sábado, novembro 18, 2017

Grupo Culturgest


Aqui deixo, em registo para a posteridade, ”au complet”, o grupo que, durante anos (no meu caso, desde 2013), pelas 9.30 horas da manhã de certos dias, reuniu na Culturgest, sob a hospitalidade e a benévola tutela de Miguel Lobo Antunes. 

Reflexões, palestras e textos em jornais resultaram deste trabalho conjunto, parte do qual ficou registado no blogue Pensar Portugal.

Dezenas de pessoas de diversos área da sociedade portuguesa - do setor empresarial, da administração pública, de orgãos de soberania, das instituições europeias, da sociedade civil - contribuiram também para as atividades deste “think tank”, cujas ideias e propostas foram pessoalmente transmitidas ao primeiro-ministro e ao presidente da República.

Na imagem, da esquerda para a direita: Lino Fernandes, João Ferreira do Amaral, Júlio Castro Caldas, Miguel Lobo Antunes (de pé), João Salgueiro, Francisco Seixas da Costa, José Manuel Felix Ribeiro, João Costa Pinto e Fernando Bello.

Condecorações


O meu amigo e colega José de Bouza Serrano, publicou há pouco no seu portal do Facebook esta magnífica imagem. 

O embaixador Bouza Serrano foi chefe do Protocolo de Estado e é autor de um livro sobre o tema que faz escola entre nós. Várias vezes lhe telefonei de sítios longínquos, como ele se lembrará, inquirindo sobre a “doutrina” a seguir, em hesitações conjunturais...

A imagem lembrou-me uma historieta, que um dia já por aqui contei.

Em 1979, na Noruega, como encarregado de negócios de Portugal, chefiando a embaixada na ausência do embaixador, fui apresentado, com o meu colega espanhol Rafael Conde de Saro, atual Cônsul-Geral em Nova Iorque, ao rei Olavo V, durante uma cerimónia de gala no palácio real. Na altura, nenhum de nós tinha qualquer condecoração, pelo que devíamos parecer simples “pinguins” de casaca...

O soberano, que era um homem de grande bonomia e simpatia, quis colocar-nos à vontade e, numa inesperada cumplicidade, disse-nos: "Não olhem agora, mas vão notar que, atrás de vocês, está um embaixador - que não sei de que país é - cheio de condecorações, dependuradas na sua casaca. Devem imaginar que eu, como rei, já recebi imensas. Tenho a sensação de que, se um dia decidisse usá-las todas ao mesmo tempo, caía ao chão..." 

Rimos respeitosamente com a graça real e, passados uns instantes, olhámos. Era um diplomata latino-americano, que, tal como o cavalheiro da imagem de hoje, mas longe do seu exagero, se mostrava pouco dado à parcimónia com que estas distinções devem ser usadas.

sexta-feira, novembro 17, 2017

Globalização e realismo

Ainda antes do início do século, o então ministro grego dos Negócios Estrangeiros, Georgios Papandreou, organizava anualmente reuniões de reflexão e debate político-económico, para as quais convidava uma pessoa de cada um de cerca de trinta países. Durante vários anos, fui “o” português desse grupo, que reunia na Grécia, cabendo-me introduzir as temáticas europeias da atualidade.

Num desses encontros, um simpático economista, amigo americano de Papandreou, de quem eu não lera mais do que um ou dois artigos no “The New York Times”, fez uma apresentação que me marcou pelo seu brilhantismo. Mas que me deixou muito preocupado. O tema eram os efeitos assimétricos da globalização, quer nos países desenvolvidos, quer nas economias emergentes e em vias de desenvolvimento. Os impactos do fenómeno sobre a diversidade de tecidos económicos, à luz da experiência então já vivida, estavam, naturalmente, no eixo dessa reflexão. 

Para um país como Portugal, que atravessava ainda um período de reconversão industrial muito duro, fruto da perda de mercados protegidos, com um aproveitamento das “novas fronteiras” abertas pelo acordos da UE com países terceiros que estava longe de ser compensatório, devido ao nível tecnológico de muita da nossa oferta, os impactos sobre o emprego e a balança exterior continuavam a ser sérios. O diagonóstico do economista americano estava longe de sossegar e, curiosamente, punha em questão a narrativa eufórica sobre o processo de abertura das economias que nos era “vendido” (e, sejamos honestos, imposto) pelo “mantra” oficioso que dominava a máquina de negociação comercial externa da Comissão europeia.

