Pode parecer excessiva a insistência sobre o caso de Dominique Strauss-Kahn. A verdade, porém, é que isso mais não corresponde do que à importância que o assunto assume aqui em França, onde é objeto de comentários por parte de qualquer cidadão, no exercício daquilo a que Jean-Luc Godard chamava o "direito à impressão". Dando também razão à ironia clássica de Oscar Wilde segundo a qual "só as pessoas superficiais é que não julgam pelas aparências".
Hoje deixo duas notas, muito diferentes, sobre Strauss-Kahn.
A primeira sobre o seu trabalho à frente do FMI. Relembro apenas o subtítulo do editorial do último "The Economist": "Whatever the man did, do not forsake his ideas: they are more important". Quero com isto dizer que é da maior relevância conseguir preservar, na liderança que lhe irá suceder, o espírito novo que Dominique Strauss-Kahn soube transmitir ao FMI, o modo como conseguiu modular a rigidez e a cegueira dos números, a insensibilidade social que marcou muitos dos "ajustamentos estruturais" liderados e impostos, no passado, por esta instituição de Bretton Woods. Os "developing countries" podem ter muitas reticências sobre a personalidade de Strauss-Kahn, mas é hoje uma evidência que não irão esquecer o modo como ele soube adaptar positivamente a filosofia de atuação da organização. Além disso, vale a pena também ter presente a forma como Strauss-Kahn soube impor o FMI no quadro do G20, como conseguiu reforçar substancialmente os meios financeiros ao seu dispor, contribuindo também para um mais justo posicionamento relativo dos países emergentes no processo decisório dentro do Fundo. O mandato de Strauss-Kahn dentro do FMI foi um imenso sucesso, agora contrastantemente sublinhado pela tragédia pessoal em que está envolvido.
A primeira sobre o seu trabalho à frente do FMI. Relembro apenas o subtítulo do editorial do último "The Economist": "Whatever the man did, do not forsake his ideas: they are more important". Quero com isto dizer que é da maior relevância conseguir preservar, na liderança que lhe irá suceder, o espírito novo que Dominique Strauss-Kahn soube transmitir ao FMI, o modo como conseguiu modular a rigidez e a cegueira dos números, a insensibilidade social que marcou muitos dos "ajustamentos estruturais" liderados e impostos, no passado, por esta instituição de Bretton Woods. Os "developing countries" podem ter muitas reticências sobre a personalidade de Strauss-Kahn, mas é hoje uma evidência que não irão esquecer o modo como ele soube adaptar positivamente a filosofia de atuação da organização. Além disso, vale a pena também ter presente a forma como Strauss-Kahn soube impor o FMI no quadro do G20, como conseguiu reforçar substancialmente os meios financeiros ao seu dispor, contribuindo também para um mais justo posicionamento relativo dos países emergentes no processo decisório dentro do Fundo. O mandato de Strauss-Kahn dentro do FMI foi um imenso sucesso, agora contrastantemente sublinhado pela tragédia pessoal em que está envolvido.
Apenas uma vez, e por breves minutos, me recordo de ter falado com Strauss-Kahn, nos momentos que antecederam um almoço oferecido por Lionel Jospin a António Guterres, em Matignon, creio que em 1999. Nem faço ideia do que falámos. Durante esse almoço, teve lugar uma cena algo caricata.
A certo momento do repasto (aliás, recordo, com excelentes vinhos), achei que deveria transmitir ao primeiro-ministro português uma informação, que me parecia poder ser-lhe útil na sequência da conversa. Eu estava à esquerda de Jospin, que tinha em frente António Guterres, o qual, por sua vez, dava a direita a Dominique Strauss-Kahn. Gatafunhei umas notas nas costas de um menu, em que devo ter escrito qualquer coisa do estilo: "Seria importante lembrar a Jospin que..." ou "A França não pode esquecer que..." ou outros comentários do género. Era uma nota para ser lida apenas por António Guterres, porque, lembro-me, tinha elementos algo sensíveis na forma como estavam apresentados. Dobrei o menu e, a um empregado de mesa que passava, pedi que o entregasse ao primeiro-ministro português, do outro lado da mesa. O homem terá entendido menos bem o que eu disse, deu a volta à mesa e passou a minha nota a... Dominique Strauss-Kahn, que estava precisamente à minha frente.
A certo momento do repasto (aliás, recordo, com excelentes vinhos), achei que deveria transmitir ao primeiro-ministro português uma informação, que me parecia poder ser-lhe útil na sequência da conversa. Eu estava à esquerda de Jospin, que tinha em frente António Guterres, o qual, por sua vez, dava a direita a Dominique Strauss-Kahn. Gatafunhei umas notas nas costas de um menu, em que devo ter escrito qualquer coisa do estilo: "Seria importante lembrar a Jospin que..." ou "A França não pode esquecer que..." ou outros comentários do género. Era uma nota para ser lida apenas por António Guterres, porque, lembro-me, tinha elementos algo sensíveis na forma como estavam apresentados. Dobrei o menu e, a um empregado de mesa que passava, pedi que o entregasse ao primeiro-ministro português, do outro lado da mesa. O homem terá entendido menos bem o que eu disse, deu a volta à mesa e passou a minha nota a... Dominique Strauss-Kahn, que estava precisamente à minha frente.
A conversa entre Jospin e Guterres ia animada e eu não tinha a menor possibilidade de a interromper, para dizer ao ministro da Economia e Finanças francês que a nota não lhe era dirigida, mas sim ao seu parceiro do lado. Embaraçado, gesticulei discretamente para chamar a atenção de Strauss-Kahn, o qual, no entanto, se dedicava a ler, com toda a atenção, aquilo que eu tinha escrito, em letras maiúsculas, desejavelmente "for the eyes only" do meu primeiro-ministro. O governante francês deve ter percebido o essencial do texto. Quando acabou a leitura, olhou para mim, esboçou um sorriso e passou o papel a António Guterres. Enfim, imprudências que se cometem...