Tenho bem viva uma conversa telefónica com o meu pai, no preciso dia em que foi derrubado o muro de Berlim, em 1989. Ele tinha então 80 anos.
Recordo que não pareceu nessa data excessivamente feliz com a unificação alemã, não porque tivesse a menor simpatia pelo regime comunista de Leste (longe disso!), mas porque, como "aliadófilo" ferrenho que havia sido e como eterno desconfiado da bondade do poder europeu da Alemanha, repetia por vezes o dito atribuído a Mitterrand: "Gosto tanto da Alemanha que prefiro ter duas..." Tenho, contudo, a certeza que, lá no fundo, ele se congratulou com a reconciliação europeia que isso representou.
Muita água passou sob as pontes. No dia de hoje, a Alemanha deu um passo importante no sentido de consagrar uma alteração radical à sua postura de contenção em matéria de política de defesa.
O meu pai já morreu há muito. Desconfio, contudo, que, se fosse vivo, e uma vez mais, não se sentiria muito confortável com os novos ventos que sopram de Berlim. Se nem eu me sinto muito...
6 comentários:
Junto-me a esse desconforto.
Não quero ser pessimista, mas está me a vir um certo cheiro a bafio centenário.
Eu tenho defendido que poderio militar e Alemanha são coisas que não conjugam lá muito bem. Mas, a partir do momento que, de repente, a Polónia passou a ser um farol doutrinário para a União Europeia no que às coisas da guerra diz respeito (e não só: de uma alegada autocracia transfigurou-se na "frente de batalha da União Europeia), só me falta mesmo ver uma vaca a voar. Ou será que já vi?"...
Que me desculpe, sr. Embaixador, mas creio que a diatribe sobre 2 Alemanhas, não é de Mitterrand, mas de François Mauriac.
Queremos uma Europa que se possa defender, mas não queremos uma Alemanha armada? Uma contradição nos termos. É o mesmo que temer o rearmamento de França por causa de Napoleão... Deixemo-nos de fantasmas.
Na minha modesta opinião, percebe-se perfeitamente o reforço da política de defesa da Alemanha que, aliás, e até agora se limitou a uma aprovação pelo Bundestag de uma alteração ao “travão da dívida”, que permite à Alemanha aumentar significativamente os gastos com a defesa.
Até agora a Alemanha apostava no “guarda-chuva norte-americano” que através da NATO a protegia desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Diante do afastamento de Washington da Europa e à sua aproximação à Rússia sob o impulso de Donald Trump, este reforço das despesas militares alemãs, parece inserir-se no quadro da constituição de uma nova “Comunidade Europeia de Defesa" (um novo eixo Paris-Berlim-Londres que deverá incluir países que não são membros da União Europeia como o Reino Unido ou a Noruega), substitutiva da NATO, e para combater a "guerra contra a Europa” liderada por Putin.
Aliás, é de uma hipocrisia criticar-se o rearmamento da Alemanha e de outros países europeus – que se encaixa perfeitamente na visão de uma nova ordem internacional "multipolar" (EUA, China, Rússia e porque não a Europa) por contraposição ao mundo "unipolar" dominado pela hiperpotência mundial (EUA), enquanto se aceita como natural o rearmamento da Rússia e das outras potências.
Hipocrisia que atinge o seu máximo esplendor quando se justifica a invasão russa da Ucrânia como uma resposta ao avanço da NATO no leste da Europa (com as armas nucleares bem longe das fronteiras da Rússia) ao mesmo tempo que Putin assina um tratado com o regime de Minsk pelo qual envia armas nucleares russas para Bielorússia (às portas da Polónia, Ucrânia e países Bálticos) que permanecendo embora sob controlo russo, permite até que a Bielorrússia seleccione os alvos.
Pelos vistos, os temores da guerra (e o pacifismo) só são exigidos à Alemanha e aos europeus!
Minha Esposa, francesa, que faleceu há dias, contava-me frequentemente o pânico da sua família naquela alvorada de 15 de Agosto de1944, quando os alemães bateram , com as coronhas das armas, à porta da sua casa na Lorena, onda residiam e tinham um negocio.
10 Minutos para fazer uma pequena mala, sob os gritos de “raus”! raus”, schnell," e toca a subir para um camião que ia partir para algures ? Por sorte não se dirigiu para leste ! , mas para o sul, para a zona de demarcação… Até hoje .
E porque eram expulsos? Porque eram franceses! É verdade que os vizinhos tinham nomes germânicos…como a maioria dos lorenos!
Quando as duas Alemanhas se reunificaram, disse a mesma coisa que o seu Pai, Senhor Embaixador: Tu verás que um dia “eles” recomeçarão! Três guerras não hão-de chegar…
Não estávamos de acordo sobre os perigos que nos espreitam hoje na Europa. A minha esposa tinha sentido “na pele” a barbárie nazi, quando alguns dos seus amigos ,resistentes, foram fuzilados, pelos bárbaros nazis.
Eu, só tinha conhecido o fascismo no meu pais de origem.
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