sexta-feira, janeiro 29, 2016

Mesas


Na "Evasões" - á revista que às 6ªs é distribuída gratuitamente com o "Diário de Notícias" e o "Jornal de Notícias" - publico hoje mais uma despretensiosa croniqueta sobre um restaurante do país.

Desta vez foi o restaurante "Carvalho", em Chaves.

Pode ter o texto aqui, mas tem muito mais graça lê-lo na revista, que nos traz muitas outras dicas.

Sinais do tempo


Quando via como o Eusébio se arrastava pela relva artificial do Cosmos, para a coleta dos últimos dólares, quando a Amália se esganiçava com a idade e já nem dizia palavras, em espetáculos tristes que aplaudíamos por reverência, quando o Salvador fazia umas pontas deprimentes nas suas últimas passagens pelo Parque Mayer, e nós gargalhávamos por obrigação, sentia-me sempre um pouco mal. O presente não tem o direito de enterrar o passado, em especial quando este foi bonito.

Ontem, ofereceram-me o CD que reproduz um espetáculo de Sérgio Godinho e Jorge Palma. Com Fausto, ambos fazem parte da "troika" musical que me acompanha intimamente nas últimas décadas. Não me falha um CD de nenhum deles, garanto! Qual José Afonso, qual José Mário Branco, qual Adriano, qual quê! A mim, esse trio - e, por cá, só ele - faz parte da memória afetiva que trago permanentemente comigo. Por isso, "saí" muito mal deste CD. Caramba, os anos passaram! Mas não lhes digam! 

Ai Jerónimo!


O PCP, coitado, foi cilindrado nas eleições presidenciais. O candidato, Edgar Silva, foi, aliás, o menos culpado do descalabro, com uma campanha tão viva quanto o permite a mensagem que o partido transmite. Os comunistas não perceberam a tempo que muito do seu eleitorado cedo se transferiu, pela lógica do voto útil, para Sampaio da Nóvoa. Uma desistência em favor deste, a dois ou três dias do sufrágio, teria poupado esta humilhação.

Numa lógica que reproduz o partido brasileiro PMDB, que tem sempre uma parte na "base governista" e um setor na oposição, os comunistas procuram agora compensar o desaire saindo para "a rua" - essa "urna de voto" em que sempre se sentiram mais à vontade. E embora o governo socialista tivesse anunciado que, a seu tempo, retomaria as 35 horas que o anterior governo retirou à Função Pública, a CGTP de serviço saiu já à rua, não vá o diabo tecê-las. Sobre "a esquerda da esquerda", António Costa deve ter aprendido mais em escassas semanas do que em 40 anos da vida política que já leva.

No desvario do nervosismo da noite eleitoral - que me recorde, foi a única vez, desde o 25 de abril, que o PCP (ou os seus heterónimos frentistas) não teve uma "vitória", que é difícil mas é sempre deles! -, a Jerónimo de Sousa, homem sensato e cordato que costuma ser, saiu uma frase muito infeliz, ao dizer que o partido poderia ter optado por "uma candidata assim mais engraçadinha"

Foi o que se pode qualificar como uma graça "machista-leninista"...

Solmar


Soube há pouco que fechou a "Solmar"*.

O espaço fez parte de uma certa Lisboa, em especial noturna, nos anos 60. Porém, nunca fez parte da minha Lisboa. Sempre achei aquilo demasiado frio e incaraterístico, para o meu gosto. E, nos últimos anos, nas escassas vezes que por lá passei, à saída do Coliseu ou do Politeama, ficou-me uma imagem de algum descaso, com um serviço descuidado e distante, típico dos restaurantes com uma "morte anunciada". Há outros por aí...

Paz ao seu marisco!

ps - afinal parece que não!

Segurança europeia

Na passada terça-feira, no Instituto de Defesa Nacional, fui um dos oradores num debate sobre a "Estratégia global da União Europeia para a Política Externa e de Segurança". 

Há pouco, ao consultar alguns apontamentos em que assentei as minhas intervenções, dei-me conta de que terei porventura sido mais frontal do que habitualmente, nos comentários que então fiz. Neles coloquei em causa (e vi que alguns dos presentes poderão ter ficado chocados com isso, mas talvez a simplificação a que a língua inglesa nos conduz tenha tambëm alguma culpa nisso) a utilidade de um exercício que, a meu ver, não incorpora as "lições aprendidas" ao longo da mais de uma década passada desde um texto idêntico, datado de 2003. 

Fico com a sensação - e disse-o abertamente - que o mero compilar de interesses estratégicos, princípios, prioridades e implicações, em que supostamente todos estamos de acordo, pode ser "agradável à vista" mas esquece deliberadamente coisas muito importantes. Também não basta listar ameaças: é preciso hierarquizá-las e, nessa medida, priorizar os meios para lhes fazer face, com as implicações financeiras correspondentes. 

