Na Grécia, o povo votou e os políticos que escolheu consideraram-se incapazes de gerar uma solução governativa que permitisse impor as reformas que ajuda externa hoje exige. Por essa razão, a Grécia regressa, daqui a dias, às urnas, na esperança de que o povo grego reveja o seu sentido de voto e faça uma escolha diferente.
E se não o fizer? E se o sentido desse voto confirmar a não aceitação das políticas de rigor que, há mais de dois anos, estão a ser impostas ao país, sem que, no entanto, os gregos vejam uma luz de esperança, ao fundo do túnel de sofrimento que atravessam?
Ontem, um português, amigo de há mais de meio século, que vive na Grécia, deixou-me no Facebook a mensagem: "por aqui vai tudo mal, mas ainda vai ser pior".
E juntou-lhe um poema de Gunter Grass, que ele próprio traduziu:
À beira do caos porque fora da razão dos mercados,
Tu estás longe da terra que te serviu de berço.
O que buscou a Tua alma e encontrou
rejeita-lo Tu agora, vale menos do que sucata.
Nua como o devedor no pelourinho sofre aquela terra
a quem dizer que devias era para Ti tão natural como
falar.
À pobreza condenada a terra da sofisticação
e do requinte que adornam os museus: espólio que está à
Tua cura.
Os que com a força das armas arrasaram o país de ilhas
abençoado levavam com a farda Hölderlin na mochila.
País a custo tolerado cujos coronéis
toleraste outrora na Tua Aliança.
Terra sem direitos a quem o poder
do dogma aperta o cinto mais e mais.
Trajada de negro, Antígona desafia-te e no país inteiro
o povo cujo hóspede foste veste-se de luto.
Contudo os sósias de Creso foram em procissão entesourar
fora de portas tudo o que tem a luz do ouro.
Bebe duma vez, bebe! grita a claque dos comissários,
mas Sócrates devolve-Te, irado, a taça cheia até à borda.
Os deuses amaldiçoarão em coro quem és e o que tens
se a Tua vontade exige a venda do Olimpo.
Sem a terra cujo espírito Te concebeu, Europa,
murcharás estupidamente.
7 comentários:
Gunter Grass diz tudo neste poema impressionante, de arrepiar a pele, de ferir com estocada que se aproxima da mortal. De quem? Da Grécia? Da Europa?
Sem palavras...
CLARO!?...:;
A proposta de reflexão é como perfil de investigação, atual, pertinente, relevante,´e por aí...
Tão sóbria e real que doi.
Subscrevo o comentador HAF
Em “contrapartida”, por cá, está a ficar tudo “relvado”.
Digamos que se assiste ao “esplendor na relva”.
Elevação de pensamento e beleza de expressão, que o Senhor Embaixador nos trouxe a propósito dos tempos que correm. Apolo depois da sua "fase de vingança" tornou-se um Deus mais calmo; cuidando da cura dos males, da música e do futuro previsto com a luz que traria o Sol àqueles que viveriam no monte Olimpo. Venha Apolo com aquela luz...
O que falta saber é se será mortal manter esta austeridade na Grécia ou romper com tudo e com todos( sempre fui a favor de austeridade mas em excesso e por um longo tempo não me parece benéfico ), voltar à moeda dracma ou seja sair e voltar a entrar ... O problema estão nos milhões de milhões que a banca europeia e em especial alemã e francesa ... E o excessivo problema que sempre colocaram na saída de um pais do Euro
Fico com a sensação que se vive numa Sociedade em que se segue o idealismo da "responsabilidade alheante". Não se trata de mera critica -longe de tal-, antes sim uma simples observação.
Vontade até tenho de a designar como "latina", mas a Grécia ira, sem dúvida alguma, destoar - e de que maneira.
Actualmente culpam-se os Bancos pelo crédito mal parado, pelo endividamento das famílias; culpam-se os sucessivos Governos pelo desemprego jovem, e geral; culpam-se os empregadores pelos baixos salários. Irónico, no entanto, como não se culpam os indivíduos que caíram na tentação da compra de bens, em puro consumismo - desnecessário, seja dito; os jovens que seguiram fantasias e que foram mal informados para cursos cujos sectores estão estagnados e sobrelotados há décadas, ou davam indícios de tal; não se culpam os trabalhadores pela fraca produtividade ...
Enfim... quando a culpa é alheia, que se pode esperar da responsabilidade.
Senhor Embaixador,
Eu, em Londres, antes de ir dormir ouvi "Ulisses' Gaze" de Eleni Karaindrou, musica para o filme do mesmo nome de Theo Angelopoulos.
Ainda estive tentada a ver o DVD mas fiquei-me pela musica, fechei os olhos e "revi" o filme, recordando Harvey Keitel, Erland Josephson, chuva, guarda chuvas, neve, nevoas, violencia, barbaridades...
Boa noite.
F. Crabtree
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