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sexta-feira, maio 12, 2017

As luzinhas do presidente


São contraditórias as notícias que chegam de Angola, sobre o real estado de saúde do presidente José Eduardo dos Santos. Num país cujo quotidiano, desde há décadas, está marcado por aquele que é o mais resiliente líder de África, é normal que alguma ansiedade atravesse quantos, mais cedo ou mais tarde, para o seu bem ou para o seu mal, vão ter de encarar o futuro sem ele.

Lembrei-me há pouco dos tempos em que vivi em Luanda, com Angola em guerra civil, no início dos anos 80, a cidade de certo modo sitiada, com fortes precauções de segurança e recolher obrigatório durante a noite.

Eu tinha um cozinheiro chamado Alberto, uma figura curiosa que herdara do meu antecessor na embaixada. Nunca lhe consegui extrair uma palavra de simpatia para com o MPLA e o seu regime, apenas algumas ironias crípticas sobre figuras políticas mais em voga. No fundo, sempre desconfiei que fosse simpatizante da Unita.

Um dia, fui com o Alberto buscar já não sei o quê à Corimba, no caminho para o Futungo de Belas, o complexo onde então vivia o presidente. A certo passo, ao longe, em nossa direção, vimos surgir um grande movimento de viaturas. A Luanda dessa época era muito diferente da de hoje, sem o tráfego rodoviário infernal que é o seu atual quotidiano. Um reboliço desse género era, à época, muito pouco comum.

Vi então Alberto, em geral seráfico, ficar muito agitado e dizer: "Doutor, cuidado!, são as luzinhas do presidente!" Eu estava há poucos meses em Luanda, pelo que demorei uns instantes a perceber o que ele queria dizer. O Alberto referia-se, percebi então, às dezenas de luzes, bem visíveis naquele fim de tarde com o sol a pôr-se, que se destacavam das motos dos batedores e dos carros da segurança, que precediam o cortejo de viaturas negras onde, com plausível certeza, viajava José Eduardo dos Santos.

A aproximação das "luzinhas do presidente" significava, muito simplesmente, a necessidade de qualquer viatura com que aquele aparato se cruzasse ter de encostar à berma e, mais do que isso, que o condutor colocasse as mãos sobre o volante, na posição "dez-e-dez", por forma a não criar a mais leve dúvida sobre a sua inocuidade para a segurança do líder do país. Vim a saber, mais tarde, que um cidadão português, menos atento a esta indispensável coreografia, teria sido morto, tempos antes, com disparos de uma das viaturas da segurança do cortejo.

Por que é que me lembrei disto? Porque estou numa área de serviço da autoestrada, perto da base de Monte Real, onde o papa aterrará daqui a pouco, e, embora em faixas diferentes, vislumbrei já algumas viaturas oficiais, precedidas de batedores, cheias de "luzinhas". 

E senti que é muito bom viver num país onde, felizmente, não somos obrigados a ter calafrios sempre que nos cruzamos com as "luzinhas do presidente".

quarta-feira, agosto 05, 2020

As cartas de Paihama

Só há pouco soube da morte de Kundi Paihama, uma figura política, e depois militar, angolana que, nos tempos de José Eduardo dos Santos, ocupou diversas e importantes funções ministeriais, tendo também sido governador de várias províncias.

Kundi Paihama era vulgarmente tido por ser de etnia cuanhama (embora ele contrariasse essa ideia), que fugia à tradicional dicotomia entre quimbundos, como José Eduardo dos Santos, e ovimbundos, como Jonas Savimbi, que polarizou a vida angolana.

Acompanhei António Pinto da França, embaixador português em Angola, na visita que este lhe fez, em junho de 1984 (recordo bem, porque comemorávamos o 10 de junho), ao tempo em que Paihama era governador de Benguela.

Recordo-me que o António descreve, com a imensa graça que era a sua, no livro “Diário de Angola”, a audiência que Paihama lhe concedeu no fausto possível do palácio do governo do tempo colonial. Não tendo agora o livro à mão, não registei se ele também fixa a cena que se passou, nessa noite, na casa do nosso cônsul em Benguela, Fernando Coelho.

O Fernando, um bom amigo já falecido há muito, era uma figura extremamente simpática, popular, que conseguira garantir um grau de interlocução muito raro com as autoridades locais. Embora as relações de Angola com Portugal atravessassem então um tempo complexo, em Benguela elas viviam no melhor dos mundos. Fernando Coelho conhecia toda a gente, dava-se lindamente com todas as entidades da província, a começar pelo governador, assim conseguindo resolver muitos problemas. Embora frequentemente pouco ortodoxo, provou ser ali o homem certo no tempo certo.