Desde logo, convém ter claro, e assumi-lo, o facto de não estarmos hoje todos no mesmo barco - desde a divisão Norte-Sul que o caso grego sublinhou, à divisão Oeste-Leste evidenciada pela crise dos refugiados e, noutra dimensão, nas perceções face ao caso ucraniano, passando pelos crescentes problemas internos que afetam a compatibilidade do comportamento de alguns Estados membros com a necessidade de observância com alguns princípios democráticos, de separação de poderes, de liberdade dos media, de respeito pelos refugiados, etc. Tudo isto afeta a nossa unidade, do mesmo modo que, em especial no último caso, atinge a autoridade da Europa como "produtor de segurança", reduzindo a sua legitimidade como "soft power" perante terceiros. 

Acho, além disso, muito cínico que não debatamos e iludamos (por inevitáveis? para não incomodar alguns?) questões como o modo bizarro como a UE trabalha nas Nações Unidas, com a França e o Reino Unido a furtarem-se à coordenação prévia com outros Estados membros no Conselho de Segurança. E reparo agora que não me lembrei de referir essa anomalia, hoje já interiorizada como normal, da Alemanha (e, às vezes, da França) se arrogar representar "de facto" a UE em contactos externos, como é o caso com a Rússia/Ucrânia ou a Turquia - com a senhora Mogherini, "dona" deste papel, a "vê-los passar". E não seria tempo de se fazer um balanço ao trabalho e resultados do Servićo Europeu de Ação Externa, bem como do "saldo" da sua articulação com a diplomacia bilateral dos Estados membros da UE?

Outro ponto que então destaquei, teve a ver com o quadro global das relações externas. O nosso "olhar" é tão eurocêntrico que parece que não cuida em destacar as mudanças sensíveis que se processam noutros espaços, desde a potencial influência, na relação transatlântica na própria configuração futura da NATO, da nova política dos EUA para a Ásia, os novos equilíbrios subregionais em África, as mutações ocorridas no mundo dos "emergentes" e as crises de representação institucional à escala global (instituições de Bretton Woods, G8 e G20, etc).

O que mais me chocou no texto apresentado foi o facto de, perante o "terramoto" em matéria migratória e de terrorismo por que a Europa está a passar, pela "casa em chamas" em que vivemos e que pode pôr em causa a sobrevivência do projeto europeu, agravado pelo afastamento britânico e pelas ameaças separatistas em alguns Estados, o texto burocrático preparado por Bruxelas transmita a sensação de que navegamos em feliz "velocidade de cruzeiro", num ambiente "business as usual", como se nada de grave se passasse. Fiz notar que esta aproximação é, em termos de "diplomacia pública", quase escandalosa e ofensiva para sociedades que vivem "stressadas" por crescentes angústias e dúvidas e que, seguramente, se sentirão chocadas por uma linha como a que é seguida pelas instituições de Bruxelas na preparação deste texto.

Os vidros do palácio


Pode parecer, mas estão longe de ser transparentes os vidros daquele “palácio”, na primeira avenida de Nova Iorque, onde se alojam as Nações Unidas. Aliás, “transparência” é uma palavra que não liga muito bem com aquela que é a mais opaca instituição de toda a constelação das organizações multilaterais. 

A complexidade do processo decisório e o rendilhado do seu rebuscado tecido de compromissos marcam a natureza de uma organização onde sobrevivem sólidos tabus, onde regras não escritas emergem de inesperadas solidariedades entre poderes que se combatem. Poderes que, conjunturalmente, se aliam em sentido construtivo mas que, infelizmente, as mais das vezes, condenam a ONU à inércia.

Que modelo de secretário-geral servirá melhor os equilíbrios do mundo em que hoje vivemos? Terá António Guterres o perfil para os tempos que aí vêm?

Olhando para os vários nomes que se sugerem, e sem o menor viés patrioteiro, quero dizer que o anterior Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados é, a grande distância, a personalidade mais bem preparada para o cargo. Alia cultura e visão políticas, experiência executiva no terreno e uma testada capacidade interlocução operativa. “Defeitos”? Não é mulher e esse fator hoje pode contar. Não é da Europa central ou de Leste e, no plano dos princípios, seria interessante que essa região finalmente pudesse indicar alguém para o lugar.

Mas as Nações Unidas, infelizmente, não vão escolher alguém exclusivamente pelo seu perfil curricular. Isso irá contar, com certeza, mas o passado ensina-nos que a seleção do nome passa por outros crivos, perfeitamente naturais numa estrutura de gestão coletiva de decisões.

