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sábado, dezembro 11, 2010

Schussel


Ontem à noite, no hall da residência do embaixador austríaco em Paris, dei de frente com o antigo primeiro-ministro desse país, Wolfgang Schussel. Há mais de uma década que nos não víamos. Conversámos, embora de forma breve – eu estava quase de saída, ele ia a entrar -, sobre coisas comuns de “maratonas” europeias em que havíamos participado, por mais de cinco anos.

Wolfgand Schussel é um homem cordial e agradável, sendo embora um negociador firme e determinado.  Uma noite, durante a presidência austríaca da União, era ele ministro dos Negócios Estrangeiros, foi-me difícil preservar interesses portugueses num acordo europeu com a Suíça, que a Áustria teimava em querer fechar, um pouco à nossa custa. Usava então, por regra, um vistoso “papillon”, adereço que largou, vá-se lá saber porquê, quando assumiu a chefia do governo austríaco. E é a propósito dessa ascensão que vou lembrar uma pequena, mas julgo que divertida, história, se bem que ligada a um tempo bastante complexo.

No início do ano de 2000, e após umas eleições legislativas na Áustria, Schussel foi indigitado para formar governo. Decidiu então coligar-se com um partido tido como de extrema-direita, o FPO, dirigido por Jorg Heider. Essa decisão provocou uma celeuma por toda a Europa comunitária, porque, para muitos, funcionava como um perigoso precedente, ao colocar um grupo extremista à mesa democrática da União Europeia. Recordo que esse “branqueamento” preocupava, em particular, os dirigentes franceses e belgas, que viam nisso uma caução à possível subida interna, respetivamente, do Front National e do Vlaams Blok. Mal sabíamos nós, à época, o que estava aí para vir, nos anos seguintes, em matéria de radicalismo conservador em alguns governos europeus…

Portugal tinha acabado de assumir a presidência da União Europeia e, quase imediatamente, fomos chamados a titular a pressão sobre a Áustria, em nome dos restantes “catorze” países, os quais, com “nuances” entre si, não se reviam na opção austríaca. A coligação acabou por concretizar-se, mas o governo de Viena não deixou de ser mantido sob forte pressão dos seus pares. Um dia se contará, com mais pormenor, o que foi esse complexo período e o modo como ele acabou por condicionar todo o arranque da nossa presidência.

A história que agora aqui anoto passa-se em Paris, no palácio do Eliseu, no gabinete do presidente Jacques Chirac, já em Março de 2000, quando a nossa presidência estava a finalizar os preparativos para o Conselho Europeu de Lisboa.

(Por uma mera curiosidade, e para mostrar o que pode ser a “deliciosa” vida negocial europeia, gostava de registar que essa escala em Paris fez parte do seguinte percurso de três dias: na véspera, eu tinha saído de manhã cedo de Dublin, para juntar-me ao nosso primeiro-ministro, António Guterres, na Haia, para uma reunião, à tarde, com o seu homólogo holandês, Wim Kok. Daí, saímos de carro para Bruxelas, para um jantar de trabalho com o primeiro-ministro belga, Guy Verhofstadt. Ainda nessa noite, fomos, de Falcon, dormir a Paris. De manhã, acompanhei António Guterres a um encontro com o presidente Jacques Chirac, onde se passa a cena adiante relatada, e tivemos um almoço oferecido pelo primeiro-ministro Lionel Jospin. A “coabitação” obrigava a esse duplo encontro em França. Depois do repasto de trabalho, zarpámos para Roma, onde reunimos, durante cerca de uma hora, com o chefe do governo, Máximo d’Alema. Logo de seguida, partimos para Madrid, tendo um jantar na Moncloa, com o presidente do governo espanhol, José Maria Aznar. Chegámos a Lisboa, no estado físico que imaginam, cerca da uma hora da manhã. António Guterres, que tem uma imensa resistência, estava “desfeito”, o que não impediu que tivéssemos revisto cuidadosamente, durante os voos, com Maria João Rodrigues e outros acompanhantes, o avanço negocial produzido por cada contacto. À chegada do Falcon ao aeroporto de Figo Maduro, eu disse a Guterres que ainda ia “beber um copo” ao bar “Procópio”: “Você é doido! Não está cansado?”, atirou-me, surpreendido. Respondi-lhe: “Claro que estou, por isso é que preciso de descontrair um pouco…”. E lá fui passar uns minutos pela minha vetusta tertúlia lisboeta.)