A confirmá-lo, depois do jantar no dia da nossa chegada, Kundi Paihama bateu à porta da residência do cônsul, onde o embaixador e eu estávamos alojados, dizendo que vinha “beber um copo” com o seu “novo amigo português”. A hipótese dessa visita tinha-me já sido aventada pelo Fernando Coelho, mas não lhe conferi grande plausibilidade.

Mas ali estava o poderoso Paihama, para umas horas de boa conversa, em que nos falou do seu amor acrisolado pelo Futebol Clube do Porto e nos revelou a troca de mensagens que, no “jogo de espelhos” daquela infindável guerra civil, trocava, por vias travessas, com Savimbi, em cuja eliminação - física, militar e política -, duas décadas mais tarde, viria a estar diretamente envolvido.

A imagem mais impressiva que guardo dessa noite é, porém, o momento em que Paihama se volta para o Fernando Coelho e pergunta, com a maior naturalidade: “O senhor cônsul não tem um baralho de cartas, para jogarmos uma partida de sueca? O senhor embaixador sabe jogar sueca, não sabe?” O António Pinto da França sabia e ali formámos nós uma mesa de sueca, bem regada a cerveja.

Não tendo isso registado na memória, de uma coisa tenho a certeza: Kundi Paihama não perdeu aquela partida de sueca. Deixar ganhar o outro em coisas secundárias é uma arte que os diplomatas se habituaram a cultivar.

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Medeiros Ferreira

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

PROGRAMA

19 de fevereiro

[ 09:30h • 10:00h ]
SESSÃO DE ABERTURA
presidida pelo Presidente do Governo Regional dos Açores
» Artur Santos Silva
Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian
» Maria Emília Brederode Santos
» Mário Mesquita
» Nuno Severiano Teixeira
Presidente do IPRI
» Vasco Cordeiro
Presidente do Governo Regional dos Açores

[ 10:15h • 11:30h ]
RELAÇÕES INTERNACIONAIS E ESTRATÉGIA
» Eduardo Lourenço
» Fernando Neves
» José Loureiro dos Santos
» Teresa Patrício Gouveia
MODERAÇÃO
     Carlos César

[ 11:45h • 13:00h ]
RAZÃO E PAIXÃO NA POLÍTICA
 » António Barreto
 » Eurico Figueiredo
 » Francisco Louçã
 » Isabel do Carmo
MODERAÇÃO
     Ramon Font

[ 14:30h • 16:00h ]
A INTELIGÊNCIA DO FUTEBOL
 » António Ribeiro Cristóvão
 » Leonor Pinhão
 » Miguel Guedes
 » Miguel Medeiros Ferreira
 » Vítor Serpa
MODERAÇÃO
     Tiago Alves

[ 16:30h • 18:00h ]
APRESENTAÇÃO DO LIVRO
“JOSÉ MEDEIROS FERREIRA – A LIBERDADE INTERVENTIVA”
por Jorge Sampaio
» Inês Hugon
Editora Tinta da China
» Vasco Cordeiro
Presidente do Governo Regional dos Açores
» Jorge Sampaio
MODERAÇÃO
     Carlos Gaspar

20 de fevereiro

[ 09:30h • 11:00h ]
HISTÓRIA POLÍTICA
» António Reis
» Fernanda Rollo
» Fernando Rosas
» Pedro Aires Oliveira
» Pilar Damião
MODERAÇÃO
     Miriam Halpern Pereira

[ 11:15h • 13:00h ]
UMA VIDA NO SÉCULO
» Anne-Nelly Perret-Clermont e Jean-François Perret
» François Garçon
» João Luis de Medeiros
» Pierre Dominicé
» Roberto Amaral
 MODERAÇÃO
      Carlos Almeida

[ 14:30h • 16:00h ]
COMUNICAÇÃO SOCIAL E BLOGS
 [ 14:30h • 15:15h ] > Comunicação Social
» Anabela Mota Ribeiro
» António José Teixeira
» Constança Cunha e Sá
» Marcelo Rebelo de Sousa
MODERAÇÃO
     Maria Elisa Domingues

[ 15:15h • 16:00h ] > Blogs
» Joana Amaral Dias
» João Gonçalves
» Pedro Arruda
MODERAÇÃO
     Nuno Costa Santos

[ 16:15h • 17:15h ]
INTERVENÇÃO POLÍTICA
» António Dias
» José Pacheco Pereira
» Pedro Santana Lopes
» Rui Tavares
MODERAÇÃO
     Fátima Campos Ferreira

