quarta-feira, março 15, 2017

O Canto e as Armas


Uma noite, há quase duas décadas, eu e uma amiga, num grupo de gente bem mais nova do que nós, declamámos partes de poemas de Manuel Alegre. Os circunstantes olharam-nos com surpresa (não ouso dizer que com admiração) e, claro, perguntaram por que diabo sabíamos de cor essa poesia. Foi difícil (e continua a sê-lo) explicar a essas pessoas, nascidas a partir dos anos 60, que a poesia de Alegre, na sua fase mais afirmadamente neo-realista (nome que, ao tempo da ditadura de cá, se dava àquilo que lá fora era designado por "realismo socialista") era muito mais do que simples literatura. Era a expressão literária da revolta, era a trova da luta anti-fascista, era uma vocalização rimada que educou as gerações que vieram a fazer o 25 de abril. 

Durante muito tempo, para mim, Alegre foi apenas uma voz e uma escrita. A voz era aquela que nos chegava de Argel, nas ondas da "Rádio Voz da Liberdade", o discurso inflamado que apelava à insurreição, dirigido aos "amigos, companheiros e camaradas", ouvido à sucapa nas madrugadas. A escrita eram, muito simplesmente, dois livros: "A Praça da Canção" e "O Canto e as Armas". Era nessa poesia empolgante, adjetivada de vigor revolucionário, subversiva para o estado de coisas que se vivia no país, que então assentávamos, com ou sem música, a nossa esperança na chegada do dia em que por aí viria a liberdade. 

Um dia, esse dia, o país viu chegar Alegre e olhou pela primeira vez a sua cara, a que o tempo juntaria uma barba solene. Rapidamente ele se juntou ao PS (porém, a ideia de que Alegre é um "histórico" do PS é apenas um mito), depois de, já por cá, ter passado por uma mini-estrutura efémera chamada "Centros Populares 25 de abril". Argel e o complexo microcosmos de tentativa de coordenação da luta contra o Estado Novo que aí foi criado nos anos 60, ficara para trás. Para além da voz (que continua a ser a sua imagem de marca) e da escrita (onde definitivamente se consagrou), Alegre foi e é, essencialmente, um político. Frontal, polémico, esteve e deixou de estar com Soares, tentando por duas vezes um destino nacional que lhe não sorriu. Mas, para sempre, ficou como um dos rostos mais simbólicos da nossa democracia. 

Posso imaginar que Manuel Alegre, nos dias de hoje, olhe para os dois livros que acima referi, e de que ainda sou capaz de declamar alguns poemas, com um sentimento ambivalente. Por um lado, estou certo que os não renega, não apenas por serem as suas primeiras obras mas também pelo facto de terem sido aqueles que o fixaram no imaginário de algum país. Mas, igualmente, posso crer que pretenda, de certo modo, "ver-se livre" deles, porque, com toda a certeza, tem o sentimento de que muito daquilo que, a partir de então, publicou é, no plano literário, muito superior a essa histórica produção "de juventude". A vida, contudo, pode ser algo injusta: não conheço ninguém (a começar por mim) que conheça de cor algum dos seus belos poemas mais recentes. E, no entanto, alguns de nós conhecemos, muito bem, os mais antigos e talvez menos valiosos literariamente. 

Vem isto a propósito de "O Canto e as Armas", cuja edição faz agora meio século, dois anos depois de "A Praça da Canção". Vou reler o livro por esta noite dentro: lembrar-me-ei das poesias "icónicas" e "incontornáveis" - como irritantemente agora se diz - mas, essencialmente, ao lê-las, recordar-me-ei com certeza da impressão que elas me produziram quando as vi pela primeira vez. É que, nesse tempo, eu tinha todo o futuro do mundo à minha espera.

terça-feira, março 14, 2017

A conferência e o que eu acho


1. Um grupo de alunos pediu para organizar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL uma conferência com Jaime Nogueira Pinto. O tema era idêntico ao de muitas conferências e debates que hoje por aí se fazem.
2. O diretor autorizou o evento.
3. Um outro grupo de alunos, argumentando que o primeiro grupo estava ligado a uma estrutura de extrema-direita, convocou uma RGA que mandatou a direção da AE para falar com o diretor e pedir o cancelamento da sessão.
4. O diretor recusou revogar a autorização dada.
5. Vários estudantes anunciaram entretanto que boicotariam a conferência, invadindo-a e ameaçando lançar ovos e outros objetos durante o evento.
6. Perante a tensão instalada, o diretor propõe aos organizadores o adiamento da sessão.
7. Os organizadores contestam e pedem proteção policial (que o diretor recusa, atentas às práticas universitárias), oferecendo, em alternativa, o recurso a segurança privada (que, naturalmente, o diretor também recusou).
8. Atento o estado de tensão criado, que poderia trazer consequências para a segurança física da escola e das pessoas, o diretor decide não autorizar a realização da conferência na ocasião prevista.
9. O Conselho de Faculdade veio a considerar adequada e deu o seu apoio à essa decisão do diretor.
Estes são os factos para mim relevantes, na análise da situação. Ponto.

segunda-feira, março 13, 2017

Em Lisboa, pare, escute e olhe o ruído


(Artigo que assino no nº 2 da revista "Bica")

Andava muito cansado e, enquanto esperava, na sala ao lado de uma oficina, que me arranjassem o carro, sentei-me numa cadeira e, por instantes, fechei os olhos. Foi então que o som, ao fundo, de uma chapa a ser batida, bem como impactos secos, provavelmente oriundos de um martelo de borracha no realinhamento de uma direção, despertaram em mim uma súbita onda de prazer auditivo. Não tinha o ritmado do mimimalismo de Philip Glass que um dia, em Londres, me embalara no Barbican (levando-me a sair no intervalo, por queixas de ressonar), mas havia por ali algo que evocava no meu ouvido (talvez mesmo em melhor) uma sessão de música concreta polaca, no S. Luís, a que só por vergonha, cerca de uma semana antes, resistira até ao fim. Terá sido nesse instante que, embora meio adormecido, acordei pela primeira vez para a fantástica identidade dos ruídos de Lisboa.

Os estímulos auditivos que não resultem de melopeias ou de sonoridades pré-cozinhadas são, de há muito, uma das mais inspiradoras fontes da minha reatividade. E Lisboa, com o alarido mediterrânico – que os nórdicos confundem, insensivelmente, com javardice e falta de respeito pelo sossego dos outros – é um raro oásis (longe ainda de Nápoles, claro) em matéria de impactos dessa natureza.

O som “oficial” de Lisboa é, como todos sabemos, o fado, mas, mesmo num registo turístico clássico, o chiar dos elétricos na descida do Ferragial ou a buzina dos cacilheiros sob neblina, bem poderiam equivaler-se-lhe nessa dignidade identitária de cartaz. Antes, no tempo do SNI e do Ferro, era também o gritar esganiçado das varinas, tão incensado na fadunchada primária, que integrava esse património decibélico. Mas as varinas foram-se com o tempo e com o Pingo Doce.

Verdade seja que os ruídos humanos lisboetas são reportados desde as calendas. Fernão Lopes registou-os na sonoridade literária da sua Crónica, a Rattazzi tomava-os à conta de falhas na educação e nos costumes (meros preconceitos!), Eça ouviu-os pelos bilhares do Montanha. Até o canto de Fausto, no “Europa, Querida Europa”, fala dessa “algazarra nas ruas”, com um “suave cheiro a sardinhas”. O chavascal é parte da nossa matriz e Lisboa é o palco orgulhoso dessa imensa peça de chinfrim.

Um amigo brasileiro, há dias, deixou-me sem palavras, num ambiente de infernal basqueiro e guinchos de máquinas, no longo concerto de barulheira operária concreta que o maestro Fernando Medina orquestrou, por meses, pela cidade, ao dizer-me: “Você sabe, Francisco, é adorável este vosso Chiado”. Como ele disse isso nas Avenidas Novas, em frente à Versailles, fiquei sem saber se havia de escrever Chiado com maiúscula ou não.