Jacques Chirac havia sido dos mais acérrimos defensores do regime de retaliações contra o novo governo austríaco. Desde o fim de Janeiro de 2000, o presidente francês por várias vezes interpelara telefonicamente António Guterres, incentivando-o a radicalizar a atitude dos “quatorze” contra a solução governativa engendrada em Viena. Por isso, apelava a uma grande pressão sobre os austríacos e queria que ela se projetasse em todos os atos públicos em que eles estivessem presentes.

Não nos pareceu, por isso, estranho que, naquela manhã de Março de 2000, nos cadeirões dourados que revestiam a sua sala de visitas do Eliseu, Chirac quisesse saber pormenores do primeiro-ministro português quanto ao modo como este iria gerir a “coreografia” do próximo Conselho Europeu de Lisboa, em especial a inevitável presença do chanceler austríaco Wolfgang Schussel no evento.


António Guterres não desejava, manifestamente, entrar em pormenores, contando, para isso, com a consabida capacidade portuguesa de improviso para salvar as aparências e o acto solene correspondente. Mas Chirac insistia: “António (soava: Antòniô), tu vas pas nous créer l’embarras de nous trouver sur la même photo avec Schussel !?”, como se o primeiro-ministro austríaco não fosse, desde há anos, um dos seus mais antigos companheiros de imagem em todas as cimeiras europeias. Guterres teimava, inteligentemente, em mudar de conversa e derivava para as virtualidades da Estratégia de Lisboa, que pretendíamos ver aprovada no Conselho Europeu. Mas Jacques Chirac teimava e acabou por concluir que, desta vez, não queria a tradicional “foto de família”, que recorda este tipo de reuniões.

Foi então que, a contraciclo com a obstinação presidencial, uma voz surgiu: “Monsieur le Président, il y a une solution très facile: on le met dérrière vous au moment de la photo. Comme ça, il vas sûrement pas aparaître dans l’image”, sugerindo implicitamente a manifesta diferença de altura física entre Chirac e Schussel.

A frase era de um assessor do primeiro-ministro português. Por um momento, a sala bloqueou. Chirac, cara fechada, voltou-se para a zona de onde o comentário surgira e inquiriu, com o olhar, quanto à identidade do respetivo autor. Recordo-me que, nesse curto segundo, olhei para António Guterres, um tanto à procura implícita de instruções sobre como reagir. O primeiro-ministro português deu então uma gargalhada forte e Chirac afivelou um condescendente sorriso, acabando por legitimar a abafada vontade da onda coletiva de riso que se seguiu. O assessor português havia descoberto a fórmula mágica, se não para nos resolver definitivamente o problema, pelo menos para nos vermos livres dele para o resto da reunião com Jacques Chirac.

Para a pequena história, diga-se que as coisas acabariam por correr em Lisboa sem quaisquer sobressaltos, com Jacques Chirac e Wolfgang Schussel a surgirem na mesma fotografia, através de um hábil “truque”, bem lusitano, que consistiu em incluir o presidente mexicano, Ernesto Zedillo, convidado para a abertura da cimeira, a quem Jacques Chirac não faria a "desfeita" da sua ausência. Daí não veio qualquer mal ao mundo... e nem foi necessário aproveitar a sugestão hábil do assessor português.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Mandelson

Irrita-me o hábito de ir, a correr, comprar os pré-anunciados "best sellers", como se eles nos fugissem ou tivessemos a obsessão de comentá-los antes que outros os leiam. Há anos que tenho a reação automática de só os adquirir e vir a ler alguns tempos mais tarde (faço uma exceção com alguma banda desenhada, confesso). É o que vai acontecer com o "A Journey", de Tony Blair, que espero apreciar, com calma, lá para outubro.

Para já, ando deliciado com o monumento de genial egocentrismo (a começar pelo título) que é o "The Third Man", de Peter Mandelson, uma figura marcante na história no "New Labour", lado a lado com Blair e Gordon Brown. Mandelson esteve nos governos de ambos, com altos e baixos no seu percurso político interno. É, sem a menor dúvida, uma figura de excecional inteligência e agudeza, às vezes prejudicada por alguma impulsividade e tendência para dizer mesmo o que pensa. Retenho este magnífico pedaço de auto-análise: "Contrariamente àqueles que, em política, são capazes de ir com as marés, eu não sou uma figura neutral. Não me lembro de um momento em que não tenha estado a lutar por alguma coisa ou contra alguma coisa, ou, simplesmente, a lutar contra o tumulto que sobre mim desabava. Embora seja capaz de mudar de opinião, eu raramente deixo de ter uma opinião". 