[ 17:45h • 18:15h ]
SESSÃO DE ENCERRAMENTO
presidida por Sua Excelência O Presidente da República
» Artur Santos Silva
Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian
» Maria Emília Brederode Santos
» Eduardo Paz Ferreira
» António Ramalho Eanes
» Aníbal Cavaco Silva
Presidente da República

segunda-feira, fevereiro 29, 2016

Lúcio Lara (1929-2016)


Em Angola, morreu Lúcio Lara, de que aqui deixo uma fotografia do tempo da guerrilha. Era, a grande distância de todos os outros, a mais histórica de todas as figuras ainda vivas do MPLA. Sem uma ambição que o catapultasse para a ribalta governativa, Lúcio Lara esteve sempre na sombra de Agostinho Neto e, ao que se sabe, quis apenas desempenhar funções no âmbito partidário. Tido como pessoa de extrema austeridade, nunca o seu nome foi associado a qualquer interesse de natureza económica.

Quando, entre 1982 e 1986, vivi em Luanda, trabalhando na nossa embaixada, recordo-me que o nome de Lúcio Lara era tido, com razão ou sem ela, como um pilar da ortodoxia política e do alinhamento pleno com a então União Soviética. Nesses quase quatro anos, apenas por uma vez me cruzei pessoalmente com Lara, numa cerimónia pública, dele obtendo apenas um silêncio levemente sorridente perante a menção que fiz da minha qualidade de diplomata português. Por essa altura, não obstante os esforços do nosso embaixador, António Pinto da França, as relações entre os governos de Luanda e Lisboa mantinham-se muito tensas e o "Jornal de Angola" trazia, com uma frequência quase diária, ataques a Portugal. Todas as tentativas do embaixador de se aproximar de Lúcio Lara, quanto mais não fosse para um gesto de cortesia, não tiveram o menor sucesso.

Lúcio Lara, que nasceu no Huambo e era filho de pai português e mãe angolana, veio viver e estudar em Portugal, até abandonar o país para ingressar na luta armada, criando com Agostinho Neto o MAC (Movimento Anti-Colonial), que daria posteriormente origem ao MPLA. Foi em Lisboa que conheceu e, em 1955, casou com aquela que iria ser a sua mulher, Ruth. Ruth Lara era portuguesa, aqui nascera em 1936, filha de alemães fugidos ao início do nazismo. Quando Lúcio Lara decidiu abandonar o país, para lutar pela independência da terra onde nascera, Ruth acompanhou o marido. Viveu então nas várias paradas por onde a luta anticolonial levou Lúcio Lara (Conakry, Leopoldeville (hoje Kinshasa) e Brazaville). Depois da independência, e quando passou a viver em Angola, contrastando com o empenhamento militante de Lúcio Lara, a sua mulher teve sempre funções de escasso destaque, embora ligada ao MPLA na área educativa.

No ambiente politicamente muito fechado que era o de Luanda do tempo em que por lá vivi, surgiu, a certa altura, aquilo que, à boca pequena, foi considerado um "escândalo" político, cujos contornos demorou algum tempo a determinar. Um intelectual conhecido, Costa Andrade (conhecido como "Ndunduma"), antigo guerrilheiro e biógrafo de Agostinho Neto, havia escrito e encenado uma peça teatral que, supostamente, ironizava com a vida familiar do presidente Eduardo dos Santos. O autor foi detido, o ministro da Educação foi demitido e a mulher de Lúcio Lara, por alguma razão ligada à conceção do espetáculo, foi afastada das funções que ocupava. Lembro-me bem que, à época, todos especulávamos sobre se, desse incidente, decorreriam consequências para o estatuto político de Lúcio Lara. Nada aconteceu e, aparentemente, o episódio nunca afetou a extrema lealdade que Lara manteve para com José Eduardo dos Santos. Ruth Lara viria a morrer em 2000.

Como referi, Lúcio Lara viveu em Portugal. Por cá esteve ligado ao MUD Juvenil e, ao que tudo o indica, ao PCP, tal como Agostinho Neto. Por essa época, terá escrito poesia no jornal coimbrão "Via Latina". Um dos seus pares nessa aventura literária foi o meu colega Luís Gaspar da Silva, embaixador e antigo secretário de Estado, já falecido.

