A linguagem diplomática internacional tem alguns códigos que importa conhecer, para melhor se entender o que pode estar por detrás de algumas declarações públicas.
Uma dos conceitos-chave em que convém atentar é a eufemismo "franqueza". Se acaso se depararem em algum comunicado, relatando um encontro internacional, a nota de que, durante uma reunião, houve um "debate franco" ou uma "franca exposição de posições", podem ficar cientes de que o ambiente foi tenso, confrontacional, muito duro e sem cedência de posições.
Não se pense que esta realidade se restringe a negociações a níveis técnicos. Muitas vezes, em discussões políticas a nível ministerial, ou mesmo primo-ministerial, as tensões sobem a patamares impensáveis. Mesmo entre aliados. Por exemplo, dentro da União Europeia, para quem não saiba.
Uma noite, no auge de um processo negocial complexo, estava com o meu amigo e deputado europeu Elmar Brok, democrata-cristão alemão, algures num bar de hotel, quando vimos passar um responsável político europeu, saído de um jantar "informal" com os seus pares. A nossa curiosidade sobre esse jantar era grande, porque, do resultado da discussão que nele deveria ter lugar, poderiam depender algumas importantes decisões no dia seguinte.
Pela cara carregada dessa figura política, depreendemos que o debate havia sido tenso. Não imaginávamos, contudo, quanto o fora. Convidámo-lo a sentar-se, desejosos de saciar a nossa curiosidade. Disse-nos que necessitava de um bom "Armagnac" duplo, para se recompor. Nunca lhe fora dado assistir a uma discussão tão divisiva dentro da União Europeia. Ao que nos contou, e perante um comentário que ele próprio fizera, recebera de um seu par, de uma grande potência europeia, a "elegante" reação: "A tua opinião sobre isso não interessa. Se voltasse a haver uma guerra na Europa, o teu país quase não teria tamanho para sepultar todos os mortos dessa guerra". Não recordo a resposta que ele teria dado a essa provocação, talvez porque eu me tivesse fixado obsessivamente nesta chocante frase.
Lembrei-me ontem da questão da "franqueza", ao ler a dura e justa resposta dada pelo primeiro-ministro grego, Georgios Papandreou, perante os bem lamentáveis comentários surgidos na imprensa alemã, a propósito da corrupção no seu país, realidade que não enjeita mas que se recusa - e muito bem! - a assumir como identitária do seu país: "os gregos não têm a corrupção nos seus genes, da mesma maneira que os alemães não têm o nazismo nos seus".
6 comentários:
Extraordinário este post pelo que revela da insustentável leveza da real-politik e da importância dos sujeitos políticos na definição do mundo passado e presente.
Georgios Papandreou é um Senhor. A resposta que deu prova-o de forma inequívoca!
Quanto aos códigos da linguagem diplomática muito tenho aprendido aqui...
Oups!
Eu querida dizer inequívoca. Pode corrigir, SFF ? Obrigada
Excelente resposta de Papandreou. À Alemanha ainda falta muito tempo de história para apagar a perseguição aos judeus - de que já pediu desculpa, mas não basta - e ter idoneidade moral para fazer comentários inadmissíveis sobre os seus parceiros europeus.
É que não basta estar no pelotão da frente da Europa...
Se não se importam, vamos encerrar este debate. As posições já estão claras e ficou dito quanto deveria ser dito.
Caros comentadores: um pedido de desculpas. Este comentário era para outro post.
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