Mas tudo isto, meus amigos, será sempre apenas uma singela gota de água numa realidade com uma riqueza hoje quase inesgotável.

Todas as cidades, como sabemos, têm os seus sons próprios. Questão diferente é selecionar aquelas raras urbes às quais uma forte presença auditiva confere um estatuto identitário próprio.

À lembrança vem-me, de imediato, Nova Iorque, com aquela obsessiva e permanente confusão de sirenes de ambulâncias e carros de bombeiros, que alguém um dia chegou a pensar que eram pagos pelo serviço de turismo da cidade, para lhe sustentarem, no imaginário dos viajantes e cinéfilos, essa típica marca sonora. Mas Lisboa, passe a imodéstia, não fica nada atrás de Manhattan.

O meu interesse por este tema, embora por muito tempo de forma pouco consciente, vem já de muito longe. O ruído lisboeta é, em mim, um eterno fator mobilizador, que me induz a certas atitudes, embora algumas, se acaso fossem levadas até às últimas consequências, eu não possa garantir que evoluíssem sempre num registo de serena urbanidade. É que me recordo, por exemplo, de, quando vivia perto do Campo Pequeno, em noites de fim-de-semana, ter sido o roncar dos escapes dos motards que, por exemplo, suscitou em mim uma inesperada vocação cinegética. Só não comprei a caçadeira por falta de espaço lá em casa para a guarder.

Nos dias de hoje, na rua da Lapa onde vivo, a desportiva tendência dos carros para aí testarem os limites urbanos de velocidade, traz-me, por vezes, o impulso de complementar a minha reforma com uma atividade de bricolage, onde o uso de pregos e taxas é, como é sabido, imperativo.

E, não raramente, a saborosa diversidade dos claxons, saídos dos SUV a fingir que por aí abundam, guiados por graves metrossexuais de barba, travados no caminho para as start-ups, desperta em mim, nesse tráfico congestionado (e Lisboa tem evoluído para grandes confusões de trânsito, garantindo-se assim já ao nível das grandes cidades) saborosas memórias da sétima arte: mais precisamente uma nostalgia pelos gadgets que Q colocava no Aston Martin de James Bond, capazes de disparar rajadas em várias direções.

Mas aprendi que o ruído lisboeta, paradoxalmente, também convida à reflexão. Recordo-me de jantares em casa de um amigo que vivia no topo de um prédio sobre o qual passavam, na aproximação à aterragem, os aviões. Havia pausas de largos segundos nesses momentos de convívio, tipo “un ange qui passe”, que permitiam instantes valiosos de meditação ou, em alternativa, de concentração em mais umas boas garfadas.

É, contudo, o ruído humano lisboeta, em todo o esplendor da sua criatividade, que estimula em mim os mais inesperados sentimentos, mesmo que, por vezes, ele tenda a atenuar os efeitos dos hipertensores que tomo.

Quase sem igual no mundo, são os berros das adoráveis criancinhas nos restaurantes onde escolhemos ir ter uma conversa serena. Lisboa tem, nesse domínio, uma magnífica cultura liberal – e ainda há quem se queixe de sermos uma sociedade iliberal! – permitindo, desde a tenra idade, a vocalização do protesto ou da alegria. É uma espécie de aplicação do 25 de abril às creches, socializando a criança ao usufruto do seu inalienável direito à indignação, ou à berraria em voz bem alta. Mas, entre nós, o que é mais notável é que os pais cuidam em não guardar essa expressão sonora dos rebentos para o recato egoísta da família, antes a partilham, com imensa generosidade, com a vizinhança, que assim pode apreciar a encantadora espontaneidade infantil. O facto de alguns circunstantes se sentirem tentados (e cito o que, infelizmente, já ouvi) a “dar um par de bofardos no puto”, também deve ser levado à conta do inestimável efeito de impulso interventivo, que é desejável poder suscitar em nosso redor. A sociedade ou é interativa ou ficamos todos silenciosos de olhos nos iPads e iPhones. Não é disso de que todos se queixam?

A contemporaneidade, contudo, tem também sabido trazer, neste domínio, uma generosa oferta sonora, mais high-tech. O telemóvel é hoje um imprescindível instrumento da nossa transparência urbana.

O lisboeta típico, como os estrangeiros extasiados se fartam de constatar, dá-nos regularmente o gosto de partilhar connosco, em lugares públicos, diálogos da sua vida pessoal, como informações muito francas, por exemplo, sobre os seus padecimentos de saúde ou as crises existenciais dos conhecidos.


Experimente o leitor ir ler para um lugar desses e, ao final de uns minutos, concluirá que lhe são oferecidas pausas divertidas que, tirando-lhe embora o fio à meada daquilo em que estava concentrado, o fará entrar num mundo novo de revelações alheias – excelentes para quem gosta de exercitar sociologia de pacotilha no Facebook.

Outros ainda capricham, nos cruzamentos ou nas filas de trânsito, em nos fazer ouvir os ritmos “metal” que saem do altifalantes dos seus carros, num volume tão elevado que, às vezes, os incapacita de tomar nota de alguns alguns adjetivos qualificativos com que, muitas vezes sem uma explícita simpatia no nosso rosto, lhes retorquimos essa não solicitada partilha.

Mas os estrangeiros visitantes, ao que me chega, já também cuidam, eles próprios, e cada vez mais, de participar no alimentar do património de sonoridades atípicas. Ao que parece, pelas noites animadas dos hostels, ou em partilhas de Airbnb, surgem cada vez mais interações sonoras entre andares, as quais, com o tempo, acabarão pela certa nas páginas do crime do Correio da Manhã ou nos apanhados noticiosos das urgências dos hospitais.

Esta "Bica", que nasceu com uma explícita vocação de servir de guia a uma nova leitura de Lisboa, rompendo com estereótipos e tentando descortinar espaços inéditos de interesse para visitantes em busca de novos nichos de curiosidade, tem aqui um papel indispensável. Dar a conhecer a riqueza dos ruídos da cidade, chamar a atenção para essa Lisboa dos sons pretensamente não harmónicos, indicar mesmo oportunidades de criatividade ativa nessa área para quem nos visita, é levar à prática um imenso dever cívico.

Não deixemos silenciar esse inestimável património decibélico (por onde anda a Unesco, que não viu ainda as virtualidades disto?) que é o ruído urbano lisboeta. Não façamos orelhas moucas à necessidade de cultivar essa riqueza e, acima de tudo. Não calemos a nossa voz perante a óbvia conspiração que se está a fazer contra o chavascal popular, contra a (tão típica) conversa aos berros em voz alta pela rua, contra a espontaneidade das mães chamando crianças à distância, nos lugares públicos e outras amenidades correlativas. Cuidemos do que é nosso, povo de Lisboa!

Há alguma coisa melhor que isto? Pode haver, mas por cá ainda não se sabe.

domingo, março 12, 2017

Os "nègres"


Os franceses chamam-lhe "nègres", os ingleses "ghostwriters". São aqueles que escrevem textos que, no final, serão assinados por outros. Ás vezes são livros, outras vezes são discursos.

Ontem, comprei uma biografia sobre um político português em que o autor diz de si próprio que é "crítico literário e ghostwriter". Acabo agora de ler, num semanário também ontem publicado, alguém que se identifica como membro do "European Speechwriters Network". Nunca tinha visto tanta "transparência" neste assunto...

Na minha vida, escrevi dezenas de discursos - e artigos de jornal - que foram lidos e subscritos por outras pessoas. São coisas que acontecem com naturalidadade na vida pública. Embora eu goste de escrever tudo o que leio em público ou assino, também já me aconteceu ter de ler (embora muito poucos) textos de que não fui autor, ao tempo em que estive no governo.