A minha convicção mais profunda na matéria é simples. O próximo secretário-geral será alguém que a Rússia veja como não lhe podendo vir a causar a menor das surpresas, nomeadamente como possível factotum dos poderes ocidentais, nos próximos cinco anos, durante os quais procurará reganhar, sem cedências estratégicas de maior, a “respeitabilidade” entre as nações. Simultaneamente, terá também de ser alguém em quem Washington possa confiar como respeitador dos princípios essenciais da Carta, eventualmente tolerando algum voluntarismo, mas sempre muito realista e não demasiado ambicioso, alguém dotado de uma evidente capacidade para gerar consensos, ainda que diplomaticamente equívocos, desde que salvaguardem os equilíbrios de poder que os EUA têm por essenciais. Será secretário-geral quem conseguir esta “quadratura do círculo”. Os restantes 191 países, China incluída, acomodar-se-ão a esta equação bipolar, podem crer.

quinta-feira, janeiro 28, 2016

Por detrás do nevoeiro


É conhecida a graça jornalística britânica segundo a qual era o continente, nunca a Grã-Bretanha, que ficava “isolado” quando o nevoeiro se levantava na Mancha. O cultivo deliberado de uma identidade própria, bem como a capacidade para sustentar um frequente isolamento, foi algo que o Reino Unido sempre se habituou a fazer ao longo da sua presença nas instituições europeias. Por muito que as atitudes britânicas às vezes nos choquem, não podemos deixar de reconhecer que, a grande distância, o Reino Unido foi o país que melhor conseguiu que a sua ideossincrasia fosse respeitada e afirmada na Europa, ao longo das últimas décadas.

Por muitos anos, foi o laço transatlântico que deu o tom à especificidade britânica no quadro da integração continental. Sem chegarmos à teoria conspirativa francesa segundo a qual o Reino Unido funcionava como uma espécie de uma “quinta coluna” americana, é uma evidência que os britânicos usavam a special relationship para alimentar essa atitude distanciada. E, há que dizê-lo, fizeram-no muitas vezes com sucesso e viriam a encontrar, nesse tabuleiro de entendimento privilegiado com o “amigo americano”, uma espécie de elemento compensatório para as crises europeias.

Em muitos anos de convívio próximo com a excelente diplomacia do “Foreign Office”, nunca vislumbrei o menor embaraço da sua parte em sustentarem algumas posições “impossíveis”, às vezes com algum cinismo, outras vezes recorrendo a uma realpolitik quase obscena – como aconteceu no caso de Timor-Leste. Certos ou errados, com governos de várias colorações, os britânicos mantiveram-se sempre muito determinados na defesa da sua agenda nacional. Esta passava, sinteticamente, por três pilares: defesa dos direitos adquiridos em várias dimensões da vida institucional europeia, preservação de autonomia estratégica no plano externo, assente na preeminência do vetor transatlântico e da defesa da sua posição na ONU, e, last but not least, conservação dos privilégios da praça londrina, associada à permanente defesa de uma postura liberal no comércio internacional.

Os tempos mudaram para todos, e também para o Reino Unido. A relação transatlântica passa hoje por uma época menos “entusiasmada”, a capacidade britânica de projeção de influência e força já está muito longe de se poder sentir num mundo “onde o sol não se punha”, o seu tecido social interno sofre tensões que não só suscitam legítimas interrogações sobre a bondade do seu potencial integrador como induzem novos reflexos soberanistas que condicionam, a um grau nunca antes atingido, a gestão da sua política para a Europa.

David Cameron, o primeiro-ministro britânico, fez uma “fuga em frente” ao propor um referendo interno sobre a permanência na Europa. Perante uma opinião pública cultivada na diabolização de Bruxelas, uma operação desta natureza acarreta um elevadíssimo risco, que Cameron agravou agora ao colocar sobre a mesa uma agenda reivindicativa onde, a par de coisas de meridiana sensatez e passíveis de algum acordo, colocou alguns temas inegociáveis, que vão desde um “droit de regard” sobre a evolução da zona euro até uma derrogação dos direitos sociais dos migrantes. Os portugueses seriam aqui gravemente afetados e Londres sabe bem que isto, para nós, é inaceitável.

Foi um antecessor de Cameron, o lorde Palmerston, quem um dia afirmou que o Reino Unido “não tem amigos, só tem interesses”. Talvez os tempos tenham entretanto ensinado aos britânicos que podem ter algum interesse em ter amigos, mas que esses amigos – como é o nosso caso – não poderão estar com eles quando é o próprio Reino Unido quem se obstina em afetar os seus interesses.

quarta-feira, janeiro 27, 2016

O Irão e os seus hábitos

Agora que a decisão italiana de tapar algumas estátuas desnudas, nos locais por onde passou o presidente iraniano, na sua visita a Roma, está ainda a provocar reações por esse mundo fora, creio ser interessante contar um episódio ocorrido com a visita a Lisboa, a meu convite, de um vice-ministro do governo de Teerão, creio que no final de 2000.