Conta-se um episódio entre os dois, no dia do funeral de Agostinho Neto, em 1979, em Luanda. Gaspar acompanhava Ramalho Eanes. Esperava-os Lúcio Lara, o nº 2 formal do regime. Forte da sua velha relação, Gaspar abriu os amplos braços para dar um abraço "dos seus" ao antigo amigo (eram famosos, pela seu poder "abrangente", os abraços de Gaspar da Silva). Porém, por esses dias, as relações luso-angolanas não estavam (uma vez mais...) no melhor momento. Aceitar o gesto de Gaspar seria, para Lara, ser visto numa coreografia afetiva que poderia dar lugar a especulações. Disse-me quem viu que a cena foi de antologia. O nosso diplomata, com a sua imensa corpulência, tentou forçar o amplexo. O franzino Lara resistiu quanto pôde, mantendo  o seu antigo colega da "Via Latina", a revista onde ambos haviam rimado líricas, à conveniente distância, não apenas física mas também política.

Uma última nota me ocorre neste singelo obituário. Que pensaria Lúcio Lara da Angola de hoje?

terça-feira, maio 17, 2016

Nós e a Venezuela


A situação atual que se vive na Venezuela tem levado alguns comentadores a criticar o reforço das relações bilaterais entre os dois países na última década, em que se empenharam os governos Sócrates, bem como os que se lhe seguiram.

Este é o momento para deixar bem claro que a ação promovida por esses executivos teve todo o sentido e merece ser saudada. Mesmo que alguns dos negócios não tenham tido sucesso - e a vida dos negócios é assim -, bastantes outros houve em que empresas portuguesas retiraram fortes lucros dessa atividade, com o que isso significou de postos de trabalho e salários para muitos dos seus colaboradores. Olhando para trás, pouco haveria a corrigir face ao que foi feito.

Na sua relação com a Venezuela, Portugal comportou-se sempre de uma forma correta. Que eu tivesse dado conta, nunca os dirigentes políticos portugueses deram nenhuma "caução" política ao populismo do regime, nunca vimos a diplomacia portuguesa transigir em matéria de princípios, por um qualquer viés ideológico induzido. Claro que José Sócrates procurou reforçar os seus laços pessoais com Hugo Chavez e é óbvio que se procurou que isso fosse lido publicamente no quadro de um entendimento, tão forte quanto possível, entre Portugal e a Venezuela, um país onde vive uma importante comunidade portuguesa e com o qual surgiram, à época, hipóteses interessantes de negócio. As relações de amizade entre Portugal e a Venezuela existiram antes de Chavez e vão sobreviver para além de Maduro.

(Um dia, em Paris, durante um encontro de membros de comunidades portuguesas em vários países, uma senhora luso-venezuelana, residente em Caracas, profundamente anti-Chavez, disse-me que ficara desagradada por ver o presidente venezuelano recebido "como um amigo" em Lisboa. Perguntei-lhe o que poderia acontecer à nossa comunidade se acaso Portugal tivesse uma atitude hostil para com Chavez. "De facto, isso poderia ser muito mau para nós", reconheceu).

Fizemos o que tínhamos a fazer com a Venezuela, da mesma forma que atuámos, e bem, ao manter um entendimento positivo com a Líbia de Kahdafy, com a qual todo o mundo teve relações económicas intensas até à véspera da sua queda. É o mesmo que hoje se faz com José Eduardo dos Santos ou com qualquer dirigente que, de facto, dirija um qualquer país junto do qual surjam oportunidades de negócio - a menos que sobre ele recaiam sanções internacionais obrigatórias ou em que entendamos dever participar, como aconteceu face ao Irão e ainda ocorre face à Rússia. Assim será no pós-Dilma: continuaremos a ter um entendimento aberto com Michel Temer no Brasil ou com qualquer outro governo brasileiro que nos "saia na rifa".

Não somos nós que escolhemos os governos dos outros e, salvo um banimento internacional decretado, damo-nos, não com um dirigente ou um governo em particular, mas com os Estados. E, naturalmente, procuraremos estabelecer com os dirigentes "de turno" nesses Estados, qualquer que seja o seu nome, as melhores e mais próximas relações. E quando estiver em causa a defesa de interesses portugueses ou de portugueses, a "realpolitik" é sempre a regra básica e imutável a seguir. 

Não perceber isto é ter da vida internacional ou uma visão "angélica" ou uma perspetiva de má fé política, ancorada em ranços ideológicos, de esquerda ou de direita. Cada um que escolha o que melhor lhe convier.

sábado, agosto 24, 2013

Embaixadores políticos

Há dois dias, a propósito de um artigo de José Cutileiro, falou-se neste blogue dos chamados "embaixadores políticos".