Há, neste domínio, um episódio curioso que até hoje nunca contei. Alguém me tinha pedido para preparar um prefácio para a tradução portuguesa de um determinado livro (cujo autor, curiosamente, li que virá proximamente a Lisboa, para uma conferência). O texto, bastante longo (seis densas páginas, em letra miúda), era para ser assinado por essa pessoa, como viria a acontecer. (Que fique claro que eu não ganhava nada com esse trabalho). Passaram alguns anos e as minhas relações com essa pessoa alteraram-se profundamente. Um dia, num debate público (lembra-se, Luís Tibério?) em que eu intervinha ao lado da figura que assinara o texto, essa pessoa defendeu uma tese, sobre um determinado assunto, em absoluto oposta à orientação seguida naquele prefácio (que, repito, eu escrevera e ele assinara). Fui então, confesso, "mauzinho". Disse-lhe que estranhava muito que tivesse "mudado de opinião", porquanto me lembrava de que, num prefácio "da sua autoria" a um determinado livro - "um texto com que eu concordava em absoluto, que até podia subscrever..." - ele defendera precisamente uma tese oposta. A pessoa em causa não gostou nada da minha "graça", mas foi obrigada a calar-se...

"Pago um almoço!"


Conheço restaurantes onde a lista é muito mais variada, que têm uma carta de vinhos bem mais rica. Sei de locais muito mais confortáveis, com salas mais acolhedoras, com um ambiente sofisticado que não se lhe compara. É claro que há sítios em que é mais fácil estacionar. Há mesmo locais onde a relação qualidade/preço quase pede meças à "Imperial de Campo de Ourique".

Reconheço tudo isso. Uma única coisa é inexcedível na "Imperial de Campo de Ourique": se houvesse "estrelas" do Michelin para a simpatia, se acaso existisse um "Óscar" para o dono mais atento aos clientes, um "Grammy" da afabilidade, o meu amigo João Gomes era, a grande distância, o vencedor antecipado e indiscutível.

Pago um almoço (mas pago mesmo!) a quem me descobrir um dono de restaurante com uma amabilidade e um trato para com os clientes superior ao do meu amigo João!

A "Imperial" fica no 67 da Correia Teles. Serve almoços - eu marco sempre pelo 213 886 096 - e também jantares, neste caso por reserva antecipada ou para quem por ali surgir não mais tarde do que as oito e meia. E fecha ao domingo. Com a dona Adelaide na cozinha e o filho Nuno também na sala, o João Gomes forma a "troika" do bem que transforma aquele espaço num "espetáculo!". Ah! E, se por lá reservar nos próximos dias, ainda vai encontrar lampreia, porque as raízes da família Gomes andam por barquenses terras minhotas.

O querer e o poder


Devemos ter forte respeito por quantos hoje têm a responsabilidade de conduzir e intervir na política europeia de Portugal, seja a nível governativo, seja no plano parlamentar. Não apenas porque este é um Portugal diferente  – saído de um periodo de grande fragilidade económico-financeira, que deixou fortes sequelas – mas, principalmente, porque o nosso país tem perante si uma Europa com uma inédita complexidade, atravessada por uma crise que afeta o seu projeto, sujeita a linhas de clivagem nunca antes vistas.

Há a sensação de que aquilo que consagrou o sucesso de seis décadas de integração pode, pela possível conjugação de circunstâncias não há muito tidas por implausíveis, colapsar ou ter uma deriva, de recentragem ou partição, que definitivamente o descaraterize. Daí a extrema delicadeza, quase única, deste momento, para o qual se exige visão, coragem e sentido de Estado, por parte de quantos, entre nós, acreditam, não apenas na Europa mas, muito particularmente, na importância de Portugal dever continuar a apostar na inserção europeia como o eixo mais seguro para a objetivação dos interesses do país no quadro global.

Dir-se-á que muito do que ocorreu com Portugal, na Europa do passado, já não dependeu, no essencial, da nossa vontade. A título de exemplo, lembraria que fomos obrigados, por razões ditadas por imperativos insuperáveis, a sofrer processos como o progressivo desmantelamento de proteção comercial, mobilizado pela pressão da globalização, ou a avalanche dos alargamentos, por determinantes políticas que não era possível controlar. Ambos os movimentos tiveram impactos sérios para a nossa economia, mas foi possível, nessa tal Europa de outros tempos, negociar fórmulas compensatórias que permitiram algum amortecimento dos efeitos dessas irrecusáveis decisões.

Essa Europa, contudo, acabou. A solidariedade e a preeminência das políticas estruturais e de coesão, voltadas para a Europa mais pobre, começam a diluir-se no horizonte e as consequências orçamentais, ditadas pelo Brexit, agravá-las-ão ainda mais. Quero com isto dizer que, vindo a repetir-se, num contexto muito diverso, uma possível evolução desfavorável de algumas outras políticas, cujos novos termos de referência Portugal continue a ter dificuldade em controlar, do nosso horizonte desapareceram já os importantes mecanismos compensatórios do passado. É muito mais dificil defender os interesses próprios de Portugal na Europa de hoje, e temos de estar preparados para ter de assumir as consequências disto. As prioridades europeias são outras e, por essa razão, a definição de uma rigorosa política de alianças é hoje de uma importância vital.

É neste contexto que surge, com uma força impositiva que a recente reunião dos “powers that be” da Europa parece ter tornado incontornável, a questão das “cooperações reforçadas” (a também chamada flexibilidade ou integração diferenciada) ou das “cooperações estruturadas” na área militar. Este está longe de ser um tema novo e a diplomacia portuguesa conhece-o como poucas – porque Portugal, desde há muito, o trabalhou com afinco, controlando com imenso cuidado a sua inserção institucional nos tratados. Mas isso é apenas o passado e nada nos garante que novos e mais complexos modelos não possam por aí surgir.

As declarações oficiais portuguesas foram, a este respeito, de grande prudência. Com a autoridade que temos pelo facto de ter estado, desde sempre, nos processos mais inclusivos da Europa (de Schengen ao euro, antes no Protocolo social e, depois, nas questões de Justiça e Assuntos Internos), afirmámo-nos já dispostos a encarar o alargamento do âmbito dos modelos possíveis, desde que eles venham a manter-se sempre potencialmente abertos a todos. E, claro, afirmámos o nosso desejo de continuar a integrar o que aí vier a criar-se, em termos de reforço de algumas políticas.

O título deste artigo não é, porém, casual. É que até agora, com exceção do euro (que obedeceu a critérios próprios), foi apenas a vontade política nacional que sobredeterminou o nosso integracionismo “à outrance”, pelo interesse assumido em evitar que Portugal, ao não estar presente nessas instâncias, viesse a pagar custos de periferização. Por essa razão, a grande preocupação que, a meu ver, o nosso país deverá agora ter, nos debates que se seguirão, é procurar evitar que quaisquer novos mecanismos de reforço integrador venham a derivar de condicionalidades de natureza económico-financeira, com impactos orçamentais, perante os quais a vontade política não seja suficiente. Esse, a meu ver, é o grande risco que Portugal tem no seu horizonte europeu imediato.

sexta-feira, março 10, 2017

O europeu derrotado


O governo polaco, descontente com Donald Tusk, seu opositor político interno, decidiu uma candidatura própria para a presidência do Conselho Europeu e, para tal, foi descortinar no Parlamento Europeu uma personalidade tida pela imprensa como "quase desconhecida", apontando-a como o seu candidato a esse posto. Essa tentativa saiu, em absoluto, frustrada e o nome avançado por Varsóvia foi clamorosamente derrotado, com a reafirmação da confiança em Tusk por parte dos outros 27 Estados.