Meses antes, eu tinha chefiado uma missão da União Europeia ao Irão, para diálogo político. Depois de um início algo atribulado, por virtude de acusações iranianas à UE por intromissão nos seus assuntos internos, as conversas acabaram por correr bem e, no rescaldo do exercício, o meu interlocutor disse-me da sua vontade de visitar Lisboa, agora no plano bilateral. Porque isso também era interessante para nós, nomeadamente no plano económico, ali mesmo lhe formalizei o convite. 

Meio ano depois, o vice-ministro para os Negócios Estrangeiros desembarcava em Lisboa. Como a sua chegada era da parte da tarde, decidi oferecer-lhe, bem como à delegação, um jantar de trabalho no palácio das Necessidades, a que se seguiria, no dia seguinte, uma sessão plenária, com a presença de representantes de vários ministérios. A ideia foi aceite pela embaixada iraniana em Lisboa, a qual,  no entanto, informou que desejaria que não houvesse vinho ou qualquer outro tipo de álcool à mesa. Mandei informar a delegação iraniana de que, naturalmente, lhes não seriam oferecidas bebidas alcoólicas. No entanto, para os portugueses presentes, haveria vinho, se acaso quisessem. A resposta da embaixada foi clara: nesse caso, não estariam disponíveis para jantar. Na sua perspetiva, não seram admissíveis bebidas alcoólicas à mesa.

Devo confessar que estava já à espera de uma reação destas, pelo que mandei transformar o jantar num pequeno-almoço de trabalho, num hotel. Os iranianos não devem ter apreciado muito, mas aceitaram. Cheguei à hora combinada, acompanhado por quatro senhoras. Notei, na cara do meu interlocutor, um visível desagrado. Como é sabido, os iranianos não cumprimentam as senhoras, ou melhor, não lhes estendem a mão e colocam a sua sobre o próprio peito. Pelo "body language" getal, deduzi que estavam a considerar a composição da nossa delegação como uma evidente provocação.

Sentámo-nos à mesa e fiz as apresentações: era a minha chefe de gabinete, a diretora do serviço do Médio Oriente e do Magrebe, a diretora do serviço de Política Externa e de Segurança Comum e, se ainda bem me lembro, a diretora do serviço das Relações Externas, na área europeia. A avaliar pela súbita mudança dos fácies, os iranianos sossegaram. Afinal, aquelas senhoras estavam ali, não por uma escolha propositada, para os provocar, mas pelo facto de titularem funções indiscutíveis no quasro da nossa política externa.

Não faço ideia que impressão íntima esta presença maciça de mulheres em cargos dirigentes da nossa diolomacia terá feito na delegação iraniana, mas a única certeza que tenho é que isso os não deixou indiferentes. Cada terra com seu uso...

"Jornal de Negócios"

Passarei, de futuro, a colaborar periodicamente com o "Jornal de Negócios", que acolherá textos meus sobre questões europeias e internacionais. A coluna chamar-se-á "Duas ou três coisas"...

Agradeço à Helena Garrido e à sua equipa a sua "hospitalidade".

Egito


Foi há cinco anos. Eu tinha passado no Cairo escassos meses antes. Sentia-se uma tensão latente, os sinais islâmicos pelas ruas eram muito mais do que aqueles que tinha visto num passado não muito distante. Lembro-me de ter perguntado ao guia, um homem muito culto, a razão de ser daquele surto de véus, na cabeça de imensas raparigas, e de ele me ter respondido: "Isto é como uma farda. Só se espero que não haja "guerra"..." O Egito era então uma ditadura militar, dirigida pelo general Mubarak, um fiel aliado dos Estados Unidos, um dos pilares ocidentais na região. Um dia, as reivindicações democráticas, ecoando a "primavera" que surgira na Tunísia e começava a insinuar-se na Líbia, explodiu e "incendiou" a praça Tahrir. Algum mundo rejubilou com a expressão da vontade de liberdade no Cairo. Por semanas, todos acompanhámos pelas televisões esse acampamento de esperança. Penosamente, aos poucos, a ditadura foi cedendo e Mubarak acabou por ser preso. Realizaram-se eleições, tidas por livres. Ganharam os grupos islâmicos, que, desde há muito, contestavam o regime militar inaugurado por Nasser, em 1956. Chegando ao poder pelo voto, a nova liderança islâmica tentou criar formas de aí se eternizar. Um dia, já cansados desta experiência e da disrupção que ela induzira no país, os militares colocaram-lhe um violento ponto final. Um novo general, com o nome bizarro de princesa austríaca, Sissi, assumiu o poder. O mundo ocidental protestou, franziu o sobrolho e publicou os tradicionais comunicados. O general por lá continua. Para passar à História como sucessor natural de Mubarak só lhe resta vir a ter o apoio (mais) declarado do Ocidente. A realpolitik tem muita força. Por isso, já faltou mais. Nesse dia, o ciclo fechar-se-á, já repararam?

terça-feira, janeiro 26, 2016

Daqui a pouco...


