Você era uma
criança. Falava à televisão, ao lado dos seus pais, emigrados na Suíça.
Perguntaram-lhe o que gostava mais de ver nos noticiários. Com o olhar vivo e
inocente, disse: os desastres! Essa sua resposta ficou-me para sempre.
Tempos mais tarde, curso
tirado, estagiária da notícia, salário de recibo verde, telefonou-me para
Brasília a inquirir do nome de um português envolvido num acidente. Expliquei
que a ética da minha profissão não me autorizava a quebrar o sigilo. Não esqueci
a sua reação: "A ética?! Deixe-se disso! Vá! Diga-me lá! É que se eu não
consigo essa informação, o meu chefe põe-me na rua!"
Um dia, num jornal com mais de cem anos, na "silly season", li uma
peça sua sobre um senhor chamado Eça de Queirós. Explicava, pedagógica, que era
"um escritor realista português do século XIX", do qual citava obras
a esmo. Fui ver: o texto era da Wikipedia. Fazia bem em apoiar-se em fontes
prestigiadas, nessa Britannica da geração dos "shots".
Veja-a agora muito por aí, Yolanda Brígida ou Cátia Vanessa ou qualquer outra
coisa assim que a rica imaginação dos seus pais tenha gerado. De
"corneto" na mão, nos "travellings" na peugada do advogado
desconcertante, à coca da casa dos "pulseirados", a perguntar como se
sente à mãe que perdeu o filho no mar alto, a entrevistar o primo da vizinha de
um tipo que conheceu o criminoso.
Vi um dia a sua glória. Uma baliza tinha caído sobre a cabeça de uma criança. O
dia era “seco” em eventos. Os três telejornais abriram com a notícia, era o
"seu" desastre. E lá estava você em campo, baliza ao fundo, preparada
para a partida. Ao longe, as "repórteres" dos outros canais, seus
heterónimos, filmavam-se comicamente entre si, debitando “buchas” para as
respetivas câmaras, à espera do requestado edil local, que você entrevistava e
que se prestava ao papel de alterne entre pantalhas, a todas anunciando o
clássico "rigoroso inquérito". Um "must"!
É que onde eu gosto verdadeiramente de a ver é nos diretos, à porta de um
tribunal fechado há horas, na soleira de uma urgência com uma velhinha a
revelar o cancelamento da consulta numa greve, no rescaldo de um incêndio a
recolher a clássica declaração sobre a "mão criminosa” no sinistro. Adoro as
redundâncias em que ecoa, quase palavra por palavra, o que o “pivot” acabou de
dizer, não vá alguém ter entrado na sala só nesse instante. Exulto quando se
dirige, impante, à vedeta em estúdio, que mal a conhece, com um íntimo:
"Daqui é tudo, Judite!'.
Há dias, vi-a numa de excelência. António Costa tinha acabado de falar sobre o
seu "sermão aos chineses", que em ano eleitoral substitui o
"sermão aos peixes", do outro António, mas Vieira. Ele saía já de
cena, tenso, e você, marota, ética Cofina, reguila qb, sem esperar resposta, só
para gáudio da malta lá na redação, atirou-lhe à cara: "O país está
melhor, António Costa?". Eu, no caso dele, sabia o que lhe tinha atirado à
cara, a si.
(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")
18 comentários:
Com tanto trabalho que se pode fazer nas redacções de investigação tantas vezes me pergunto o que está a fazer esta gente em lugares que não interessam ao diabo só para aparecer durante uns segundos. Isto é jornalismo?
Notável
Magistral. Neste jornalismo de Sónias Vanessas, Cátias Vanessas, Susies Vanessas, Brunos Vanessos,
Rodrigos Vanessos... o ridículo e a impreparação não têm nome. E as vozes esganiçadas? E os atropelos dos microfones? E a impertinência? E a pesporrência gaiteira? Será que treinaram no Bolhão ou na Ribeira? E a expressão latina sine die (sabem lá eles ou elas, para os quais tudo é british), pronunciada à inglesa? Ainda um dia hei-de ver alguém perder a paciência e enfiar-lhe um par de tabefes.
Não, ela não é culpada! Culpados são os que lhe pagam por isso!
vou prestar atenção...
Ontem, uma jornalista da SIC chamou artilharia pesada a uma bazuca...
Excelente!
Como sempre, elegante e assertivo.
Sem palavras. Quem sabe, sabe.
Viva Sr. Embaixador.
Deixe que lhe diga: se a ironia matasse o sr. fazia cada limpeza.
Só me custa é conseguir descodificar. Mas faço esforço.
Cumprimentos cá da Bila
P`ra quem é bacalhau basta…
E, em geral são bonitas…ao contrário do aspeto dos questionados…
Só precisavam de uma coisita: de serem instruídas para preguntarem o que os “senhores” fazem nos lugares que ocupam e acrescentarem: São porteiros ou seguranças!? É que nunca sabem nada, ou fazem nada, ou nada lhes diz respeito…
A todos, sem dois pesos e duas medidas!
há muito tempo que ninguém dizia tão bem o que eu penso...obrigada.
Por falar em instrução: é "perguntarem" e não "preguntarem"...
Cátias Vanessas, Suses Vanessas, Sónias Vanessas...os pais continuam sem entender porque não gosto do meu nome.
O mesmo se pode dizer dos comentadores políticos e desportivos que pensam sempre que sabem e tudo e nunca dizem nada. Já não há pachorra para tanto programa de comentários sem conteúdo algum.
Por isso de vez em quando, para desenjoar,leio o Positive News.
Uma amiga psi diz que o ser humano foi programado para se lembrar do negativo para que nunca repetisse o erro de por ex comer cogumelos venenosos.
Já me ri. Grande texto.
E como é que avalia a prestação do seu "patrão" socialista, ontem, na rua? A indignação da personagem perante uma repórter que lhe perguntou se PPC devia de pedir desculpas ao país! Que ela nºao lhe podia fazer perguntas na rua (!) Que não podia aparecer detrás de um carro (!) Que marcasse uma entrevista se lhe queria fazer perguntas (!), entre outras.
Está a ficar nervoso...
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