria "Lavarte". E lembrei-me da clínica veterinária com que deparei um dia no Rio: "Cãopacabana". A Maria Lúcia Lepecki, recém chegada do Brasil nos anos 70, foi quem me chamou pela primeira vez a atenção para esta inócua mas divertida aventura no reino da "paranomásia" (é verdade, é assim que isto se chama). Ela que se encantava com a involuntária ironia da "A Reparadora dos Anjos" e a quem uma vez levei uma fotografia da estreita "Rés vés", uma loja que havia em Campo de Ourique e cujo subliminar trocadilho só funcionava para quem se lembrasse da frase completa.

"Portugal no primeiro quartel do século XXI"

Terá lugar amanhã, quinta-feira, dia 26 de fevereiro, na Fundação Calouste Gulbenkian, a conferência "Portugal no Primeiro Quartel do Século XXI - Estratégias Rumo ao Futuro".

A realização será presidida pelo general Ramalho Eanes, contando com a participação do Bastonário da Ordem dos Engenheiros, eng. Carlos Matias Ramos, do presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, dr. Artur Santos Silva, do professor Jorge Miranda, do almirante Fernando Melo Gomes e de mim próprio.

Caber-me-á desenvolver o tema: "Política externa e diplomacia nacional - a envolvente europeia e mundial. Adequação da política externa portuguesa à nova realidade existente".

 

terça-feira, fevereiro 24, 2015

Elegia

já nada é o que era
e provavelmente nunca mais o será
e mesmo que o fosse
algo me diz que já não seria o que era
porque o que era
era o que era por ser o que era
do que eu me lembro muito bem
embora eu então não fosse o que agora sou
mas o que agora sou
ou estou a ser
é deixar de ser o que sou
porque eu sou deixando de ser
deixar de ser é a minha maneira de ser
sou a cada instante
o que já não sou
e o mesmo se deve passar com tudo o que é
motivo por que não admira que assim seja
quer dizer
que nada seja o que era
e se assim é
ou já não é
seja ou não seja


Alberto Pimenta, in 'Ascensão de Dez Gostos à Boca'

Esse mesmo!

Custa-me falar deste assunto, por razões facilmente compreensíveis. Mas sentir-me-ia pior não o fazendo.
 
Nos últimos três anos, este governo foi acusado de não ter uma política europeia. E não teve. Ou melhor, tinha a que lhe ditava o seu tropismo para um mimetismo silencioso e sorridente para com quem distribuía as cartas do jogo. Era cómodo, era barato e sempre ia "dando" uns milhões - pagos com juros de palmo a quem, na Europa rica, vive à tripa forra com a desgraça, e com os juros, dos outros. E ainda ficávamos obsequiosamente gratos, o que deve dar um gozo imenso a quem nos olha hoje com um irónico e sobranceiro sorriso setentrional.
 
Subitamente, o governo "decidiu" ter uma política europeia. Do silêncio fragoroso, emergiram vozes, que surgiram das Finanças, essência da política externa que nos resta. Só que, ao contrário daquilo que foi o sentido do combate europeu de Portugal durante décadas, a nova "coragem" política à mesa do Conselho de Ministros, que no passado nos colocava em saudável confronto com os contribuintes líquidos, na linha de defesa de uma Europa mais solidária, passou a revelar-se face aos deserdados da sorte europeia. Portugal "faz" de Benelux, finge de nórdico, tem tiques de ricaço, p'cebe?. Num duplo sentido, só percetível por alguns, quase poderíamos dizer que é a Cova da Moura a "armar" a Quinta da Marinha.
 
Aprendi na escola primária que colocarmo-nos ao lado dos mais fortes para poder bater nos mais fracos tem um nome muito feito. Esse mesmo!

Os embaixadores

 

Era uma vilória pequena, a uma grande distância de Lisboa. O dia estava muito quente. O embaixador, de passagem, decidira beber uma cerveja num snack-bar local. A sala tinha bastante gente, pelo que optou por uma mesa mais isolada, distante da porta, onde o ar condicionado parecia funcionar de forma mais eficaz. E entreteve-se a ler um jornal que encontrou por ali.

Uma exclamação fê-lo levantar os olhos: "Ó embaixador!". Tentou perceber quem o chamava, mas não viu ninguém dirigir-se-lhe. Pelo contrário, alguns dos circunstantes viraram-se para um cavalheiro que acabava de entrar, cuja cara não era muito percetível, com a luz da rua a recortá-lo por detrás. Viu-o cumprimentar, à passagem, vários dos presentes e sentar-se a uma das mesas. Era um homem alto, já bastante entrado na casa dos 70.

Um dos seus companheiros de mesa pediu para o balcão: "Ó Pinto! Traz aqui um café para o sr. embaixador. Em chávena fria, como ele gosta". Notava-se que o recém-chegado gozava de prestígio local. O silêncio e a atenção que envolviam as palavras com que se dirigia a quem o rodeava confirmavam isso mesmo.

O embaixador visitante estava cada vez mais curioso. Quem seria aquele seu colega? Conhecia bem a carreira e, muito em especial, sabia quem eram os que tinham ocupado postos de embaixador. Nenhum correspondia àquela figura.

Procurou fixar melhor a cara do novo cliente e, poucos instantes depois, fez-se-lhe luz: era de facto um diplomata, uma boa dezena de anos mais velho do que ele. Recordava-se vagamente que ele havia sido vítima de uma intriga e de uma perseguição por parte da hierarquia, pelo que acabara por nunca lhe ser atribuída a chefia de uma embaixada. Conhecia-o de vista, desde há décadas, mas não se recordava de, alguma vez, ter trocado com ele qualquer palavra. Estava reformado, há já uns bons anos.

A insistência com que fixava a mesa acabou por não passar desapercebida e o antigo colega cruzou com ele, de súbito, um brevíssimo olhar, que logo desviou. Reconhecera-o, pela certa, e pareceu ter ficado preocupado. Um cumprimento de outro cliente "Boa tarde, senhor embaixador!" foi recebido com um esgar inquieto pelo homem, que terá entendido que, naquela sala, estava alguém que sabia que o seu estatuto profissional não era exatamente aquele que a vilória tinha consagrado, provavelmente desde há vários anos.

A situação estava a começar a tornar-se algo pesada. O  embaixador, logo que pôde, pagou a cerveja e caminhou em direção à porta. À passagem pela mesa em que o seu velho colega de carreira estava sentado, lançou, alto, com um sorriso simpático: "Boa tarde, embaixador! Tive muito gosto em vê-lo!". E saiu. Satisfeito.  

segunda-feira, fevereiro 23, 2015

José Sócrates

Há pouco, dei comigo a pensar que José Sócrates, com todas as acusações que sobre ele agora impendem por, alegadamente, ter quebrado o segredo de justiça ainda se arrisca, um destes dias, a ir dar com os costados a uma prisão.

Kiev sob fogo?

Resposta breve a perguntas da Rádio Observador. Aqui .