A hora muda duas vezes por ano.
Num desses dias, lá para o Outono, chegados às duas da manhã, voltamos à uma. Ganhamos um hora! Posso ficar mais uma hora na cama ou no computador, sem ser sujeito a quaisquer remoques de ser um compulsivo "late riser", uma soez acusação que me persegue praticamente desde a infância.
Neste dia, a lei está comigo e tenho 60 minutos mais - 3.600 segundos! - para atrasar o meu regresso à vida ativa. Às vezes, confesso, só de tentar convencer quem está à minha volta da racionalidade indiscutível desta minha leitura, acabo por despertar e perder o sono. Já dei comigo a pensar que tenho de preparar melhor estas coisas, no futuro.
O mundo está, infelizmente, construído num desagradável equilíbrio compensatório. E, assim, no final de março, acontece sempre uma noite aziaga em que nos roubam uma hora. É hoje! Não apenas somos impedidos de dormir a nossa quota habitual de sono como nos vão tirar mesmo uma hora, isto é, dão um alibi a quem nos desperta na manhã deste dia sinistro e nos avisa de que "já são dez horas!", uma sádica advertência face à insofismável realidade de serem apenas nove horas.
Há sessenta e demasiados anos que convivo com esta tragédia. Tenho procurado companheiros de infortúnio, mas apenas encontro almas acomodadas com esta realidade ou - pior ainda! - madrugadores profissionais, figuras relutantes à minha pouco popular teoria de que as caçadas deveriam começar depois de almoço, que se deveria ir à pesca, qual Lorca, "a las cinco de la tarde".
Hoje mesmo, por esta hora, hospedado num Parador da planicíe castelhana, acabo de receber a advertência, imperativa, de que "el desayuno" é "hasta las 11 horas". E é, manifestamente, falso: se eu chegar, amanhã, um pouco antes das 11 horas, para a dose habitual de "embutidos", "queso" e "jugo de naranja", para acompanhar o meu tradicional "doble expresso", vou dar com o nariz na porta "del comedor": "La hora ha cambiado. Estamos cerrados, caballero!".
O mundo é muito injusto! Bolas!