terça-feira, março 04, 2025

Jean-Louis Debré


Jean-Louis Debré, que hoje morreu, foi uma figura atípica da vida política francesa. Conhecido "franc-parleur", mantinha Nicolas Sarkozy e Edouard Balladur como seus "inimigos íntimos" - e não o escondia. Ao contrário, Jacques Chirac foi um dos seus grandes amigos, uma figura a quem se manteve fiel ao longo da vida. 

Era filho de Michel Debré, uma das maiores figuras da V República. Escreveu ficção, comentou em programas de rádio e tinha sempre um "bon mot" à mão. Tem livros de memórias bastante interessantes.

Debré teve uma carreira pública relevante, como deputado, ministro do Interior, presidente da Assembleia Nacional, figura proeminente do partido gaullista e presidente do Conselho Constitucional. 

Foi nesta última qualidade que o conheci, num almoço que ofereceu ao professor Rui Moura Ramos, então presidente do nosso Tribunal Constitucional - instituição que, contudo, tem um perfil funcional diferente do Conselho Constitucional francês. 

Esse almoço foi divertidíssimo. Debré faz comentários irónicos sobre Sarkozy, contou episódios da difícil convivência entre Jacques Chirac e Giscard d'Estaing e outras histórias do quotidiano político francês. A certa altura, disse-nos: "Como toda a gente sabe que não gosto de Sarkozy, a começar por ele, seria uma hipocrisia, mesmo com a função institucional que tenho, não apenas pôr-me a dizer bem dele mas mesmo não dizer o mal que dele penso". E foi por ali adiante...

À esquerda, havia muita gente que apreciava a sua heterodoxia e, em especial, o modo elegante como respeitara os direitos da oposição, aquando da sua presidência do parlamento. Ele próprio não escondia que lhe tinha "acontecido" votar à esquerda. Era um grande figura de uma certa direita gaullista que está a acabar em França.

À saída do almoço, o seu telemóvel tocou e o som que dele saiu foi uma versão da "A Internacional". Perante a surpresa de todos, Debré explicou: decidira colocar no telefone, em relação a algumas pessoas, músicas que as identificassem. Assim, com "A Internacional", ele sabia que quem o chamava era alguém de esquerda. Revelou então que tinha a "Le Chant des Partisans" para os amigos gaullistas, creio que "A Marselhesa" para os contactos de direita e outras músicas, com menos conotações políticas, para os contactos de familiares.

Homens assim fazem falta na política. Talvez por isso o seu último livro, um verdadeiro inventário de belas blagues, não sendo uma obra-prima, revela bastante do que ele era: "Quand les politiques nous faisaient rire".

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