Quem era a figura escolhida pelos governantes polacos? Um deputado de seu nome Jasek Saryusz Wolski, membro da direita local, o qual, por essa ousadia que se sabia politicamente suicida, se viu afastado da vice-presidência do Partido Popular Europeu.

E por que é que trago o assunto para aqui agora? Porque Saryusz Wolski é, há mais de duas décadas, um bom amigo pessoal. Com ele troco, nomeadamente no Twitter, mensagens que expressam as nossas profundas mas sempre cordiais divergências, sobre a política europeia, a questão ucraniana ou as relações com Moscovo. 

Jacek foi, por algum tempo, meu contraparte polaco, como secretário de Estado dos Assuntos Europeus e nunca mais esqueceu uns filetes de pescada que um dia o levei a comer à "Primavera", bem como uma noitada no "Procópio", onde se queixou por então só por lá haver vodka "Moskovskaya"... É que, para ele, tudo o que for russo é tabu!

Um abraço para ti, Jacek!

"Insuspeito"

Nos últimos dias, com aquilo que por aqui disse sobre a intocabilidade temporal do lugar do governador do Banco de Portugal e sobre o erro que seria mexer no Conselho de Finanças Públicas nesta conjuntura, fui incensado pelos meios conservadores ou mesmo de direita pura e dura. O online de um semanário colocou-me a "atacar o PS", escondendo que eu tinha precisamente elogiado a atitude oficial do partido e do seu líder sobre os dois temas, apenas tendo procurado alertar os socialistas para o inconveniente de eventualmente irem contra essa linha, utilizando metaforicamente a figura de que o PREC, com o seu histórico ataque às instituições, tinha já acabado há muito.

Logo de seguida, ao ter-me indignado com o boicote à palestra de Jaime Nogueira Pinto, passei logo a ser citado como "insuspeito" pela direita - que é aquilo que se costuma chamar aos "do outro lado" quando o que dizem nos dá pontualmente "jeito". Porque escrevi que o boicote que tinha conduzido à suspensão da sessão tinha tido origem numa estrutura da extrema-esquerda, isso foi sublinhado com ênfase e júbilo pelo lado contrário.

Ontem, ao mostrar desagrado com a crispação na Assembleia da República, sem explicitamente crucificar o líder da oposição, fui logo criticado, em algumas redes sociais. Desta vez foram alguns comentaristas de esquerda que acharam que eu estava a "meter tudo no mesmo saco", reclamando pelo facto de não me ter pronunciado sobre o fundo da questão (e os "culpados"), mas apenas sobre o "ruído" público do espetáculo parlamentar.

Há uns tempos, se bem se lembram, quando Manuela Ferreira Leite, Bagão Felix ou Pacheco Pereira criticavam o governo de Passos Coelho, essas figuras surgiam, para a esquerda, como uma espécie de "novos camaradas". Eram gente que "dava jeito". Não eram "dos nossos", mas, como surgiam a criticar quem nós criticávamos, isso era logo visto como positivo. Longe de mim colocar-me ao nível desses senadores, mas chamo-os à colação porque foram casos simétricos.

Agora, nestes últimos dias, à direita dizem que sou "insuspeito" porque, aos olhares desatentos de alguns (para quem, em política, "o que parece é"), parece que surjo reticente face ao setor de onde sou oriundo. Mas, estejam descansados! Bastará que eu elogie a "geringonça" ou zurza a bancada parlamentar da direita para logo vir ser crismado com todos os qualificativos desqualificantes, nos blogues e outros meios desse setor. Logo passarei a "suspeito", num instante... Lembro-me do que ouvi quando publiquei um texto chamado "Não lhes perdoo!".

Alguns amigos dirão: "Mas por que é que te pões a jeito? Assim, eles utilizam-te!". Talvez, mas a liberdade de dizer o que penso é, para mim, um valor bem mais importante do que o risco de vir a ser utilizado por aqueles com quem não concordo.

quinta-feira, março 09, 2017

Assembleia da República


Assisti ontem a um dos debates parlamentares mais tristes de que tenho memória - e tenho alguma. A acrimónia que atravessou a sala não honrou a democracia portuguesa. Já sei que cada um terá a sua leitura sobre quem são os "únicos culpados" (e prevejo, também tristemente, que nalguns comentários emergirá o maniqueísmo clubista da paróquia), mas isso não é para aqui chamado, porque o que importa é que o cidadão politicamente menos mobilizado terá ganho uma razão mais para alimentar a imagem degradada que tem da nossa classe política.

quarta-feira, março 08, 2017

RTP


Acho graça aos filmes das primeiras emissões da RTP, na antiga Feira Popular, com a futura Vera Lagoa a apresentá-las. Já os conheço de cor, mas essa não foi a minha primeira RTP.

Para quem vivia "para lá do Marão", em Vila Real, a RTP era uma "coisa" de Lisboa, apenas falada nos jornais e na Emissora Nacional. Por algum tempo, bastante, mas cuja duração não posso precisar, a cidade não teve aparelhos de televisão, porque o "sinal" não chegava lá. 

Um dia, talvez em 1958 ou 1959, o meu pai recebeu um convite impresso, cuja imagem guardo na memória, enviado pela Rádio Patinhas, uma casa de eletrodomésticos que existia numa esquina da avenida principal da cidade, convidando "Vossa Excelência e a Excelentíssima família a assistirem à emissão da Radiotelevisão Portuguesa". E lá fomos, uma noite, juntamente com alguns escassos eleitos, sentar-nos dentro da loja, olhando um aparelho pequeno, a preto e branco, com uma imagem muito granulada e um som episódico. Cá fora, de cara colada às montras, amontoavam-se muitos curiosos, que não tinham o privilégio do convite. O "sinal" era muito mau, vinha da Lousã, mas aquilo era, para o miúdo que eu era, o "máximo". Tenho três recordações, porque as belas coisas novas nunca se esquecem: o Trio Odemira a tocar, Artur Agostinho e Gina Esteves a apresentar o "Quem Sabe Sabe" e números de magia e ilusionismo, creio que pelo "Conde de Aguilar". 

Algum tempo depois, a televisão começou a ser visível nas montras dos vendedores de aparelhos. Em Vila Real, na Casa Dionísio, concorrente do Patinhas, e, em férias, na Casa Ponte, na Praça da República, de Viana do Castelo. Depois, com o tempo, o mundo mudou e, pouco a pouco, todos passámos a ter televisores em casa, com as infernais antenas, os "potenciadores de sinal" e, mais tarde, os pesados "estabilizadores" de corrente. A partir de certa altura, havia mesmo quem colocasse no écran uma cobertura cobertura com ligeiras cores, uma patetice a sugerir uma antecipação do colorido. Essa cor chegou um dia, como também chegaria esse momento democrático do país que foi a abertura de outros canais. Antes, porém, já todos pagávamos a famosa "taxa", hoje disfarçada já não sei bem como.   

60 anos é uma bela idade. A RTP faz parte da história de todos nós e todos nós temos uma "história" com a RTP. A minha cruza-se também com os tempos que por lá passei, como militar, nos dias que se seguiram ao 25 de abril. E, nos de hoje, com um programa em que também por lá, de vez em quando, colaboro.

Deixo de parte a minha leitura da relação da RTP com o poder, a qual, só por si, já deveria ter merecido um estudo universitário - desde os tempos de Camilo de Mendonça, seu primeiro presidente, até aos de Gonçalo Reis, que atualmente a dirige, passando por um número infindo de figuras que marcaram os ciclos políticos. 

Agora, é ocasião apenas para dar parabéns à sexagenária RTP e a alguns amigos que por lá tenho.

terça-feira, março 07, 2017

Jaime Nogueira Pinto


Acabo de ter conhecimento de que uma ameaça de boicote e invasão do espaço onde, ao final da tarde de hoje, deveria realizar-se uma conferência de Jaime Nogueira Pinto conduziu ao adiamento da sessão, que deveria ter lugar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa.