Para muitos dos que estávamos reunidos na Grécia, o debate servia também como útil base para a projeção, que então já se fazia de forma incipiente, sobre os eventuais efeitos da globalização na estabilidade dos modelos de representação política nas democracias ocidentais. Recordo-me, contudo, que, à época, a ideia de que os desequilíbrios provocados nas economias dos Estados-membros da União poderia ter consequências detrimentais na governança global do processo integrador era ainda um tema praticamente arredado do debate.

Voltei a encontrar o amigo americano de Papandreou em Nova Iorque. Ele tinha entretanto ganho o prémio Nobel da Economia e viria a publicar o seu famoso “A Globalização e os seus descontentes”. Organizei em casa um interesante jantar com ele e com Jorge Sampaio. O economista chama-se Joseph Stiglitz. As suas teses são hoje mais do que conhecidas, muito embora ao seu estudo, já com quase duas décadas, ele tenha vindo a aditar variáveis que então só eram intuídas, mas que são hoje bem mais evidentes.

Lembrei-me muito de Siglitz, por estes dias, numa conferência em que participei em Turim, a convite da Fundação Calouste Gulbenkian, sob o tema “Vencedores e derrotados da Globalização”. Foi interessante revisitar as teses tradicionais em confronto, desde os que recusam que possa haver “perdedores” do processo, até aos que, mais ou menos subtilmente, desenham argumentários para limitar a liberdade de circulação dos fatores, por vezes recorrendo a remédios de cariz protecionista, passando também por quantos apenas tentam encontrar mecanismos para atenuar os efeitos mais nefastos da globalização.

A diferença face ao debate, de há quase vinte anos, na Grécia é que, por estes dias, já vemos mais claro, com o euroceticismo e com o Brexit, com a subida da extrema-direita e com fenómenos de rejeição da abertura comercial como o protagonizado por Trump, onde estão e como atuam os “descontentes” da globalização. E onde e em quem votam. Nos nossos debates, a China esteve muito presente, vista cada vez mais como uma ameaça e já sem a aura de “bondade” ou inocuidade que, há uns anos, a conduziu à OMC. Mas também por ali se analisaram os efeitos, nos salários e no emprego, daquilo a que eu chamaria a “globalização de proximidade”, do contributo de algumas economias do Leste europeu para o processo de desequilíbrio dentro da própria União.

Estamos hoje mais conscientes dos problemas com que nos confrontamos, talvez mesmo dos remédios para algumas das disfunções que vivemos, mas julgo poder concluir dos debates a que assisti que, perante o recuo que vivemos no tratamento multilateral do processo de globalização, o indispensável corpo institucional regulatório está hoje diminuído. Isso não é uma boa notícia para os perdedores e só acredita que isto é um jogo de “win-win” quem é ingénuo ou cínico.

Os interesses permanentes dos portugueses


Há meses, o professor Luis Valente de Oliveira convidou um conjunto de pessoas, oriundas de diversificados setores da sociedade portuguesa, para refletirem em conjunto sobre um tema da maior importância: “Os interesses permanentes dos Portugueses”. Tive o gosto de integrar esse grupo e dar a minha contribuição pessoal para o trabalho coletivo.

O grupo, que continua a laborar sobre outras temáticas, assume o nome de “Tertúlia dos Carrancas”, nome derivado do nome do palácio que acolhe o Museu Nacional Soares dos Reis, onde as reuniões têm lugar e cujo “Grupo de Amigos” as promove.

Na próxima 3ª feira, dia 28 de novembro, com o jornal “Público”, poderá ser adquirido esse primeiro estudo, que tem como relator o próprio professor Valente de Oliveira.

Claro que aconselho que comprem e o divulguem.

Iskra


Mao Tse-Tung falava na “faúlha que incendeia a pradaria”, para significar os factos que desencadeiam as revoluções. Lenin, ao tempo da agitação contra o csar, chamava ao seu jornal “Iskra”, que significa isso mesmo: faúlha.

Isto vem à colação por um episódio que tem precisamente uma semana. Era madrugada, de sexta-feira para sábado, e no visualizar descuidado do Facebook, surgiu a fotografia de um jantar que, horas antes, tinha tido lugar no Panteão, no encerramento do Web Summit. 