Historicamente, todas as carreiras diplomáticas começaram por ser providas por embaixadores que eram personalidades públicas designadas pelo chefe de Estado, oriundas da aristocracia ou de setores poderosos ou influentes da sociedade. Com o tempo, o serviço diplomático profissionalizou-se e os embaixadores passaram, em regra, a ser escolhidos dentre os diplomatas mais credenciados. Alguns países, porém, continuaram a manter a prática de designar, para a chefia de certos postos, figuras exteriores às respetivas carreiras diplomáticas. Em geral, algumas ditaduras e regimes mais ou menos autoritários abusam desta prática. Mas um país democrático como os EUA vai mais longe e coloca, com regularidade, na chefia de muitas das suas embaixadas, figuras ligadas ao financiamento das campanhas que estiveram na base da eleição do presidente. Bem assessoradas, claro está, por competentes profissionais da diplomacia...

Em Portugal, a República e a ditadura escolheram várias personalidades políticas e sociais para a chefia das principais missões diplomáticas, que, aliás, eram então muito poucas. Esta prática não viria a desaparecer com o 25 de abril. Com vários pretextos, diversos governos colocaram o seu pessoal político em algumas embaixadas. Desde a Revolução, a diplomacia portuguesa haveria de albergar cerca de trinta de "embaixadores políticos". A partir de finais de 2010, vive-se um tempo diferente: não existe nenhum "embaixador político" na diplomacia portuguesa. Até quando, não se sabe, porque nenhum governo foi capaz, até hoje, de excluir em definitivo essa prática, por via legislativa.

Como é compreensível, dentro da carreira diplomática profissional existe um profundo e (quase sempre) justificado sentimento contra a indigitação de figuras que, não tendo feito a tarimba da vida diplomática, não tendo subido por mérito, ao longo dos anos, os seus diversos escalões, surgem um dia, de "pára-quedas", num determinado posto, qualificados como "embaixadores", por uma simples decisão política, muitas vezes para acomodar uma figura pública sem função ou que apenas se pretende premiar. Imagine-se o que aconteceria se alguém aparecesse nomeado "general", vindo da vida civil, para chefiar uma Região militar...

Na nossa história democrática recente, alguns desses "embaixadores políticos" serviram num posto e, depois, saíram. Outros acabaram por rodar entre vários postos, usufruindo de uma legislação que lhes permitiu passar a integrar o quadro dos embaixadores profissionais de carreira. Com justiça e julgo que com alguma objetividade, há que dizer que muitas dessas figuras pouco trouxeram à carreira. Outras foram mesmo algo nocivas. Nesses casos, nós costumávamos dizer que, se era para selecionar incompetentes, tínhamos já por lá alguns, não era necessário ir procurá-los fora...

Mas houve sempre algumas boas exceções. A certos "embaixadores políticos", o consenso no Ministério dos Negócios estrangeiros acabou por reconhecer que aportaram um real valor acrescentado ao serviço diplomático. José Cutileiro, que anteontem citei aqui, foi, seguramente, um desses nomes. A sua excecional competência ficou bem provada e o seu trabalho foi muito útil ao serviço externo do Estado. Por isso, na carreira, sempre reconhecemos José Cutileiro, sem qualquer favor, como "one of us". Ele e muito poucos.

Em tempo: aqui deixo a lista dos 30 embaixadores “políticos" nomeados após o 25 de abril, não excluindo poder haver alguma falha, que corrigirei de bom grado:

Albertino Almeida (Maputo)
António Flores de Andrade (Lusaka)
Vitor Alves (itinerante para as comunidades portuguesas)
Manuel Bello (OCDE)
Manuel João da Palma Carlos (Havana)
Manuel Maria Carrilho (UNESCO)
Eugénio Anacoreta Correia (S. Tomé, Praia)
Francisco Ramos da Costa (Belgrado, Copenhague)
Victor Crespo (Unesco)
José Cutileiro (Conselho da Europa, Maputo, Pretória)
José Fernandes Fafe (Havana, México, Praia)
Raquel Ferreira (Estocolmo, Tóquio)
José Silveira Godinho (OCDE)
Henrique Granadeiro (OCDE)
Álvaro Guerra (Belgrado, Kinshasa, Nova Deli, Conselho da Europa, Estocolmo)
Basílio Horta (OCDE)
André Infante (Argel)
Ernani Lopes (CEE, Bona)
António Coimbra Martins (Paris)
Fernando Santos Martins (OCDE)
Pedro Pires de Miranda (itinerante para as questões de petróleo)
Mário Neves (Moscovo)
Maria de Lurdes Pintasilgo (UNESCO)
Vitor Cunha Rego (Madrid)
Eduardo Ferro Rodrigues (OCDE)
Walter Rosa (Paris, Caracas)
Pedro Roseta (OCDE)
José Augusto Seabra (UNESCO, Nova Deli, Bucareste, Buenos Aires)
José Veiga Simão (ONU)
José Manuel Galvão Teles (ONU)

sábado, novembro 12, 2022

O 11 de Novembro


Ontem, acordei com a data - 11 de novembro - na cabeça. À hora de almoço, “caiu a ficha”, como dizem os brasileiros: era a data da independência de Angola, claro!