... reunião de condomínio!

"Gender balance"


É dos meus olhos ou começa a haver, no seio das lideranças do Bloco de Esquerda, um princípio de falta de respeito pelo "gender balance"?

Sarkogaffe



No novo livro de Nicolas Sarkozy, de que aqui havia falado há dois dias, o autor refere a campanha de "uma rara violência" entre George W. Bush e Barack Obama, na primeira eleição deste. mostrando-se surpreendido pelo facto do atual presidente americano, não obstante esses tensos momentos, se ter disponibilizado para uma iniciativa pública com o antigo presidente.

É sabido que as campanhas eleitorais, nos Estados Unidos, são sempre muito aguerridas. Acontece, no entanto, um pequeno, quiçá despiciendo, pormenor. O adversário de Obama não foi Bush, que já tinha terminado o seu segundo mandato, mas sim John McCain...

Acontece aos melhores, não é? Que Sarkozy estivesse distraído, tudo bem, mas não houve uma alma caridosa que tivesse descortinado a "gaffe" antes do livro ser impresso? Que amadorismo, para quem cultiva a ambição de regressar ao Eliseu!

segunda-feira, janeiro 25, 2016

Marcelo ou Rebelo de Sousa?

Por que dizemos "Marcelo"? Por que não dizemos "Rebelo de Sousa"? O que é que criou esta designação, algo intimista, que se colou à imagem do novo presidente?

Se olharmos para a política portuguesa, apenas muito raros líderes masculinos com uma relação afetiva com os seus apoiantes conseguiram ser chamados, com naturalidade, pelos seus nomes próprios: Vasco (Gonçalves) e Otelo (Saraiva de Carvalho), goste-se ou não deles, foram disso exemplo. Dos restantes, de Sá Carneiro a Soares, de Eanes a a Cunhal, de Sampaio a Barroso, de Cavaco a Sócrates, nunca o nome próprio de um político relevante se impôs no imaginário público. Até Maria de Lurdes Pintasilgo ficou conhecida pelo seu apelido.

Posso estar enganado, mas creio que o verdadeiro "criador" desta designação, que "pegou" na linguagem comum do país, deve ter sido o primeiro locutor (da TSF? da TVI?) que o designou como "professor Marcelo" e não como "professor Rebelo de Sousa" - como se diz "professor Sampaio da Nóvoa" ou se disse, por muito tempo, "professor Cavaco Silva". É claro que, nos meios públicos, todos já dizíamos, há muito, "Marcelo" e isso não terá sido sem efeitos.

Com esta expressão nominativa simplificada, em que o "professor" nos remete para a escola, para o educador que avalia e "dá notas", Marcelo Rebelo de Sousa acabou por tornar mais próxima dos portugueses a sua figura. Só se chama pelo nome próprio quem nos está (ainda que virtualmente, como foi a televisão) próximo, mas também quem tem uma imagem de bonomia que seja compatível com essa designação. Ninguém está a ver Cavaco Silva ser apelidado de Aníbal... Ora Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu isso por via mediática e, dessa forma, ganhou o "Marcelo" que lhe pode facilitar a ligação aos portugueses. Está nas mãos dele conseguir isso. Ou não.

domingo, janeiro 24, 2016

Presidente Marcelo Rebelo de Sousa

O voto inequívoco dos portugueses colocou Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém. Não era este o meu candidato, mas este será, a partir de agora, o presidente da minha República. 

Por aqui coloquei, em diversas ocasiões, as dúvidas que conduziram a que não lhe desse meu voto. Espero, com toda a sinceridade, ter estado errado na avaliação que fiz. Espero que Marcelo Rebelo de Sousa me surpreenda. 

Carmona Rodrigues

Carmona Rodrigues foi, há dias, absolvido. Alguém sabe de quê? Eu não sabia, mas desconfiava. Era de "prevaricação". Ninguém o acusou de ter metido indevidamente um tostão ao bolso, de ser corrupto, de ter beneficiado de bens públicos. Ninguém o acusou de ser desonesto e isto é o mais importante.

