sábado, março 08, 2025

Mulheres

Finais de 1985. Tinha acabado de chegar a Lisboa, vindo do segundo de dois postos no estrangeiro. Estava com dez anos de carreira. Fui colocado no serviço que fazia a coordenação dos assuntos europeus. Portugal ia "entrar na CEE". 

Eu era o único diplomata naquele serviço, onde só havia técnicos economistas: várias mulheres e um homem. Fiquei sob a chefia de uma delas. Dias depois, um amigo telefonou-me, inquirindo: "Ouvi dizer que vais ser chefiado por uma técnica?" Com toda a calma, disse-lhe: "Vou. Qual é o problema?" Sempre achei que, por detrás da pergunta, onde despontava algum elitismo profissional, estava essencialmente a circunstância de eu ir ser chefiado por uma mulher, o que nunca, até então, tinha acontecido a alguém da minha ou de anteriores gerações diplomáticas. 

Trabalhei ali quase dois anos, sempre sob a mesma chefia. De todas as colegas que conheci à minha chegada àquele serviço, incluindo naturalmente aquela que o dirigia e algumas outras que entretanto ali chegaram, fiquei para sempre amigo.

Exatamente dez anos mais tarde, vim a ocupar um cargo governativo na mesma área. Para o meu gabinete, escolhi sempre muito mais mulheres do que homens. Não o fiz deliberadamente pelo facto de serem mulheres, confesso: sempre escolhi as pessoas exclusivamente pela sua competência técnica. Houve mesmo um período de alguns meses em que toda a gente que trabalhava comigo, com exceção dos dois motoristas, eram mulheres. 

Mais tarde - em Nova Iorque, Viena, Brasília e Paris - trabalhei com muitas mulheres. Desde há muitos anos que a qualidade do serviço público, na área externa que conheço bem, muito deve às mulheres, diplomatas ou técnicas, sem esquecer a indispensável máquina administrativa.

Trabalhar com mulheres foi sempre algo que gostei muito de fazer. Apeteceu-me recordar isto, neste que ainda é o dia internacional delas.

4 comentários:

josé ricardo disse...

Acho muito bem. Mas dá que pensar no que as mulheres que chefiam a União Europeia nos estão a meter. Fico abismado com o hiper-belicismo discursivo destas senhoras.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Muito bem recordado! O sexismo gosta muito de pintar certos retratos das mulheres em cargos de chefia e de equipas com muitas mulheres.

João Cabral disse...

"Não o fiz deliberadamente pelo facto de serem mulheres, confesso: sempre escolhi as pessoas exclusivamente pela sua competência técnica."
Aplaudo. Infelizmente, o contrário acontece hoje, em que as pessoas são escolhidas por características físicas, sexuais, rácicas, de orientação sexual, etc. Até se lembraram de instituir quotas de acordo com a genitália. A cor virá em breve. Mas as escolhas nunca são por uma característica social mais débil, é curioso. O que as pessoas têm dentro da cabeça passou a ser secundário, é mais valioso o que têm entre as pernas e noutros sítios. Diz-se por aí que evoluímos...

Carlos disse...

Durante cerca de 40 anos de vida profissional tive a oportunidade de trabalhar com várias mulheres. Entre elas várias em quem reconheço pessoas de superior craveira e a quem devo muito a título profissional e pessoal. Mas também testemunhei o quão difícil foi para muitas mulheres superar o preconceito. Junto-me à singela homenagem do Sr Embaixador recordando as palavras do poeta “la femme est l’avenir de l’homme”

O 25 de Abril está de luto

Morreu Carlos Matos Gomes.