Ainda há dias, ao preparar a intervenção que, na terça-feira passada, ia fazer no Centro Brasileiro de Relações Internacionais, no Rio de Janeiro, tinha-me lembrado de que, com argúcia e visão estratégica, o Brasil tinha sido o primeiro país a reconhecer a República Popular de Angola, proclamada nessa noite em Luanda. Portugal, a viver o ano da “brasa” de 1975, a 14 dias de um 25 de Novembro que iria desempatar a sua luta política interna, perdeu tempo a perceber por onde ia a História. E isso iria ter o seu preço.

Ao longo da minha carreira, assisti a várias receções comemorativas da data, promovidas por embaixadores angolanos, em diversos lugares do mundo. Mas a mais memorável dessas ocasiões foi mesmo em Luanda, em 1982, poucos meses depois da minha chegada, exatos sete anos depois da independência de Angola.

Nesse dia de há precisamente 40 anos, o embaixador Silva Marques chamou-me para me informar que teria de representá-lo na receção que o governo de Angola oferecia ao corpo diplomático estrangeiro, ao final da tarde, no Hotel Costa do Sol. Não podendo ser o ministro conselheiro, Fernando Cardoso, por uma qualquer razão, a substituí-lo, competia-me a mim a tarefa.

Eu estava na carreira há pouco tempo, aquele era o meu segundo posto. Angola estava em guerra civil, a Luanda política era uma realidade política que eu procurava conhecer, pelo que a ocasião acabava por ser muito interessante para observar os circuitos diplomáticos e oficiais locais.

Em Luanda, os estrangeiros viviam em bolsas de contactos, quase sempre muito diversas e distantes entre si, as entidades políticas locais refugiavam-se em circuitos pouco acessíveis. Romper essas fronteiras era um processo complicado, pelo que encarei a tarefa com grande curiosidade. E, pela tarde, ainda com uma bela luz, lá fui, no meu vetusto Volkswagen “carocha” preto, com um buraco no chão por onde às vezes entravam baratas, que tinha sido herdado da tropa colonial, guiando pela Corimba e pela Samba, a caminho do Costa do Sol, na estrada costeira para sul.

À chegada, como era de regra, depois de uma inspeção de segurança nada rigorosa para os tempos que se viviam, fomos recebidos pelo Protocolo e encaminhados para o que recordo ser um espaço exterior. Por ali estavam os diplomatas estrangeiros e, presumo, gente do Ministério das Relações Exteriores de Angola. Algumas senhoras davam graça à festa, mas poucas.

Numa Luanda tensa, em conflito, não era de estranhar que os convidados se juntassem em grupos, por afinidades óbvias: europeus e outros “like-minded” a um lado, diplomatas dos países socialistas a falarem entre si, com alguns africanos a dividirem-se. Sendo dos mais jovens dos presentes, conhecendo ainda poucos embaixadores, devo ter acostado a alguns “encarregados de negócios” desemparelhados, suplentes como eu era.

Embora recentemente terminado, depois de anos de obras paradas, o Costa do Sol estava longe de ser o principal hotel da cidade. Acima dele, na hierarquia das unidades hoteleiras de então, estavam os hotéis Presidente, Trópico e Panorama. O edifício não deixava de ter a sua graça, situado num lugar cimeiro sobre o mar, um pouco antes do Futungo de Belas, que era o antigo conjunto turístico então ocupado pelo presidente da República.

Naquele hotel, pouco tempo depois, viriam a ser alojados militares portugueses na reserva, que foram para Angola ao serviço da Coteco, que dava treino técnico ao militares angolanos, empresa que creio ligada ao almirante Rosa Coutinho. Um desses oficiais era um amigo pessoal dos tempos do 25 de Abril, o piloto da Força Aérea, Arlindo Ferreira, que infelizmente já lá vai, há muito. Por razões a que a política da época não era alheia, esses militares, por regra, teimaram sempre em evitar todo e qualquer contacto com a nossa embaixada. A exceção era o Arlindo que, com alguma regularidade, vinha jantar a minha casa, comigo a ir uma vez ou duas ao Costa do Sol, a seu convite. Mas isso só iria acontecer meses mais tarde.