Como membro do Conselho de Faculdade da FCSH, lastimo que a direção da escola tenha sido forçada, contra a sua vontade, a tomar esta atitude para salvaguarda da estabilidade funcional da instituição. 

E porque convém chamar os bois pelos nomes, que fique claro que esta inadmissível atitude censória, foi tomada por uma estrutura de estudantes identificada com o Bloco de Esquerda.

Há meses, em Cascais, teve lugar um debate público com três intervenientes: Jaime Nogueira Pinto, Francisco Louçã e eu próprio. Ninguém se lembrou de boicotar a sessão. Claro.

Multiculturalismo


Terá lugar em Braga, na sexta-feira, dia 17 de março, no Auditório Vita da Universidade Católica, pelas 21 horas, a conferência "Olhares sobre o Multiculturalismo", inserido no ciclo de conferências "Nova Ágora", organizado pela Arquidiocese de Braga, em que participarei ao lado de Ângelo Correia e João Cardoso Rosas, sob a moderação de Rita Ribeiro.

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa inaugurou este ciclo, que prosseguirá com outras conferências dedicadas ao tema "Saúde e Qualidade de Vida" e "Era digital".

segunda-feira, março 06, 2017

O PREC acabou, sabiam?

Percebo que muitos não gostem das declarações e dos "statements" da dra. Teodora Cardoso e do seu Conselho de Finanças Públicas - eu não aprecio. E acho muito bem que a senhora e a instituição sejam zurzidas por quem deles discorda e sejam expostas as suas insuficiências e contradições.

É também saudável que haja um escrutínio público sobre o governador do Banco de Portugal, cujas ações e omissões podem ter contribuído para o estado lamentável a que chegou o nosso sistema bancário. O caráter sacrossanto do regulador bancário nunca me caiu bem e, em democracia, convém que se note, temos de poder dizer o que nos vai na alma, em especial quando nos vão aos bolsos.

Até aqui tudo bem. Mas a democracia tem regras e uma delas é saber viver com as instituições, muito em especial quando o que elas fazem não está em sintonia com o que pensamos. Foi isso que dissémos ao anterior governo, quando atacou o Tribunal Constitucional.

Estou-me perfeitamente borrifando para o que pensa quem anda pelo Bloco ou pelo PC ou respetivas bordas. Mas gostava de deixar claro, à atenção do PS, que a irresponsabilidade desqualifica politicamente um partido de poder (como, noutros domínios, está a desqualificar gravemente o atual PSD), pelo que seria de uma imensa insanidade democrática apelar, nesta conjuntura, à revisão do estatuto do Conselho de Finanças Públicas ou à demissão do governador do Banco de Portugal. Mas eu estou seguro de que António Costa está bem ciente disto.

O PREC já acabou, sabiam?

Registo de interesses

Sou sportinguista, com imenso orgulho em sê-lo e sem que a minha afetividade clubista seja minimamente afetada pelos resultados do clube no futebol. Era só o que faltava!

Serve isto para deixar claro que, respeitando embora a decisão dos sócios em manter à frente do clube o atual presidente, que reconheço que fez alguma obra no equilíbrio financeiro, não me revejo minimamente no estilo e na forma da sua liderança. 

O que essa figura afirmou no final das recentes eleições envergonha muitos sportinguistas, embora, aparentemente, rime bem com a javardice de muitos outros. Argumentar que é preciso mostrar uma frontalidade agressiva face aos principais adversários é colocar-se ao "nível" das insalubres lideranças e do fanatismo acéfalo de muitos apoiantes dos mesmos - e não parece que isso seja um "benchmark" recomendável para um clube como o Sporting Clube de Portugal.

Continuo a repetir o que digo há muitos anos: a prova provada da grandeza do Sporting é o facto de, nas últimas décadas, ter conseguido resistir à mediocridade de muitos dirigentes que por lá têm passado. E, uma vez mais, isso vai acontecer.

Guimarães

Sou do tempo em que o Sporting ganhava em Alvalade ao Guimarães... (O empate de ontem deve ser consequência da noitada de júbilo da reeleição do "líder" que nos levará às grandes vitórias.)

Numa bela tarde de sol (mais bela porque ganhámos por 3-1), já há uns bons anos, em Alvalade, o Sporting estava a fazer um bom jogo com o Guimarães. A certa altura, um atacante sportinguista caiu na área do adversário e, na bancada onde eu estava, houve um imenso berro de "penalti". O árbitro não marcou.

Talvez porque, antes dos meus 20 anos, fiz um curso de arbitragem de futebol, "tenho a mania" de ser rigoroso nas minhas análises. Sou completamente incapaz de, por cegueira clubista, achar que houve falta... quando não houve! (Embora, muitas vezes, não me importe que o árbitro marque, mas isso é outra questão.)

Naquele instante, no seio de uma homogénea bancada leonina, saiu-me um imprudente: "Não foi penalti!" O que eu fui dizer! De "lampião" para cima (porque, no seio do Sporting, é o mais baixo qualificativo insultuoso existente) fui apodado de tudo (lembras-te, Tó Zé?). E não fora dar-se o caso do jogo estar a correr bem para o Sporting e o meu gesto podia ter-me saído bem caro.

Nessa tarde, decidi definitivamente deixar a honestidade técnica à porta dos estádios.

Alain Juppé


Acabou, em definitivo, a carreira política, à escala nacional, de Alain Juppé. Com a sua (hoje reiterada) recusa em avançar como candidato presidencial, em substituição de um desgastado François Fillon, o político de Bordéus colocou um ponto final num percurso público que prometeu bastante mais do que conseguiu efetivamente concretizar. 

"O melhor de entre nós", como lhe chamava o seu grande mentor, Jacques Chirac, acabou por ter um destino nacional limitado, de certo modo sucedendo-lhe algo parecido a um seu prometedor conterrâneo, que também não conseguiu ultrapassar a soleira do Eliseu, Jacques Chaban-Delmas.

Alain Juppé foi ministro e primeiro-ministro de França, tendo em tempos sido condenado por uso indevido de bens públicos, num processo em que, ao que tudo indica, protegeu e pagou por Chirac, o que o levou a uma penosa "travessia do deserto", em parte no Canadá. É impressionante a descrição que faz, num dos seus livros, das horas que passou, detido, numa fronteira americana, expiando o cadastro passado, que a burocracracia policial dos EUA não esquecera. Apesar de tudo, e não obstante o seu caráter algo arrogante, a França parecia ter-lhe perdoado esses pecadilhos do passado, colocando-o, nos tempos de hoje, na prateleira reverenciada dos "senadores" da República.

O gaullismo de Juppé - tal como o de Chaban-Delmas, de quem Delors fora adjunto - era marcado por uma leitura muito mais social e muito menos liberal do que a de François Fillon. Por essa razão, da mesma forma que acontecera em 2003 com Chirac, alguma esquerda poderia, numa hipotética segunda volta com Marine le Pen, dar-lhe com maior facilidade o seu voto. 

Mas esse, curiosamente, terá sido o "defeito" que fez com que tivesse sido ultrapassado, com surpresa maioritária, por Fillon, nas Primárias da direita. O radicalismo conservador do "Les Republicans" - nome atual do partido da direita democrática, que já foi UMP, RPR e coisas outras - está manifestamente a aproximar-se da perigosa fronteira com a extrema-direita, cedendo programaticamente a alguns dos seus slogans, como Sarkozy já demonstrara. Juppé, que reflete uma versão moderna do "gaullisme de gauche", estava assim já em "terra de ninguém" em matéria de apoio partidário. E, por isso, sai hoje de cena, sem glória mas com alguma honra política.

Entrevista

Dei uma entrevista de quatro páginas ao semanário "Sol", publicada na edição do passado sábado, sobre questões de política interna e externa.