A imagem até era bonita, mas, em mim, criou uma estranheza que expressei nas redes sociais: “Ajudem-me: acham mesmo normal que o jantar final do Web Summit seja entre os túmulos do Panteão Nacional?”. Porque a prudência aconselha a não ser definitivo e a relativizar os juízos, ensaiei outra questão: “Seremos nós quem não está a ver bem as coisas?” Estava a ser completamente sincero e disposto a ser convencido, não fosse dar-se o caso de ser eu quem estivesse a ser exagerado no escrúpulo. E fui dormir.

No dia seguinte, sábado, tinha esquecido o tema. Li calmamente os jornais do dia, os quais, claro, nada traziam sobre o assunto. E almoçava, descansado, num restaurante, quando olhei distraidamente o iPhone. E, qual incendiário a abrir a CMTV, dei conta de que “a faúlha que incendeia a pradaria” tinha feito o seu caminho. Os “retweets” era aos montões, as “partilhas” no Facebook eram às centenas. O assunto estava em todas as manchetes do “on line”. Das rádios, chegavam-me telefonemas para entrevistas, de televisões, convites para debates sobre o tema.

Nada disto teria a menor importância, não fora o caso de se dizer, um pouco por todo o lado, que havia sido o meu “tweet” a incendiar a “pradaria” noticiosa. De um momento para o outro, aquilo que considerara, desde o primeiro instante, como um “fait-divers” de parca relevância, havia-se magnificado num escândalo nacional: o governo reagiu, irado consigo mesmo (e comigo, imagino!), o presidente cuidou em opinar sobre o tema entre dois afetos e a oposição, que pelo seu passado na matéria deveria ter tido a decência de estar calada, saiu a terreiro em patético tom de ultraje. O batalhão dos opinadores opinou sem cessar, os “populares”, à volta de Santa Engrácia, disseram o que lhes veio à cabeça e, claro, os humoristas especularam sobre se tinha havido “wifi” na cena (e se “deadline” era a “password”). E até o pobre-rico irlandês organizador da cimeira, habituado a beber umas Guiness ou um Jameson entre tumbas dos seus cemitérios-jardim, se sentiu obrigado a nos pedir desculpa pela ousadia de ter organizado o repasto entre as presumíveis nobres ossadas.

Prova-se que basta uma faúlha para pôr este país a arder. Às vezes é uma tragédia, outras vezes é apenas uma triste comédia.

quinta-feira, novembro 16, 2017

Sósia


Há semanas, alguém me avisou de que havia um perfil no Facebook que utilizava fotografias minhas. O nome é “Frédéric Catanese”. Fui ver e lá está uma imaginativa página, com umas dezenas de “amigos” (na maioria, “amigas”, vá lá!). 

Com tempo, vou queixar-me ao “senhor Facebook”. Até lá, pedi “amizade” ao “Frédéric”. Fico a aguardar a resposta. É que se há coisa que recuso é dar demasiada importância às redes sociais

quarta-feira, novembro 15, 2017

Agnelli


Susana Agnelli foi, nos anos 90, uma improvável ministra dos Negócios Estrangeiros de Itália. Morreu em 2009, com 87 anos. Coube-lhe os destinos da Farnesina (as Necessidades italianas), durante a presidência italiana da União Europeia, em 1996. O modo “leve” como geria a pasta e tratava algumas temáticas internacionais conduzia-a a algumas “gaffes” embaraçantes, a que a sua proverbial distração acrescentava momentos divertidos. Recordo um dia em que, ao seguir um papel que lhe havia sido preparado pelo secretariado - que trazia uma nota entre parêntesis que dizia “ler isto apenas se os ingleses suscitarem a questão” -, ela leu, não apenas o texto que não era suposto ler, mas também a própria nota que estava entre parêntesis, o que levantou gargalhadas em toda a sala.  Ela, porém, continuou impávida, com o seu sorriso-esgar quase aristocrático.

Foram seis meses em que, em várias ocasiões, tive de visitar a Itália. A mais memorável foi uma reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros em Ravello, na costa malfitana, a que fui no lugar de Jaime Gama, presidida por Agnelli. Aterrámos de helicóptero, num campo de futebol, idos de Nápoles, e a varanda no quarto em que dormi tinha, provavelmente, a mais bela vista que alguma vez pude apreciar num qualquer hotel em que me tenha alojado.