Curiosamente, talvez mais do que na política interna, foi como comissário europeu que Mandelson se destacou e se afirmou, com uma excecional capacidade de gestão dos dossiês, embora com duvidosa eficácia no saldo diplomático das negociações em que se envolveu. "For the record", deixo aqui a apreciação que, no livro, faz ao "estado da arte" da União Europeia, ao tempo que por lá passou:

"O meu papel como comissário para o comércio deu-me um muito maior grau de autonomia do que o de muitos dos meus colegas da Comissão, mas, desde os dias gloriosos de Jean Monnet e Jacques Delors, a Comissão, como um todo, foi progressivamente perdendo poder, quer para o Conselho de Ministros, que representa os Estados membros, quer para o Parlamento Europeu, e isso foi acentuado com a aprovação do Tratado de Lisboa. Tudo isto conduziu a um enfraquecimento da União Europeia em geral, porque era tarefa da Comissão observar e proteger a dimensão europeia em cada área das políticas (comunitárias), e fazia isso de uma forma mais consistente e dedicada do que o Parlamento ou os Estados membros individualmente. Pelo contrário, o Conselho (de Ministros) tentou reclamar de volta mais poder para si próprio e o Parlamento estava já longe de ser uma mera instância declaratória: tinha adquirido reais "dentes" legislativos".

Ver isto dito por um britânico é a prova de que, também estes, às vezes, "go native".

quarta-feira, setembro 01, 2010

Miliband

A atual disputa em torno da liderança do Partido Trabalhista britânico, depois do abandono de Gordon Brown, tem os ingredientes necessários para alimentar o imaginário popular. Um cenário de dois irmãos, Ed e David, numa campanha entre si, sempre no limiar frágil da agressividade, são um bom mote para discussão. Num magnífico artigo, no "Público", Teresa de Sousa contou, há dias, esta saga política contemporânea com excecional clareza.

O trabalhismo britânico é um dos ambientes partidários mais fascinantes da história europeia. Foi atravessado como nenhum outro pelos grandes debates teóricos que mobilizaram o século XX, o qual, já de si, recolhia uma experiência única que vinha do passado, forjada nas lutas da revolução industrial britânica. A ligação entre o sindicalismo e a política partidária teve uma expressão muito própria no Reino Unido, conduzindo o "labour" a grandes vitórias e, a contrario, levando-o mais tarde a grandes travessias do deserto. É, aliás, na descontinuidade da dependência automática entre as duas componentes que pode ser encontrada a chave do regresso dos trabalhistas ao poder. 

Os Miliband são uma boa ilustração desses tempos. Quando um dia, num qualquer jornal, me apareceu, pela primeira vez, o nome de David Miliband, que haveria de liderar a diplomacia britânica, a primeira pergunta que se me colocou foi saber se ele tinha alguma coisa a ver com o "velho" Ralph Miliband, desaparecido em meados dos anos 90. Tinha, era filho. Depois, apareceu o irmão mais novo, Ed Miliband, mais à esquerda que o irmão, mas, ainda assim, a milhas ideológicas do pai Ralph. Uma geração Miliband chegava, finalmente, ao poder.

Ralph Miliband foi, durante muitos anos, uma das grandes referências da esquerda britânica, senão mesmo a maior. Esteve na fundação da "New Left Review", privou com Harold Laski e Wright Mills e representou, por muitos anos, a crítica radical à prática política trabalhista. Atacou Harold Wilson pelo apoio a Washington no Vietnam e pode imaginar-se o que diria da atitude de Blair no Iraque, se acaso dela tivesse sido contemporâneo. No plano ideológico, Ralph Miliband vinha da mesma escola dos "fellow travellers" marxistas que, numa deriva limite, se colocaram ao serviço da URSS. Mas Miliband nunca enveredou por esses caminhos, limitando-se a teorizar criticamente um estado de coisas que nunca aceitou.  

terça-feira, agosto 31, 2010

Diana

Passaram já onze anos, dia por dia, desde a morte, aqui em Paris, de Diana de Gales. Tinha esquecido a data, mas um amigo, há umas horas, lembrou-me isso, ao chamar a minha atenção para a profusão de flores que hoje estão colocadas junto à chama dourada (que nada tem a ver com a morte da princesa, diga-se) que se situa por cima do túnel de Alma, onde ela teve o seu mortal acidente.