Não há link na edição on-line nem é viável transcrever aqui o longo texto da conversa com o jornalista Sebastião Bugalho.

domingo, março 05, 2017

1974 revisitado


Andávamos por cafés, bares e tascas, usando o nosso melhor francês e um então mais fraco inglês, explicando a velhos esquerdistas nostálgicos e a jovens marxistas aturdidos que nos procuravam, vindos da estranja, quem era quem nesse Portugal revolucionário que nos enchia as ruas. Traduzíamos MDP ou MRPP ou PCP-ML (explicando mesmo que este tinha duas fações) a ouvidos que entendiam muito mal esse multiplicar diário de siglas, o que as distinguia, o que cada grupo propunha de diferente. (Alguns de nós também, verdade seja!)

A Revolução portuguesa de 1974 trouxe o nome de Portugal pelas bocas espantadas do mundo. De um país ignoto, com uma ditadura cinzenta que alimentava um ridículo e tardio sonho colonial, Portugal encheu por meses capas e primeiras páginas da imprensa, em especial europeia, surpreendida por uns militares sorridentes que anunciavam querer devolver o poder ao povo, no amanhecer de uma revolta quase sem sangue, com flores, música e muita alegria.

A Revolução não foi só isso, algumas coisas não correram tão bem como se desejaria, diferentes leituras do futuro confrontaram-se com algum estrondo, sabemo-lo hoje. Mas, usando por uma vez a imagem do déspota beato de Santa Comba, "em política, o que parece é". E parecia e era uma Festa bonita, que trouxe amanhãs que cantaram uma liberdade que "já cá canta" há quatro décadas.

Agora, com outra serenidade, a Geringonça surpreende alguma Europa, pelo ineditismo da fórmula, pela "conversão" pragmática (por quanto tempo?) da "esquerda da esquerda", lado-a-lado com um PS que procura - e tem conseguido - fazer a "quadratura do círculo", respeitando os compromissos europeus, sob a bênção sorridente de um presidente improvável, vindo da direita para ajudar uma estabilidade que assenta na esquerda.

A capa desta revista italiana, que hoje apanhei na net, diz muito da surpresa de quem nos olha de fora. No título, "sinistra" significa "esquerda". É assim para os italianos... e para alguma direita!

Macron


Ontem, alguém lembrava: "aquilo em França é tudo em "on": é o Macron, é o Fillon, é o Hamon, é o Mélenchon...".

Se a direita democrática não se vir livre rapidamente de Fillon (o nível de assistência ao comício no Trocadero, em Paris, daqui a horas, pode ser um fator decisivo - e, em princípio, vai chover), colocando Alain Juppé no seu lugar, a probabilidade de ter Emmanuel Macron no Eliseu é muito elevada. Grande parte do PS, que não aceita Hamon, está a passar-se para o seu lado.

Macron afirma que não é nem de direita nem de esquerda - o que é uma frase típica de quem é de direita, como a História nos ensina, sem uma única exceção. (A regra é igualmente válida para quem diz que "essa coisa de esquerda e direita é uma dualidade ultrapassada e sem sentido")

Faz-me lembrar um colega da Carreira, um homem simpático que, para o meu gosto, tinha uma coreografia opinativa demasiado mimética com os poderes de turno e que um dia apregoava, em tempos de prevalência conservadora pelos claustros, ao serem-lhe lembradas algumas anteriores ligações à esquerda: "eu não sou de esquerda nem de direita, sou alentejano". Tá bem, abelha!

sábado, março 04, 2017

Miguel Lobo Antunes


Sou muito suspeito, sou amigo do Miguel, por quem tenho uma grande admiração, pelo que é e por tudo quanto soube construir ao longo da vida, com azares e muitas coisas boas pelo meio. Fizemos "tropa" juntos, temos algumas ideias (nem todas) em comum, mas eu tenho melhor feitio do que ele (o que, aliás, é fácil).


A seu convite, faço parte de uma "conspiração do bem" que ele criou há vários anos, uma combinação improvável de pessoas que discretamente se dedica, sem a menor agenda de interesses, a refletir sobre os caminhos de futuro para o país - e que deve ser a única "tertúlia" no mundo que reúne às 9.30 da manhã (temos água e café de borla).

Gostei agora de uma entrevista que deu, feita, com a serenidade inteligente de sempre, pela Ana Sousa Dias, onde ele se mostra perplexo com a reforma que aí (lhe) virá.

Não te preocupes, Miguel! O ativo ou a reforma não são categorias que se excluam mutuamente. Conheço muita gente que, estando teoricamente "no ativo", está "reformada" há muito, às vezes desde sempre. E, tal como tu, também conheço alguns "maduros" para quem estar tecnicamente reformado significa apenas ter conseguido muito mais tempo para aquilo em que quer manter-se ativo.

Welcome to the club, old chap!

(Leia-se a entrevista aqui)

Um estranho almoço

Há pouco, entrei no carro e "olhei para trás", para o longo almoço que hoje tive, com amigos, em casa de outros amigos. Foram mais de cinco horas de conversa, bem acompanhada por belas vitualhas e líquidos adequados. Um almoço divertido, bem disposto, com muitas histórias e ironias qb.

Contudo, foi um almoço estranho. Porquê? Porque nessas cinco horas não se falou do livro de Cavaco, dos SMS de Centeno, de Passos Coelho, de António Costa, de Núncio, dos "offshore", do jornalismo de José Gomes Ferreira, de Ricardo Salgado, de Carlos Alexandre, de Sócrates, das eleições no Sporting, quase nada de Trump, das eleições francesas, do Brexit, da salgalhada europeia.

E, no entanto, falou-se de tanta coisa! Um magnífico almoço.

sexta-feira, março 03, 2017

Angola e nós


Fui diplomata em Angola na primeira década pós-independência. Luanda era uma cidade sitiada, a guerra civil abrangia grande parte do território, mantinha-se uma forte presença cubana, civil e militar, a África do Sul apoiava militarmente a Unita, sedeada na Jamba, com apoio americano. A Guerra Fria estava a poucos anos do seu termo, mas Angola era então uma das suas trincheiras mais evidentes. 

Todos os dias, na embaixada, olhávamos para o « Jornal de Angola », esperando a diatribe do dia contra Portugal. A Unita passeava-se por Lisboa, era apoiada por portugueses, tinha acesso à nossa comunicação social. Tornava-se impossível explicar às autoridades angolanas que, menos de uma década passada sobre o 25 de abril, não era sensato esperar que os governos de Lisboa pudessem  limitar a expressão e a liberdade de movimentos dos opositores do regime de Luanda, muitos deles beneficiando do facto de terem nacionalidade portuguesa. 

Há poucos países de expressão portuguesa de cujos cidadãos eu me tenha sentido mais próximo do que dos angolanos. Vivendo uma realidade diametralmente diversa, com um regime cujo funcionamento e práticas nada têm a ver connosco, nem por isso os angolanos deixam de ter algo que se nos assemelha – nas qualidades e nos defeitos. Um dia, Venâncio de Moura, que foi ministro das Relações Exteriores de Angola, dizia-me, a brincar, numa conversa, em que eu comentava precisamente naquele sentido : « Nós, angolanos, tal como vocês, somos latinos », assim justificando a forma expansiva daquele povo magnífico, cujo destino histórico tem incorporado um sofrimento recorrente.

Há dias, um incidente judicial, com contornos políticos, voltou a agravar as relações bilaterais. Se acaso eu encontrar, daqui a horas, um qualquer amigo angolano – e tenho vários e bons – e lhe disser, com a verdade iniludível dos factos, que o governo português nada pode fazer face à autonomia do Ministério Público, pelo que é totalmente injusta a imputação de responsabilidades políticas e o alarido que isso provocou em setores de Luanda, quase que apostaria que ele acabará por me dar razão. Os angolanos, lá no fundo, sabem bem que as coisas são assim, que ninguém terá ficado mais desagradado pela coincidência temporal das revelações de um processo do que a nossa ministra da Justiça, originária de Angola e oriunda do próprio Ministério Público português, e que viu o incidente cancelar a sua deslocação oficial a Luanda.