Havia sido em Turim, onde hoje estou, que se iniciou essa presidência italiana. A reunião realizou-se no histórico edifício da Fiat, o Lingotto, com uma espetacular pista e heliporto no topo (vou lá amanhã recordar). Recordo-me das palavras de Jaime Gama, que deliciaram Suzana Agnelli, quando agradeceu o seu acolhimento: “Quero agradecer a sua hospitalidade, o ter-nos recebido triplamente em sua casa: no seu país, na cidade onde nasceu e na Fiat”...

“Blogs do ano”



O concurso “Blogs do ano” terminou ontem. Com este “Duas ou três coisas”, figuravam como finalistas na categoria “Economia e política” dois excelente blogues: “Malomil” e “Estado sentido”. Trata-se de blogues que, de há muito, leio com atenção, pela sua excecional qualidade e que vivamente recomendo aos leitores. Com a vitória de qualquer dos dois, que eu aliás esperava e acharia justo, a vitória estaria muito bem entregue.

Mas não. Ganhou um espaço publicitário, uma espécie de “páginas amarelas” atulhada de anúncios, a modos que um suplemento publicitário. Trata-se de uma plataforma para divulgação de emprego - sem um texto, sem uma ideia. Escolher este falso blogue representa uma imensa fraude e só surpreende ver a Media Capital e a TVI associada a este triste negócio. Pena foi que usassem a credibilidade de três blogues sérios para esta deplorável jogada. 

terça-feira, novembro 14, 2017

O ciclista de Cantão



Daqui a pouco esta historieta vai fazer 30 anos, caramba! A nossa viagem a Cantão, saídos de Macau, havia sido algo acidentada. Por razões que não vêm para o caso, os chineses que nos acompanhavam não queriam que saíssemos de Zhuhai. Por pouco não desistimos. Mas, depois de grande parlamentação, acabámos por ir, com guias que mal compreendíamos, por estradas cheias de trânsito, bordejadss por uma paisagem permanentemente rural, até a uma grande cidade, que nos disseram ser Cantão. 

Para espalhar a confusão, lancei então a dúvida de que fosse realmente Cantão. “Há tantas cidades grandes na China, isto, se calhar, nem é Cantão...” E prossegui, perante a perplexidade dos circunstantes: “Quem pode ter a certeza de que é Cantão? Para nos despacharem, trouxeram-nos a uma cidade qualquer, das milhares que há na China, e vamos regressar a casa convencidos de que fomos a Cantão”. A verdade é que, como não tínhamos a mais leve indicação sobre a urbe em que estávamos, deixámo-nos guiar para uns pontos turísticos apresentados por gestos - uns templos, restaurantes e coisas assim. Devia ser Cantão, embora o meu pedido de que fôssemos à estação ferroviária central da urbe, que sempre acho um referencial decisivo para avaliar as cidades, tivesse sido ignorado pelos nossos “minders”.

E o dia lá foi correndo. No final, no início do regresso a Macau, os nossos guias “perderam-se”. De súbito, começámos a assistir a uma discussão acesa entre o motorista e o acompanhante. O primeiro era de Macau, nunca ali tinha vindo, o segundo não sei de onde era, era apenas incompetente. A certo passo, nesse regresso infindável, demos conta de ter passado, pela terceira vez, pelo mesmo sítio, com o motorista já a pedir indicações aos transeuntes. Percebemos que as coisas não estavam fáceis.

A tarde já caía. Cantão, ou o que passava por sê-lo, era agora um mar de gente de bicicletas, de regresso às casas. Os cruzamentos tinham-se transformado em enxurradas de trânsito, com sinaleiros, de braçadeira amarela, a tentar regular a maré. A nossa carrinha avançava a custo, metida no “rush”. Era um espetáculo único.

Foi então que o vimos. Olhava para nós, para aquela carrinha de modelo pouco conforme com padrões locais, com gente ocidental a espreitar curiosa pelas janelas, que observava, qual objeto antropológico, aquele mundo tão diferente que nos rodeava. Era um homem alto, novo, fácies fechado, de roupas vulgares, parado no semáforo, com uns óculos finos redondos, “à Trotsky”. Nada tinha de particular, exceto o olhar. O homem fixava-nos friamente, sem denotar qualquer excessiva curiosidade a nosso respeito, mas com uma mirada que nos trespassava. “Há naquele olhar um ódio de classe”, alvitrou alguém, numa leitura ironicamente mecanicista. “Nada disso: é apenas a manifestação de um imenso desprezo de classe”. A exegese, cheia de criatividade em matéria de “luta de classes”, perante a continuada impassibilidade do homem, que manifestamente percebia que devíamos estar a falar dele, prosseguia entre nós, cheia de rebuscadas ressonâncias marxistas, embora curiosamente oriundas de escolas bem diversas. O sinal verde ou a ordem do sinaleiro abriu, finalmente, para nós. Eu ia no último banco da carrinha. Olhei uma última vez, pelo vidro traseiro, para o homem. Ia jurar que me pareceu detetar, por detrás daqueles óculos à Trotsky, um ligeiro sorriso. Seria um “gozo de classe”?