A receção oferecida pelas autoridades angolana no Costa do Sol era de pé, um cocktail tradicional. De início, surgiram canapés e, claro, bebidas. Dizia-se que, mais tarde, ia haver um jantar. O convite anunciava isso.

O dia caiu, rápido, como acontece em África. A certo ponto, já na noite, passada mais de uma hora desde que por ali errávamos, de copo na mão, enfardando alguns escassos croquetes e salgados, vagueando entre conversas, detetou-se uma agitação e correrias de pessoal, prenunciando o óbvio: a chegada das autoridades.

Foi então que vimos um grupo de uma boa dúzia de governantes atravessar, com alguma ligeireza, a zona onde nos encontrávamos, para o que abrimos alas. À frente, vinha o presidente José Eduardo dos Santos, que nos saudou com um sorriso e um gesto de cabeça, sem cumprimentar nem dizer nada a ninguém, como aliás sucedeu com todos os que o acompanhavam. Duas ou três senhoras integravam o séquito.

O grupo dirigiu-se de imediato para uma mesa que estava alinhada num dos lados da receção e abancou. Os seus componentes ficaram sentados ao longo da mesa, mas só de um lado, ficando a olhar para as centenas de pessoas presentes, num modelo “última ceia”. Perante a multidão de gente de pé, eram os únicos sentados.

De imediato, do edifício do hotel, como que por milagre, surgiu um batalhão de empregados, que serviu essas pessoas, que começaram logo a comer. Nós, imagino que algumas escassas centenas de convidados, ali ficámos, a olhar a ceia do senhor presidente e do seu grupo, com os nossos copos na mão, quiçá já vazios, porque ninguém cuidava de nós. Não voltávamos as costas à mesa presidencial, por respeito, pelo que ali ficámos impotentes espetadores do voraz assalto feito às vitualhas pelas autoridades. O nosso apetite, valha a verdade, ia crescendo, na constante visão do grupo oficial bem saciado.

E foi assim que tudo se passou durante mais de meia-hora, durante a qual alguns embaixadores, menos preocupados com as consequência de uma saída “à francesa”, foram abandonando discretamente a cena, a caminho dos seus carros, cansados da deselegância a que eram sujeitos. Os diplomatas mais júniores - e, como é natural, o jovem primeiro-secretário de embaixada representante do poder colonial recém-cessante que eu era - mantiveram-se em jogo.

O ágape das autoridades terminou no momento em que o presidente decidiu levantar-se da mesa, com os seus restantes convivas a seguirem-no. Depois de uns instantes com seguranças em correrias, as autoridades abalaram com a prestreza com que tinham chegado, a caminhos dos Mercedes cheios de luzinhas azuis e vermelhas a brilhar que se viam ao fundo.

Finalmente, nós, afinal os convidados para o evento, íamos ter o nosso prémio, embora em modelo de “terminação”, como na lotaria: o tal batalhão de empregados surgiu com pratos e travessas para servir os resistentes que estoicamente tinham aguentado a sessão, diplomatas e pessoal angolano, unidos pela fome. Mas, claro, não tendo direito a mesas e muito menos a cadeiras, contentámo-nos com uma refeição volante, naquele modelo onde se tenta dar garfadas e partir a comida com uma só mão, segurando o prato com a outra, com o copo, em regra, num equilíbrio instável entre dedos sobejantes, na ausência de uma terceira mão com que a natureza, desatenta às das exigências do protocolo, não nos brindou. Mas teve de ser rápido: o recolher obrigatório já vinha a caminho. 

Foi assim o meu primeiro 11 de Novembro oficial.

quinta-feira, fevereiro 13, 2020

Todos os nomes

Ontem, num grupo de amigos, veio à baila o novo líder do CDS. Melhor: o seu nome.

Alguém se perguntava: “Francisco Rodrigues dos Santos não será um nome demasiado longo para um líder partidário ser conhecido?”. De facto, há um costume de designar os políticos por dois nomes, contrariamente àquilo que frequentemente se passava no seculo XIX e mesmo com algumas figuras da Primeira República. Sá Carneiro só passa hoje a Francisco Sá Carneiro em alguns discursos dentro do PSD. Cavaco Silva deixou para trás o Aníbal bem cedo, como aliás perdeu o “e” logo no início do seu percurso: para quem não se lembrar, recordo que começou a ser designado por “Cavaco e Silva” (como, mais tarde, o seria “Marinho e Pinto”).