Há quem, em Portugal, esteja apostado em prejudicar as relações com Angola ? Claro que sim, mas aí a « reciprocidade » é total… Por isso, só resta ter sangue frio e esperar.

quarta-feira, março 01, 2017

François Fillon

Vai ser penoso assistir à campanha eleitoral da direita democrática francesa, a partir de agora. Não obstante a Justiça ter decidido avançar no processo que envolve os alegados empregos fictícios da sua família, pagos pelo erário público, François Fillon optou por manter a sua candidatura. Fillon joga o "tudo ou nada", numa obstinada ambição de quem desenhou, de há muito, um futuro que pensava acabar no Eliseu. E que pode, afinal, acabar muito mal.

Veremos como reagirão agora os seus apoios políticos e, em especial, se Fillon conseguirá continuar no terreno sem sobressaltos humilhantes. É que nada indica que o "affaire Fillon" deixe de continuar no centro da campanha. 

Será isto uma boa notícia para Marine le Pen, não obstante ela também estar a braços com "trapalhadas" financeiras no Parlamento Europeu? E Emmanuel Macron terá a vida facilitada, agora que os socialistas franceses parecem fortemente divididos quanto a Benoît Hamon?

Não fosse a circunstância de passar pelo desfecho presidencial francês parte importante do futuro coletivo europeu, observar esta eleição podia ser um exercício divertido.

Diplomata de Abril

«Nada mata mais um escritor do que obrigá-lo a representar um país», disse um dia Julio Cortázar, citado por José Fernandes Fafe nas «Conversas durante anos» (Almedina 2002) que António Silva com ele teve. Não para concordar necessariamente com a asserção, mas para questionar ironicamente essa dicotomia nem sempre fácil de assumir. Na limitada abertura a quadros exteriores à carreira diplomática tradicional, que o poder democrático subsequente à ditadura decidiu levar a cabo a partir de 1974, José Fernandes Fafe, ao lado de Coimbra Martins, Álvaro Guerra e José Cutileiro, figura entre as personalidades oriundas da área cultural que vieram a ser escolhidas.

Ser o nosso novo homem em Havana foi o desafio que Mário Soares, então ministro dos Negócios Estrangeiros, lhe lançou, quem sabe se lembrado de uma viagem clandestina que ambos haviam feito à ilha de Fidel, em meados dos anos 60. Fafe partilhava, há muito, uma sedução geracional pela revolta que havia deposto Baptista. Uma simpatia que tinha menos de ideológico – Fafe era um socialista moderado, com um pendor liberal – e bastante mais de romântico. Ele fora «David Alport», o pseudónimo com que assinou, para escapar ao crivo da ditadura portuguesa, aquela que é hoje considerada uma das primeiras biografias de Che Guevara. 

O novo embaixador beneficiava da boa vontade política junto do regime cubano, num tempo em que alguns militares e outras figuras da Revolução portuguesa se deliciavam em romagens à terra dos heróis do «Granma». A memória das Necessidades guarda a ideia de que a densidade objetiva das nossas relações com Cuba estava, à época, algo aquém daquilo que uma figura com o prestígio e os excelentes contactos de Fernandes Fafe poderia ter proporcionado

Daí que, para essa memória coletiva da nossa ação externa, o seu posto seguinte, o México, se tenha consagrado como um ponto particularmente alto – eu diria, na perspetiva de um profissional da casa, aquele que o tornou verdadeiramente «one of us». A profunda interação cultural que aí conseguiu levar a cabo, com presença constante na imprensa e nos meios da cultura, viria a ser muito marcante, num  país onde a imagem das ditaduras ibéricas permanecia ainda forte, com culturas de exílio a misturarem-se com os novos tempos. Mas seria ainda no México que Fernandes Fafe se iria «libertar» do estigma redutor que, um pouco por todo o mundo, sempre persegue as figuras da cultura convertidas à diplomacia: no forte impulso que deu às relações económicas bilaterais, nomeadamente aquando da sensível questão do abastecimento petrolífero a Portugal, as «esporas» de um embaixador completo viriam a assentar definitivamente a Fernandes Fafe.

Mas a cultura, com naturalidade, regressaria ao seu horizonte. Por um par de anos, o papel de embaixador itinerante para esse domínio caiu-lhe que nem uma luva. Diga-se que, com o brasileiro Celso Cunha e Lindley Cintra, Fernandes Fafe foi então um dos autores de um estudo sobre uma estratégia para a Lingua Portuguesa que ainda hoje ganharia em ser revisitado. Foi, aliás, nessa qualidade que o cruzei pela primeira vez, ao tempo em que eu próprio era diplomata em Angola.

Acabaria por ser também um país de lusófono, Cabo Verde, o seu terceiro posto de destino. Um país onde trabalhou muito e bem, como todos reconhecem. Cultura e economia foram pontos fortes dessa sua ação, marcada também pela dinamização do apoio às várias instituições do país, através das estruturas congéneres portuguesas. O êxito atual de Cabo Verde, o seu papel de «benchmark» para a África, rima muito com essa sua linha de trabalho.

A carreira de Fernandes Fafe viria a reencontrar a América Latina naquele que seria o seu último posto: Buenos Aires. Um desafio aos 63 anos, numa embaixada onde teria, contudo, um mandato curto. Dois anos depois, como mandava a lei, regressava a Lisboa.

José Fernandes Fafe foi um diplomata de abril, uma figura que levou o seu prestígio intelectual para as estruturas da política externa portuguesa. Serviu o país com brilho, empenhamento e qualidade. O seu desaparecimento, aos 90 anos, é um momento triste para a nossa diplomacia.

(Artigo hoje publicado no "Jornal de Letras")

Mónica Ferro


Mónica Ferro, professora universitária no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, foi escolhida para diretora regional do Fundo das Nações Unidas para a População, no âmbito da ONU. É muito prestigiante para Portugal ver uma cidadã nacional assumir este lugar, uma decisão que, simultaneamente, representa um reconhecimento das qualidades de Mónica Ferro.

Pessoalmente, tenho muita pena de vê-la abandonar a equipa do programa "Olhar o Mundo", da RTP, onde temos sido colegas nos últimos anos. Mas esta é também, de uma certa maneira, uma distinção mais para o programa dirigido por António Mateus. 

Voltaremos a encontrar-nos, pela certa, nos nossos jantares do "dream team" e, quem sabe?, talvez antes disso em Genève, onde já sinto falta de espiolhar os livros da Payot.

terça-feira, fevereiro 28, 2017

Bonnie and Clyde


Olhei ontem para ambos, ainda antes da "gaffe' patética que involuntariamente protagonizaram nessa gala dos Óscares, e tive algumas saudades. De mim, confesso. Nessa noite do Porto, há quase meio século, num cinema então novo junto à Costa Cabral, por detrás do Estádio do Lima. Era o "Bonnie and Clyde", esse belo filme sobre a dupla de bandidos (só o cinema e a política tornam charmosos os bandidos), que dava ares de cinema europeu de autor (e, talvez por isso, fez tanto sucesso na Europa), mas eu, na altura, não fazia ideia do que isso era. Chovia, lembro-me, porque a sala tinha uma cobertura metálica onde isso se sentia, julgo recordar-me (mas posso estar equivocado). Debaixo do braço, levava comigo "A Capital", um novo jornal que era uma dissidência do "meu" "Diário de Lisboa", que trazia uma análise detalhada ao filme, num tempo em que a crítica cinematográfica não tinha necessariamente como finalidade mostrar-se ininteligível. Saí dali com amigos para o Ginjal, no Bonjardim, para acabar a noite. Aquelas imagens impressivas de Faye Dunaway e Warren Beatty, de armas na mão em carros "vintage", nunca mais me largaram. Por isso, vê-los entrar, algo trémulos, naquele palco, fez-me alguma impressão, agravada pela confusão que se seguiu. Depois, passou. Tudo passa, já aprendi.

