Para a minha geração política, António Almeida Santos era um nome mítico da oposição moçambicana ao salazarismo, ligado aos "Democratas de Moçambique" que, ciclicamente, causavam engulhos à ditadura, por ocasião das farsas eleitorais a que esta não se podia furtar. Foi assim com naturalidade que, em 1974, o vi surgir como ministro da Coordenação Interterritorial, esse nome rebuscado com que a Revolução crismou um Ministério do Ultramar em transição. Depois, como não podia deixar de ser, na raiva da diabolização, vi-o colocado no pelourinho por quantos foram vítimas inocentes de uma descolonização apressada e de desfecho inevitável, uma bomba-relógio criminosamente deixada avançar pela cegueira colonial.
António Almeida Santos foi um dos mais prolíficos legisladores do regime democrático. Senhor de uma escrita límpida e rigorosa, era um jurista eminente e a República deve-lhe muito. Ministro em diversos governos e em várias pastas, não conseguiu chegar à chefia do executivo quando Mário Soares a abandonou, muito por mérito da onda cavaquista que os fundos comunitários já começavam a adubar, nesses anos 80. Também nunca foi presidente da República, um lugar que lhe cairia como uma luva, mas em que os "timings" eleitorais o não favoreceram. Mas o seu período como presidente da Assembleia da República, quando melhor o conheci, ficou gravado como um marco naquela casa da democracia.
Tinha-o como um amigo certo, um homem sereno, ponderado e sempre disponível para quem o conhecia. Era senhor de uma palavra serena, de um juízo sólido, de conselho avisado. Sabia quando e como manifestar a solidariedade devida, como eu próprio tive o privilégio de apreciar. Guardo dele muitos daqueles cartões escritos numa letra límpida (como também era a do seu grande amigo Mário Soares), alinhada, desenhando palavras amáveis, às vezes com uma sugestão, outras com uma nota de simpatia. As mesmas palavras que trocámos, pela última vez, num almoço nas Amoreiras, um pouso gastronómico que curiosamente apreciava. Disse-lhe então que, há anos, o achava "sempre na mesma", com o um aspeto físico imutável. Respondeu-me: "o meu querido amigo nem imagina como esta "máquina" se vai estragando..."
A vida trouxe-lhe algumas fortes tristezas, talvez só compensadas pelo respeito e pela muita consideração que sabia gerar e cultivar nos outros, com naturalidade e imensa simpatia. Os socialistas devem-lhe a lealdade, o equilíbrio e o testemunho de quem soube unir diferentes gerações e protagonistas.
Tenho muita pena que uma inadiável missão de trabalho no estrangeiro me impeça de lhe poder deixar o último testemunho de uma amizade que não esquecerei.