Dedico este post ao António Russo Dias e ao José Manuel Correia Pinto, frequentadores deste portal, “atores” principais desta “peça”, (também) viajantes comigo por Cantão, ou lá o que foi. (E que, naturalmente, podem corrigir e complementar o script).

segunda-feira, novembro 13, 2017

Noites do Nina


Aquele diplomata não fazia a mais leve ideia da razão pela qual o colaborador do ministro se mostrara tão efusivo, quando o cumprimentou, tratando-o logo pelo nome e por tu. Reagiu a toda aquela cordialidade mantendo uma sorridente distância. O homem era muito simpático, mas a verdade é que a cara nada lhe dizia, pelo que o continuou a intrigar toda aquela intimidade, a qual, no entanto, parecia sincera.

A reunião acabou e coincidiu sairem da sala juntos. O homem, tendo notado o alheamento do diplomata, fez-lhe luz: “Já não te lembras de mim, pá?! Gandas noitadas no Nina! A malta ali, na segunda mesa, à direita de quem entra. Tás a ver?”

O diplomata não se lembrava de nada. Nem se lembrava sequer de ir ao Nina. Aliás, quem ia às casas como o Nina perdia, além de outras coisas, a memória do que por lá se tinha passado. Vagamente, com esforço, pensou que, se acaso alguma vez tivesse ido ao Nina, o que estava longe de ser seguro, a sua mesa era quase sempre a do fundo, à esquerda, perto do bar. Mas, se calhar, o diplomata nunca tinha ido ao Nina. Era até o mais certo. Mas, a partir desse dia, o diplomata passou a tratar pelo nome e por tu o homem com que, com toda a certeza, nunca se tinha encontrado no Nina. Onde seria o Nina?

Passei lá há pouco. Há muit que já não há Nina. E o que é feito desses meus dois amigos?

domingo, novembro 12, 2017

Tweets sobre Hanoi

Alguma vez presidentes americanos como Washington, Lincoln, Roosevelt ou Kennedy sonharam que iriam ter um dia um sucessor capaz de escrever coisas deste quilate?


Um país de graça

Mais no Twitter do que no Facebook (que é uma praia de seniores...), ainda menos neste mundo declinante que são os blogues, o defunto assunto do “webdinner” no Panteão deu origem, desde o primeiro momento, a montes de graças e graçolas. Ainda na madrugada de sábado, alguns comentadores alvitravam divertidas “reações” dos ilustres mortos ao ágape a que “assistiam”, perguntava-se se havia Wifi (com magníficas sugestões para a “password”), outros davam dicas alternativas de locais para o futuro e outras coisas assim. 

De há muito que somos um país de graça fácil, que tenta encontrar um lado risonho para tudo, que surge pronto a exorcizar momentos tidos por mais complexos, evitando tratá-los como tal. A conversa de café, no passado, tinha as suas “vedetas”, uma espécie de especialistas em encontrar um lado divertido para tudo, em trazer aos grupos a última anedota. Hoje, são substituídos pelas redes sociais, onde há gente com muita piada, embora lado a lado com uma legião de sujeitos indignados, de sobrolho carregado, alguns com tiques ridículos de “finis patriae” em tudo aquilo que criticam.

Acho muito bem que assim continuemos a ser, que saibamos rir das coisas e das pessoas. Isso torna os dias mais leves e ajuda a animar as gentes. E é também importante saber hierarquizar os assuntos, para que nos não transformemos num país tremendista, em que tudo é um drama, por dá cá aquela palha. Para dramas, já bastam os verdadeiros dramas.

Os restaurantes “cansados”



Há dias, um amigo falou-me de um conceito para o qual eu não tinha ainda uma expressão: restaurantes “cansados”. Ganhei essa fórmula utilíssima.