Nos mais de quatro anos que vivi em Londres fui espetador distante da crise matrimonial que então já atravessava a realeza britânica. Diana era uma figura mítica, adorada pelos fotógrafos e explorada até ao limite pela imprensa. A força da monarquia britânica mede-se também pela capacidade com que conseguiu lidar, sem ser destruída, pelo fenómeno Diana.

Uma noite, em Buckingham Palace, na cerimónia anual em que a corte recebe o corpo diplomático, Diana parou junto da delegação portuguesa, na breve conversa circunstancial que toda a família real tem com a representação de cada embaixada. Notando que o cônsul-geral, Duarte Ramalho Ortigão, e eu próprio tínhamos, ao pescoço, o símbolo da Cruz de Cristo (a única condecoração portuguesa que, embora nos graus inferiores que, à época, eram os nossos, assim pode ser usada), Diana, sopesando, atrevida, a insígnia do Duarte, inquiriu junto do embaixador António Vaz Pereira, que chefiava o nosso grupo: "Ambassador, you don't have it?". Vaz Pereira, que tinha ao peito outras condecorações bem importantes, respondeu, diplomático, com um largo e deliciado sorriso: "I'm working for it, Your Highness!" Diana deu uma bela gargalhada.

Em 1993, Diana esteve, com o príncipe Carlos, na nossa Embaixada em Londres, no jantar que o presidente Mário Soares ofereceu à rainha Isabel II. Posso assegurar que era muito mais bonita ao vivo do que em fotografia.   

sexta-feira, maio 07, 2010

Reino Unido

Habituamo-nos a olhar para o sistema político britânico como a "mãe das democracias". À hora da madrugada a que escrevo, as televisões dão-nos nota que, em muitos locais de voto, milhares de pessoas foram impedidas de votar, que isso originou inéditos protestos, num sistema que costuma ser "à prova de bala" em matéria de legitimidade. E isso ocorreu precisamente num momento em que a possibilidade de uma maioria simplesmente relativa se apresenta como plausível. Acontecesse isto em Portugal e caíam-nos todos em cima, com acusações de primarismo e de desorganização latina ou mediterrânica.

Sempre tive a sensação de que os britânicos mantêm uma certa snobeira no caráter quase artesanal do seu sistema de voto, que obriga a longas contagens pela noite dentro e às paroquiais leituras dos números dos sufrágios, que antecedem os discursos de vitória dos deputados, acolitados pelo cônjuge e prosélitos, com aquelas rodelas de folhos coloridos ao peito. Mas também tenho a certeza que as confusões de ontem, se não vão colocar minimamente em dúvida o resultado final dos sufrágios, irá obrigar a uma reflexão futura sobre o sistema. Mas duvido muito que mudem...

Quanto ao resto, a noite eleitoral televisiva foi o que costuma ser: divertida, plural, agitada. Devo dizer, contudo, que senti saudades dos gestos largos de Peter Snow, que nos mostrava as ondas vermelhas ou azuis, com os seus "swings", nas paredes virtuais da BBC, bem como das gravatas berrantes de Jeremy Paxton, que agora deram lugar a modelos com um cinzentismo digno da "city". Quanto ao resto, para quem acompanha o sufrágio britânico pela televisão já há algumas décadas, foi um sereno "déjà vu", de David Dimbleby a John Simpson. Podia ser diferente? Podia. Mas não era a mesma coisa...

Diferente do habitual, claro, só o resultado.

domingo, junho 07, 2009

O ciclo trabalhista

A vida política do Reino Unido tem, para o equilíbrio global da Europa, uma importância muito maior do que às vezes se supõe. A crise que atravessa a liderança britânica, no que pode vir a representar de mudança no paradigma de comportamento de Londres face ao projecto europeu e do seu potencial impacto na "special relationship" com os Estados Unidos, acaba por ser um tema que diz respeito a todos nós.