E, contudo, se se perguntar a muitos portugueses o que acham de Carmona Rodrigues, bastantes dirão algo como isto: "Foi acusado lá na Câmara da Lisboa. Questões de dinheiro, pela certa! Não há fumo sem fogo! E eles acabam todos absolvidos, já se sabe!"

Praticamente, não conheço Carmona Rodrigues. Creio que falei com ele uma única vez, num jantar, há muitos anos. Não faz parte da minha "família" política, não temos amigos comuns, não há nenhuma razão especial para eu estar aqui a escrever esta nota.

Ou melhor, há: é a raiva que sinto com o facto da justiça portuguesa, no vai-e-vem das suas sentenças contraditórias, da politização frequente dos seus procedimentos, na inimputabilidade dos atrasos dos seus magistrados e serviços, nos ter retirado (para sempre?) toda a confiança no sentido das suas decisões.

Num país decente, Carmona Rodrigues devia ser ressarcido, após a absolvição, do labéu que sobre si foi um dia lançado. Quem o acusou, indevidamente, deveria ser "condenado", pela comunicação social, por ter manchado o bom nome de um cidadão que, um dia, se dispôs a servir a causa pública.

Por cá, as coisas não são assim. "Não há fumo sem fogo", é a frase canalha, da mesa do café ou da esquina da intriga, que corroi as instituições e revela a mentalidade "Correio da Manhã" do país em que hoje nos transformámos.

Um abraço solidário a Carmona Rodrigues, pessoa que não conheço.

Se houver segunda volta...


Não há a menor dúvida de que, logo à noite, Marcelo Rebelo de Sousa será o candidato mais votado. Também é claro que a segunda escolha irá para Sampaio da Nóvoa.

A grande questão está em saber se o candidato mais votado não ultrapassa os 50%, caso em que teria de ir a uma segunda volta. Se isso vier a acontecer, as próximas duas semanas de campanha serão muito interessantes.

Para o governo, uma segunda volta seria positiva, porque reforçaria a unidade das formações de esquerda à volta de Sampaio da Nóvoa o que funcionaria como uma sinergia de reforço da aliança política que apoia o executivo.

Devo dizer que não sei se, mesmo nessas condições, Nóvoa teria hipóteses de colmatar o "gap", em termos de votos, que irá ter face a Marcelo. Como também não sei se o eleitorado que apoia Maria de Belém, que irá ter um mau resultado, se transferiria necessariamente para Nóvoa.

É curioso que, se acaso tudo se tivesse passado ao contrário, isto é, se acaso Maria de Belem estivesse em melhor posição do que Nóvoa, as coisas seriam muito diferentes: toda a esquerda votaria nela, numa hipotética segunda volta, sem a menor hesitação. Mas é hoje evidente que o eleitorado de esquerda se revê muito mais num candidato como Sampaio da Nóvoa do que em Maria de Belém e que parte dos votos que esta obtiver nunca iriam para o candidato da esquerda. Muitos poderiam mesmo ir para Rebelo de Sousa. E isso muda toda a equação.

Voltando ainda ao interesse de António Costa e do governo numa segunda volta, há um aspeto a ter em conta. Se acaso a bipolarização e a confrontação viesse a ultrapassar um certo limite de tensão, e se Sampaio da Nóvoa acabasse afinal por não ser eleito, o governo teria perante si um novo presidente que os partidos seus apoiantes tinham acabado de combater fortemente. Por essa razão, não acredito que António Costa, mesmo na hipótese de uma segunda volta, se envolva demasiado na campanha. É que seria imprudente quebrar as "pontes" com um possível presidente Rebelo de Sousa. Percebo que isto possa parecer cínico para alguns, mas é a realidade.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, uma segunda volta, a acontecer, não deixaria de ter consequências políticas importantes. Contrariamente ao que ocorreu até agora, Marcelo necessitará da máquina da direita - ou, pelo menos, da máquina do PSD - para o ajudar a defrontar a mobilização que o conjunto dos partidos de esquerda farão em torno de Nóvoa. Ora isso funciona precisamente contra a "imagem" que, até agora, procurou criar: a de um candidato "transversal", que entra por algum eleitorado de esquerda através do fator "simpatia". A "despolitização" de Marcelo tem sido a chave do seu sucesso nas sondagens. Duas semanas de campanha com a máquina PSD ao lado transformarão necessariamente o candidato "mainstream" naquilo que ele, na realidade, é e tenta esconder: um político de direita. E isso tornará tudo muito mais verdadeiro.

Mas, para que tudo isso aconteça, é preciso que haja uma segunda volta. Logo veremos.