Na tarefa simpática a que me dedico para a revista “Evasões” (faço-o também para a revista “Epicur”, mas ali o registo que escolhi foi outro) elaborando notas de análise sobre alguns restaurantes pelo país, há uma realidade que algumas pessoas talvez desconheçam: os críticos não estão sujeitos a qualquer indicação ou recomendação por parte da publicação, podendo, no seu livre arbítrio, selecionar os locais que visitam. Foi aproveitando esta liberdade que (aqui entre nós) tenho decidido selecionar, em regra, restaurantes que já existem há alguns anos. 

Porquê? Desde logo, porque há uma imensa publicidade a propósito dos novos restaurantes - eu diria mesmo, um excesso de “informação” que, muitas vezes, me parece derivar de bem sucedidas operações de marketing, com algum “spin” de comunicação a funcionar. Isso não significa que não haja coisas magníficas a despontar, um pouco por toda a parte, mas eu gosto de os “deixar pousar”, de os testar já com algum tempo de prova.

Mas há uma segunda razão. Sempre achei magnífico o esforço de algumas casas, espalhadas pela província portuguesa, que, às vezes com uma notável constância, teimam em sobreviver e continuar, frequentemente afrontando a concorrência agressiva de restaurantes episódicos mas que, enquanto duram, lhes corroem a clientela. Muitas dessas casas atravessaram os anos de crise, com grande dificuldade, e entendo que merecem ser apoiadas. E, por essa razão, porque as conheço e admiro há muito, apetece-me visitá-las e dar-lhes a oportunidade de serem destacadas com uma página de uma revista de grande difusão como a “Evasões”, distribuída com o “Diário de Notícias” e o “Jornal de Notícias”. 

É para esses restaurantes uma publicidade totalmente gratuita, mas que nem sempre possível. Eu explico. É que, com alguma frequência - com muito mais frequência do que se pode pensar - saio desses restaurantes com um sorriso amarelo: havia regressado com alegria, acabo desiludido pelo que encontrei. E, naturalmente, nada vou escrever sobre essa casa, porque a minha regra de ouro é reportar exclusivamente locais onde tenha tido uma experiência positiva. Não quero, com um texto crítico, fruto de uma única visita, que não está isenta de poder ter sido uma infelicidade conjuntural, correr o risco de poder afastar clientes e ter um impacto comercial desagradável, afetando um negócio e o emprego de pessoas e o sustento de famílias. É claro que, nada escrevendo, pago a conta do meu bolso, mas esse é o preço da minha opção. Nunca quebrei esta regra de só “dizer bem” e espero nunca ser confrontado com uma situação limite que me obrigue a quebrá-la.

Como disse, tenho-me confrontado com algumas desilusões em restaurantes “com nome”, mesmo com alguma história no panorama da gastronomia portuguesa. E, cada vez mais, tenho encontrado por aí os tais restaurantes “cansados”. 

Sucedeu-me há uma semana, numa cidade nortenha que não vem para o caso. Apeteceu-me ir ao mais “histórico” restaurante da localidade, onde me recordo de ter tido refeições magníficas (às vezes pergunto-me, confesso, se o meu critério de então era o mesmo de hoje). E tive uma imensa desilusão.

A sala estava muito pouco composta, mantendo, contudo, o estilo tradicional, aquele género rústico, com cadeiras de couro, que, a partir dos anos 50 e 60, se espalhou como uma epidemia decorativa, de norte a sul do país. O serviço, simpático mas rarefeito como começa a ser triste “moda”, era executado por um único funcionário, simpático mas muito impreparado. A lista, manchada de azeite, tinha mais pratos do que a realidade nos ia oferecer, como fomos logo avisados. A insistência para que optássemos pelos pratos do dia revelou uma cozinha preguiçosa, com produtos disponíveis pouco frescos (ou “frescos” demais). Era jantar e, claramente, algumas das coisas vinham já do almoço. Os pratos, que até não estavam mal de todo e vinham em doses generosas, tinham uma apresentação abaixo de qualquer classificação, fruto de gente sem a devida qualificação profissional. Um sinal de alarme, sintoma de banalidade, e que ali era bem patente, foi o facto dos acompanhamentos de pratos muito diferentes serem exatamente os mesmos. Como é de regra quase geral nestas casas “cansadas”, a lista de vinhos estava imensamente desfalcada. Ah! E as entradas não tinham a menor imaginação, nem sequer fazendo jus aos produtos da região. Idem para as sobremesas, com uma torta que eu perguntei ao funcionário se era da “Firestone” ou da “Mabor”. Não percebeu a piada...