Nas últimas semanas, entretive-me, em algumas escassas horas vagas, a fazer a leitura cruzada de quatro livros que ajudam a explicar as tensões que afectam o "Labour" britânico, em especial a evolução da complexa relação entre as suas duas mais importantes personalidades, em tempos mais recentes: Tony Blair e Gordon Brown.

(Este é um velho "vício" de que não me liberto: juntar alguns livros de memórias sobre um determinado período e lê-los em paralelo, avaliando as diferentes visões dos mesmos factos. Fiz isto em temas tão diversos como o fim dos anos De Gaulle, o caso Watergate, as transições democráticas espanhola e brasileira, a queda de Margareth Thatcher, os últimos anos Clinton, etc. A quem tiver tempo e paciência, recomendo o método, porque vale francamente a pena.)

"The Point of Departure", do falecido ex-MNE Robin Cook, "The Blair Years", um diário de Alastair Campbell, assessor de imprensa de Blair, "Tony's Ten Years: Memoires of the Blair Administration", do jornalista televisivo Adam Boulton, e, finalmente, o curioso "Speaking for Myself", de Cherie Blair, a advogada e mulher de Tony Blair, são importantes testemunhos que hoje nos ajudam a perceber, não apenas o que se passou, mas igualmente o que se está a passar no actual ciclo do trabalhismo britânico. Um ciclo que, em 1997, trouxe de volta o "Labour" ao poder, 18 anos depois da experiência de Callaghan, pondo fim a uma travessia do deserto com as lideranças sem êxito de Michael Foot, Niel Kinnock e John Smith.

Para melhor fixar o retrato deste período, aí virão em breve as memórias de Tony Blair. Depois, seguramente, será a vez de Gordon Brown. E, para melhor se entender o duo deste ciclo trabalhista, teremos de ficar à espera das de Peter Mandelson, cujo livro de 2002 já está inapelavelmente datado.

Este tipo de revisitação memorialista do passado recente, em que os britânicos são mestres, é também uma forma de transparência democrática, que qualifica positivamente o sistema político do Reino Unido.

quarta-feira, maio 20, 2009

Comuns

A crise que actualmente abala o Parlamento britânico trouxe-nos imagens da Câmara dos Comuns, apinhada como um ovo. E com muita gente de pé. O que algumas pessoas desconhecem é que, na "mãe de todos os Parlamentos", para usar uma expressão bebida da imagem criada por Saddam Hussein, não há lugares sentados para todos os seus membros. Assim, quando se regista uma grande afluência, em dia de debates importantes, muitos têm de ficar de pé.

Tive o ensejo de assistir presencialmente a várias sessões nos Comuns, ao tempo em que trabalhava na Embaixada em Londres. Recordo, em especial, o famoso discurso de despedida de Margareth Thatcher, um dia depois do seu afastamento do poder, em fins de Novembro de 1990. Apesar do abalo sofrido, a senhora Thatcher fez uma notável prestação, num ambiente que acabou por gerar uma quase simpatia colectiva, que a levou a proferir uma exclamação que ficou para a História: "I'm enjoying this!".

Apesar da informalidade que parece marcar os debates, o cerimonial e o corpo de regras da Câmara é imenso e, quase sempre, estritamente respeitado. Até pelos próprios visitantes, sujeitos a determinações muito rígidas, como a impossibilidade de levarem consigo jornais para a tribuna e a total proibição de se tirar notas escritas.

Em 1993, durante a sua visita de Estado ao Reino Unido, o então presidente Mário Soares fez uma visita informal à Câmara dos Comuns, numa hora em que esta não estava em sessão, passeando-se com a comitiva por toda a sala. A certo passo, notei que o acompanhante oficial que o Palácio de Buckingham tinha designado para estar com o presidente português, um aristrocrata, membro da Câmara dos Lordes, demonstrava um inusitado e quase turístico interesse pelos pormenores do mobiliário e pelo conjunto de símbolos que ocupam a mesa central, em frente aos quais governo e oposição se degladiam. A certa altura, aproximou-se de mim e disse-me: "Sabe, estou um pouco emocionado!". No instante, não percebi bem a razão dessa emoção. "É que, como membro da Câmara dos Lordes, estou impedido de visitar a Câmara dos Comuns e, em toda a minha vida, esta é a primeira vez que consigo entrar aqui." Peculiaridades do sistema político britânico.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...