França: a direita em papel


Coincidindo com a decisão da direita francesa de organizar, no final deste ano, umas eleições "primárias" para a escolha do seu candidado presidencial em 2017, surgiram a público vários livros assinados pelos potenciais contendores. O mais recente é o Nicolas Sarkozy, publicado nesta sexta-feira e que, a avaliar pelos comentários da imprensa, apresenta uma versão escrita da postura "j'ai changé!", com que o antigo presidente se apresentou não há muito tempo numa célebre entrevista à TF1.

Ninguém em França acredita que Sarkozy tenha mudado. Mas cai sempre bem dar um ar de humildade, de arrependimento, porque talvez seja esse o caminho para tentar atenuar a elevadíssima taxa de rejeição que as sondagens mostram a seu respeito. Sarkozy mudou entretanto o nome do partido UMP para "Les Republicans" (em França isto é vulgar acontecer à direita e ao centro, embora menos à esquerda), num "rellabeling" que também quer fazer presumir mudanças de rumo. Veremos em que medida terá sucesso nesta operação, perante um país que, em 2012, se revelou exausto da sua "hiperpresidência", da sua agressividade e com crescentes dúvidas sobre a sua distância face a certos "affaires". Agora, o "novo Sarkozy" quer sugerir-se como "protetor" dos franceses, procurando evitar que a sedução do "Front National" de Marine Le Pen se acentue. Resta saber se não acabará por reproduzir a agenda da extrema-direita, como muitas das suas atitudes recentes parecem indicar.

Sarkozy não está isolado nesta sua nova aventura editorial (em França, um político que não publica um "bouquin" todos os dois anos praticamente não existe). Desde logo, das cinzas da última eleição interna dentro da ex-UMP, "renasceu" Jean-François Copé, o "maire" de Meaux, uma figura muito controversa, que tenta um "comeback" com um livro "de ideias". Nas mesas das livrarias, vi também edições dos dois outros pretendentes ao Eliseu, os ex-PM François Fillon e Alain Juppé e o ex-ministro Bruno Le Maire. E anunciam-se publicações de mulheres que já foram "escudeiras" de Sarkozy e que agora se distanciaram, como Nathalie Kosciusko-Morizet, Nadine Morano e Valérie Pécresse. E outros aparecerão, pela certa.

Um amigo socialista francês comentava-me, há dias, que os próximos tempos da direita vão ser muito interessantes de seguir. E, maldoso, comentava: "Não sei se Valls ou Macron não se aventurarão a concorrer às 'primárias' da direita". Ora Manuel Valls e Emmanuel Macron são respetivamente primeiro-ministro e ministro das Finanças ... do atual governo socialista! Mas ambos têm uma posição política tão à direita que a anedota não deixa de ter algum sentido.

sábado, janeiro 23, 2016

A sobrinha


Caíram logo sobre mim, no final daquele jantar, há dias, em Paris, comemorativo da exposição (excelente, diga-se) de Julião Sarmento. Um após outro, com uma curiosidade gulosa, aqueles amigos declinaram, cada um a seu modo, a questão essencial: "então que tal foi a conversa com a sobrinha da Jane Fonda?"

Eu havia jantado ao lado de uma sobrinha da Jane Fonda?! Não sabia! 

O jantar tinha sido em mesas redondas, creio que com umas dez pessoas cada. Na minha mesa, à direita, ficou uma senhora nos seus "mid-forties". Havíamos falado de muita coisa, de termos coincidido em Angola durante três anos, nos idos de 80, quando ela era uma criança filha de um diplomata italiano (tinha na memória, como eu, o som das armas que, por noites seguidas, regularmente pontuavam o recolher obrigatório noturno). Contou-me do pai e das ideias, pouco comuns mas muito interessantes, que hoje cultiva, trocámos notas sobre livros (vários), ouvi-lhe um delicioso episódio passado com Isabel dos Santos, escutei-a sobre esse assunto fascinante (e, para mim, misterioso) que é a relação dos artistas com os curadores das suas exposições, relatou-me divertidas histórias sobre os galeristas e o seu mundo, deu-me notícias sobre uma certa Londres que me intriga e que ela conhece muito bem. Foi um jantar muito divertido, solto, bem disposto, ao lado de uma mulher elegante, risonha, inteligente e muito interessante ("não desfazendo" na companhia feminina do outro lado, que não vem para a história).