Saí triste de mais este restaurante “cansado”. Mas não vou desistir de continuar a tentar mostrar o esforço de quantos, por esse país, teimam em manter a nossa cozinha tradicional, com uma oferta honesta, sólida e com brio. E há muitos, podem crer.

(A fotografia, está bem de ver, não respeita a nenhum dos restaurantes de que falo no texto)

sábado, novembro 11, 2017

Panteão


Às vezes, vale a pena abanar as consciências, doa a quem doer. A realização do jantar da Web Summit no Panteão foi uma dupla insensatez. De quem a promoveu e de quem a autorizou. Reconheceram isso o ministro da Cultura, o primeiro-ministro e o presidente da República. Ainda bem!

O evento tinha cobertura legal, com base num despacho do anterior governo? Já se tinham realizado jantares idênticos e ninguém protestou? Nem tudo o que é legal é necessariamente sensato. E os erros do passado não servem de alibi aos do presente e, pelo menos, podem ajudar a evitá-los no futuro. 

O normativo legal que, erradamente, permitiu o ato vai agora ser mudado. Ótimo, mais vale tarde do que nunca. Mandaria o decoro que quem o subscreveu guardasse de Conrado o prudente silêncio, em lugar de esbracejar agora, postumamente, numa ridícula tentativa de guerrilha virtual com o presente.

A regra, a partir de agora, é muito simples: à sua maneira, para além de um monumento, o Panteão é um cemitério. E não se janta em cemitérios. Ponto. Passemos à frente!

A dúvida



Com o tempo, e com as incertezas induzidas pela sabedoria que a idade nos traz, inquietamo-nos sobre a eventual justeza de certas opiniões pessoais. Seremos nós quem não está a ver bem as coisas? Aconteceu-me agora. Ajudem-me: acham mesmo normal que o jantar final do Web Summit seja entre os túmulos do Panteão Nacional?

sexta-feira, novembro 10, 2017

Ver os aviões


   

Ainda fui desse tempo. Quem visitasse Lisboa não passava sem uma ida ao aeroporto, nesses anos 50 (Nas outras capitais. era também assim: ouçam o “Dimanche à Orly”, de Bécaud). Para “ver os aviões”. O serviço na esplanada era caro mas, caramba!, valia a pena, e uma vez não são vezes! 

Lisboa, para quem vinha em família, da província, incluia o flanar, a comprar novidades e a ver as montras, pelo Chiado e pela Baixa, andar nas escadas rolantes do Grandela, ver o preto à porta da Casa Africana, tomar café na Brasileira, na Suiça ou no Nicola. Olhar a “outra banda” do topo do Parque Eduardo VII, fazer o lento passeio de carro pela esquadria urbana em construção das Avenidas (então) Novas, ter o deslumbre noturno que era a Fonte Luminosa, tudo isso era parte do programa. Os adultos não passavam sem uma ida aos fados ou a uma sessão (havia duas, três ao domingo) de uma revista, seguida de jantar no Parque. Para os miúdos, como eu era, havia, claro!, a visita ao Jardim Zoológico com a moeda ao elefante, e pouco mais... No domingo, o “passeio dos tristes” também era obrigatório: ir a Cascais pela Linha, subir a Sintra e regressar pelas portas de Benfica ou pela “imensa” autoestrada, com paragem no miradouro do Viaduto Duarte Pacheco (a sério, era possível!) e na Torre de Monsanto. Com bom tempo, num cacilheiro, ia-se almoçar ao Ginjal. Às vezes, sempre num domingo e sempre às três da tarde (havia regras, nesse tempo, ora bem!), ia-se à “bola” de um dos grandes (em que o Belenenses então figurava). Ah! E com a chegada do Metro, já nos anos 60, outro atrativo se criou. E, claro, para quem viesse de comboio, o prateado “Foguete”, que ligava ao Porto, era o máximo! E, no fim, levava-se que contar, por uns tempos. Até à próxima.

Saudades? Uma ova! A Lisboa de hoje tem mil vezes mais graça, mais oferta, mais qualidade de vida. Se olharmos para trás, o tempo era como a fotografia: a preto e branco. Ora a vida é a cores!

(Em tempo: alguém me lembra, e bem!, que não referi a Feira Popular. É verdade, nunca me levaram lá! E, agora, é muito tarde: infelizmente, não tenho a quem me queixar...)