Sócrates

Depois de ouvir com atenção José Sócrates na entrevista à TVI, defendendo-se das acusações que lhe são feitas no livro de Cavaco Silva, dei comigo a pensar que, depois de todos estes anos, ele acabou por criar uma relação estranha com o país: diga ele o que disser, isso só conforta o fervor dos seus apoiantes e alimenta a rejeição por parte dos seus críticos.

Que fazer?


Já lá não ia há um bom par de anos. Começa a fazer parte daquele tipo de restaurantes onde só volto quando verdadeiramente me esqueci da má impressão com que fiquei, da última vez que lá fui.

Há restaurantes maus ou medíocres a que regresso apenas por razões sentimentais - ou porque gosto muito dos donos ou porque vou com amigos a quem não quero dizer que não ou porque me dá jeito, por uma qualquer razão, pousar episodicamente por lá. Nesses, sei, à partida, que a experiência gastronómica vai ser desastrosa e, talvez por essa razão, valorizo ao máximo qualquer menor ponto que saia menos mau: "Olha! As batatas fritas até que nem estavam nada más!" ou "o pão e as azeitonas aproveitavam-se" ou "o café estava bom!" ou coisas residuais assim. Visito esses locais, como disse, por sentimentalismo ou por facilidade ou por oportunidade. Alguns são aquilo a que eu chamo restaurantes "sustentadamente maus": têm um nível de mediocridade à prova de bala ou de melhoria, os donos são já honestamente incapazes de perceber a falta de qualidade daquilo que nos servem e, pelo contrário, dizem com a maior candura que "as pataniscas, hoje, estão excecionais" - para depois nos chegar uma coisa amassarocada, com fiapos de bacalhau, altíssima, frita num óleo reciclado.

Mas este não. Este é um restaurante que já foi bastante bom, que teve nome, onde me desloquei várias vezes, ido de longe, com prazer, pela certeza segura de ir lá comer bem. Depois, as coisas começaram a "descarrilar". Há uns anos, ao tempo em que escrevia uma crónicas gastronómicas para a "Sábado", fiz uma visita "profissional" ao local. Ia com alguma esperança. Frustrada. No final, paguei a conta do meu bolso e acabei por não escrever nada. 

(As revistas e os jornais para os quais escrevo críticas gastronómicas só pagam se eu elaborar um texto para ser publicado. Ora eu só escrevo sobre aquilo que gosto; se não gosto de um restaurante, não digo rigorosamente nada sobre ele. Não quero correr o risco, irresponsável, de poder contribuir, com uma crítica negativa, que às vezes pode ter sido causada apenas por um mau momento da casa, para afetar um investimento e pôr em causa um negócio e postos de trabalho.)

Hoje, voltei ao tal restaurante. Comi mal? Mal não comi. Comi "assim-assim-para-mal", paguei excessivamente e, havendo por aí tantos restaurantes onde se come garantidamente bem, combinei comigo mesmo que nunca mais vou repetir aquela experiência. Ao despedir-me do simpático dono, a quem não fiz o mais leve comentário, tive a estranha sensação de estar a dizer o derradeiro adeus a um velho conhecido, que parte emigrado para a Austrália, a quem, com toda a certeza, nunca mais verei. Mas tem que ser assim.

(Qual é o nome do restaurante? Não digo, claro!)

segunda-feira, fevereiro 27, 2017

Gerald Kaufman


Gerald Kaufman, que acabo de saber que morreu ontem, aos 86 anos, era o "shadow Foreign Secretary" ao tempo em que Neil Kinnock era líder da oposição trabalhista. Eu vivia em Londres nesse período e seguia com atenção as prestações de Kaufman, uma voz muito respeitada, num período complexo para a construção de uma alternativa a Margareth Thatcher, que demoraria algum tempo a concretizar-se. Quando isso ocorreu, já sob a liderança de Tony Blair, Kaufman não seria escolhido para liderar a diplomacia britânica, tarefa que coube a Robin Cook. Recordo ainda que é dele a magnífica e assassina frase com que qualificou o programa esquerdista de Michael Foot, em 1983: "the longest suicide note in History".

Como se sabe, na terminologia britânica, os Ministros são designados por "Secretary of State" e aquiles a quem entre nós chamamos Secretários de Estado são apelidados de "Minister", o que muitas vezes confunde a nossa imprensa.

Kaufman tivera funções govenativas num anterior governo trabalhista e havia escrito, já em 1980, um curioso livro sobre o mundo da política governativa no Reino Unido, na relação entre os governantes e o "civil service". Esse livro tem por título "How to be a minister".

Um dia, estando no governo em Portugal como secretário de Estado, numa passagem por Londres, encontrei uma reedição do livro numa livraria e comprei-o. No avião para Lisboa, comecei a lê-lo. Os passageiros foram entrando e, como mais tarde vim a constatar, entre eles devia ir um jornalista. Porquê? Porque, uns dias mais tarde, numa daquelas colunas anónimas de imprensa tipo "Gente", lá vinha uma graça de que eu andava a ler um livro cujo título representava ambições que tinha... Enfim, a intriga, combinada com falta de cultura.   

domingo, fevereiro 26, 2017

Agora, a sério

Paulo Núncio assumiu a sua "responsabilidade política" no caso da listas das transferências para "offshores". Muito bem, dirão alguns. Menos bem, digo eu.

Porquê? Porque, enquanto secretário de Estado, Paulo Núncio não tem, à luz da Constituição, "responsabilidade política".

Leia-se o n° 3 do artigo 191° da CRP: "Os Secretários e Subsecretários de Estado são responsáveis perante o Primeiro-Ministro e o respetivo ministro". Essa é uma responsabilidade funcional.

Ora a CRP é muito clara no n° 2 do mesmo artigo 191°: "Os Vice-Primeiros-Ministros e os Ministros são responsáveis perante o Primeiro-Ministro e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, perante a Assembleia da República".

As coisas são muito evidentes. Paulo Núncio era responsável perante o seu Ministro e é este quem tem "responsabilidade política" face à instituição perante a qual o Governo e os Ministros respondem: a Assembleia da República.

Quero com isto dizer que a responsabilidade política pelo ato ou omissão do Secretário de Estado Paulo Núncio, ao longo dos anos, pertence aos Ministros de quem dependeu, Vitor Gaspar e Maria Luís Albuquerque. São estes responsáveis políticos que devem ser chamados a prestar contas perante a Assembleia da República.

Ou não será assim?

sábado, fevereiro 25, 2017

Máscaras de Carnaval

( Dos jornais: "Paulo Núncio assume responsabilidade política e demite-se de funções no CDS". )

Se eu tivesse funções políticas e tivesse que demitir-me, limitando ao mínimo o "estrondo" do assunto incómodo para o meu partido, fá-lo-ia num sábado à tarde, depois de publicados os cinco semanários com impacto político, ainda bem longe dos próximos "Quadratura do Círculo", "Expresso da Meia Noite" e "Governo Sombra". E então se houver um feriado de Carnaval a atenuar a mobilização político-mediática na semana seguinte, a "faena" em prol do esquecimento ficaria garantida.

sexta-feira, fevereiro 24, 2017

Crónica gastrófila


A crónica que publico na revista "Evasões", hoje distribuída com o "Jornal de Notícias" e o "Diário de Notícias", aprecia o restaurante "Costa do Sol", em Vila Pouca de Aguiar.

Pode ser lida aqui.

Falando de acordos

Ontem, na CNN Portugal, a propósito dos instrumentos jurídicos que, seguramente, estariam a ser preparados para a deslocação - afinal, ainda...