E se eu tivesse sabido que ela era sobrinha de Jane Fonda? Por certo, estando em Paris, a conversa iria ter a Roger Vadim (e à imbatível série das mulheres que teve, de que a tia dela fora um mero episódio), provavelmente perguntar-lhe-ia coisas sobre o avô (ou teria uma relação por afinidade?), Henry Fonda (escondendo-lhe eu, por recato, o sentimento de o achar um ator muito sobrevalorizado, sempre com ar "enjoado"), pelo tio, Peter Fonda (passando a conversa pelo inevitável "Easy Ryder" e talvez por umas suas polémicas declarações, há semanas, em que chamou "f...-traitor" a Obama), e, como é óbvio, falaríamos da senhora sua tia, que admiro pela coragem na denúncia da guerra no Vietnam, famosa pelos músculos do "workout" e, claro, pela sua filmografia (que nunca me convenceu muito) - eu que bem a conheço desde o (hoje ridículo) "Barbarella". E, claro, viria à baila o ex-tio Ted Turner, o ricaço da CNN, um liberal (no bom sentido, isto é, no sentido americano) com ar de cowboy, que conheci pessoalmente em Nova Iorque, que havia dado um bilião de dólares à ONU, para um fundo em cuja gestão tive o gosto de participar, durante um ano. Já imagino mesmo o muito vulgar "name-dropping" em que cairíamos (ou melhor, em que eu teria a tentação de cair, confesso). Até porque, finalmente, seria preciso falar sobre quem era a mãe dela (irmã de Jane? de um marido?). 

Feitas bem as contas, ainda bem que eu não sabia de quem a minha companheira de mesa era sobrinha. A conversa acabou assim por ser bem mais interessante. E, para aqueles amigos, ficou-me no "currículo": "Com que então numa grande conversa com a sobrinha da Jane Fonda, ehin?!"

sexta-feira, janeiro 22, 2016

Muito lá de casa...

Há umas semanas, publiquei este artigo. Revisito-o agora porque, creio, dele fica evidente o nome de um candidato presidencial em quem não votarei...

Um dos candidatos que estas eleições presidenciais oferecem à escolha dos portugueses é uma figura que, durante anos, entrou na nossa casa com grande frequência. Não tocou à porta, mas esteve connosco na sala, conversando sobre tudo e sobre todos, de futebol a política, de “faits divers” às finanças, da justiça aos espetáculos, da lombada de livros às questões de saúde, etc, etc.

Sobre tudo tinha ideias, de tudo parecia que sabia um pouco, num modelo a que os italianos chamam de “tudólogo”. Diz coisas certas? Claro que sim, a par de outras que são tão discutíveis como as que qualquer um de nós costuma ter. Educado, inteligente, informado, às vezes um tanto “pela rama”, outras um pouco mais profundo, o tal candidato provou que quase nada do mundo lhe era alheio. Ou parecia ser. A sua melhor definição foi-me dada um dia por um amigo: “estou quase sempre de acordo com ele, exceto quando conheço bem os assuntos!”

No cenário de fundo da vida da esmagadora maioria dos portugueses adultos, o tal candidato é uma figura que nunca esteve distante. Os mais velhos lembram-no como jornalista, outros como político ou como jornalista político, muitos outros simplesmente como professor – e nós sabemos como ser “professor” sempre por cá funciona subliminarmente como um fator de prestígio para credibilizar o que se diz. A maioria dos contemporâneos recordá-lo-á como opinador, primeiro na rádio, depois nas televisões, nestas tendo vogado entre canais. No desporto, não é do Benfica nem do Sporting, antes pelo contrário, não sendo também do Porto. Todos o identificam com um partido mas também já o ouviram criticar, sem exceção, os líderes desse mesmo partido. Todos? Todos! Mesmo que ele próprio tenha também cumprido um dia essa função…

Para muitos dos portugueses, esse candidato sugere a intimidade que temos com um primo distante, daqueles que irrompe nos casamentos ou nos batizados. Não o conhecemos bem, mas é insinuante, simpático e dialogante. Conta anedotas, é espirituoso, desenha uma presença agradável, sai-se com tiradas inteligentes, às vezes iconoclastas, as mais das vezes jogando no “mainstream” do senso comum. Algumas mulheres acham-lhe piada, alguns homens apreciam-no como divertido e eternamente bem humorado. Todos o tratamos pelo primeiro nome, claro. É muito lá de casa…

Há uma década, quando Cavaco Silva foi candidato a presidente, recordo-me do modo complacente como alguns, mesmo nele não votando, encararam com resignada aceitação a sua eleição, não obstante ser “do outro lado”. Dizia-se que era um homem “rigoroso”, “austero”, uma figura "em quem se podia confiar”. Depois, foi eleito e saiu-nos na rifa o que temos visto!

Imaginem agora que outro alguém, também “do outro lado”, mas a quem ninguém se atreverá a colar os qualificativos sossegantes que ingenuamente concedíamos ao presidente cessante, volta a ocupar Belém! Ah! “Mas este tem muito mais graça, é divertido! Vai ser um tempo interessante!” Pois, pois! Esperem pelas crises, pelos dias em que as coisas não estejam a correr bem! Depois não me venham dizer que não avisei!    

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