No tempo


Às vezes, olhando imagens de vedetas do cinema de outros tempos, dou comigo a pensar como o conceito de beleza feminina mudou com os anos. Vou mais longe: raramente vislumbro figuras dessa época que possam rivalizar com a beleza de algumas atrizes contemporâneas, naturalmente à luz dos padrões estéticos que hoje seguimos. Por essa razão me parece tão excecional esta fotografia que hoje encontrei, de Hedy Lamarr, uma vedeta dos anos 30, com uma imagem que não podia ser mais atual. Não acham?

CPLP

No dia 29 de novembro, pelas 17 horas, na Sociedade de Geografia de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão, 100, no âmbito de um ciclo de palestras, irei falar da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e dos principais problemas que, a meu ver, marcaram o desenvolvimento desta organização, nos mais de vinte anos que decorreram desde a sua criação.

Diplomacia e política


Aquando do recente falecimento do embaixador João Hall Themido, alguém se interrogava como fora possível ele ser o representante diplomático português em Washington, entre 1971 e 1981, com a Revolução de permeio - sucessivamente representando a ditadura, o pós-25 de abril e a democracia, com primeiros-ministros tão contrastantes como Marcelo Caetano ou Vasco Gonçalves. Percebo a perplexidade, mas ela não tem razão de ser.

Historicamente, a representação de um Estado perante outro começou por ser assegurada por delegados pessoais dos soberanos junto dos seus homólogos. Com o decurso do tempo, todos os países foram criando um corpo profissional de especialistas para acompanhar funcionalmente as suas relações externas – a chamada carreira diplomática. Nos dias de hoje, entre nós, o acesso a esta carreira passa pelo mais exigente concurso em toda a nossa Administração Pública.

Isso não impede alguns países de continuarem a utilizar para tal como figuras oriundas de fora desse corpo profissional – os “embaixadores políticos”. Isso acontece, mais vulgarmente, no caso de ditaduras e de regimes autoritários ou presidencialistas.

Entre nós, o Estado Novo começou por ter apenas “embaixadores políticos”, tal como já acontecera com a I República e o regime monárquico, mas, atendendo ao aumento das missões diplomáticas, foi aderindo à prática de nomear para a chefia de algumas dessas missões funcionários da carreira diplomática, que entretanto se foi estruturando. A ela pertencia Hall Themido.

Mário Soares confessava ter chegado ao palácio das Necessidades, após o 25 de abril, com fortes interrogações sobre a carreira diplomática que, antes da Revolução, tinha defendido externamente as políticas do regime derrubado, nomeadamente a política colonial. Mas rapidamente se terá apercebido de que, com muito escassas exceções, o corpo de funcionários que o MNE punha à disposição do novo regime era constituído por dedicados servidores públicos, com grande sentido patriótico e lealdade funcional ao Estado. 

A democracia e a estabilidade da sua representação externa muito ganharam com a continuidade que Soares então preconizou e veio a prevalecer. Isso não impediu que, em ciclos políticos diferentes, o novo regime não tenha sido tentado a nomear quase uma trintena de “embaixadores políticos”. Desde 2011, não há nenhum chefe de missão exterior à carreira diplomática portuguesa, mas sinto que a tentação poderá não ter desaparecido por completo nas nossas hostes político-partidárias, da esquerda à direita. Espero que a maturidade da democracia portuguesa seja suficiente para, no futuro, ser capaz de resistir às tentações e que o chefe do Estado disso seja um guardião atento.

quinta-feira, novembro 09, 2017

Comentário internacional

É notória a magnífica qualidade do comentário internacional que, nos dias de hoje, os especialistas oriundos das universidades portuguesas espalham pelas nossas televisões - por todas elas. 

Gente em geral jovem, muito bem preparada e conhecedora, equilibrada no comentário e fugindo ao impressionismo do velho jornalismo internacional português, que se habituou a “tomar partido”, não percebendo quanto assim se descredibiliza. 

Mas, atenção!, continua a haver excelentes jornalistas na área internacional da nossa comunicação social, que sabem apresentar com rigor as razões de cada lado, não caindo no facilitismo medíocre de “decretar” quem tem razão. Com o tempo, estou certo que o joio acabará expulso pelo trigo.

Adeus, "Expresso"!

O "Expresso" considera que declarações "mesmo que feridas de ilegalidade" têm "um fundo de justiça". Estava à ...