Se o jovem líder do CDS encurtar o nome para “Rodrigues dos Santos”, também se concluiu, vai ser uma confusão, quando for entrevistado no Jornal da Noite da RTP. Já havia aí boatos que eram familiares. E “Francisco Santos” não parece lá muito apelativo...

“E se continuasse a ser designado por “Chicão”? É um bom nome, forte”, alvitrou alguém. “Mas é mais para capitão de uma equipa de rugby, não é?”, disse outro. O humor não parou: “Sempre é melhor do que se chamasse Chiquinho!”. Mas logo se conclui que, em qualquer caso, é difícil a um jornalista dirigir-se a alguém por um “nickname”.

Uma pessoa que sugeriu que ele tentasse crismar a sigla FRS. Pelo ambiente em que estávamos, coibi-me de dizer que, politicamente, essa sigla não traz grandes memórias à política doméstica: era a Frente Republicana e Socialista, um “abraço” frentista liderado pelo PS, que acabou por não ser, longe disso, a “finest hour” socialista. Mas dadas as atuais ambições políticas do CDS...

Porque tenho estas coisas bem estudadas, expliquei que, em Portugal, as siglas de nomes de pessoas são muito raras. Pode dizer-se que apenas “pegaram” APV (António-Pedro Vasconcelos), BB (Baptista Bastos), PQP (Pedro Queiroz Pereira), EPC (Eduardo Prado Coelho), MEC (Miguel Esteves Cardoso) e, com bem menor popularidade, VPV (Vasco Pulido Valente), VGM (Vasco Graça Moura) e MST (Miguel Sousa Tavares). Alguém lembrou JJ para Jorge Jesus, mas a minha memória futebolística liga a sigla a Jacinto João, um antigo jogador do Vitória de Setúbal.

Portanto, a questão do jovem do CDS não ficou “resolvida”. E ninguém se referiu ao facto de José Manuel Durão Barroso, quando foi liderar a Comissão Europeia, ter artificialmente decidido impor o nome de José Barroso. “Fez bem”, dir-me-ia uns anos mais tarde um amigo meu de Bruxelas, “com a maneira como se deixou ficar nas mãos dos grandes países, manter o Durão seria de facto inadequado...”

Já estou a imaginar o que alguns leitores estarão a pensar: estes tipos não têm mais nada com que se preocupar? Ora essa! Falamos do que nos dá na gana e ninguém tem nada a ver com isso.

segunda-feira, agosto 29, 2016

Onze notas internacionais

1. E lá vai Dilma à vida, com poucos a chorarem-na e levando consigo o PT. Não houve golpe constitucional (as instituições funcionaram regularmente), mas houve uma evidente subversão do espírito do sistema, por uma enviezada parlamentarizacão do regime presidencialista, a colocar a política do lado do qual passou, de um momento para o outro, a soprar o vento popular. Temer, renegando sem vergonha o programa sob que foi eleito, foi o instrumento oportunista. Ficará na História, mas com adjetivos de que a família se não orgulhará.

2. Trump parece que cai nas sondagens mas Hillary Clinton continua a ter uma rejeição muito elevada. Levar uma figura como Farage para a campanha americana é a prova de que o exercício já passou os limites da racionalidade, depois de há muito ter atravessado os da decência. Por este andar, Marine le Pen ainda vai, um destes dias, "fazer uma perninha" a Washington.

3. O puzzle angolano toma um novo formato. Mais um. Um novo vice-presidente surge como o putativo sucessor de José Eduardo dos Santos. Já vimos este filme no passado e, em todas as ocasiões, acabou sempre de forma diferente da que se previa. Angola é um "happening" mas, goste-se ou não, a capacidade do presidente e do MPLA para segurarem o poder é notável.

4. Será desta que Rajoy forma um governo esável? É mais trágico do que parece, mesmo para nós, o penoso arrastar do processo político espanhol. Este impasse tem um preço imenso na credibilidade de um país que é importante para a Europa. O PSOE brinca com o fogo e com o seu futuro como partido do sistema. Já para o rei, esta prova de fogo veio cedo demais e, infeluzmente, revelou que não conseguiu criar uma magistratura de influência como a que o pai chegou a criar. É um péssimo sinal para a monarquia espanhola, podem crer.

5. Sarkozy não desiste de tentar regressar ao Eliseu. Em 2012, a França estava muito cansada dele e, francamente, duvido que tenha recuperado desse sentimento. Agora, "lepeniza" a cada dia discurso, tentando arrastar a respeitável direita democrática para um sinistro populismo, o que vai obrigar gente decente como Juppé a ir por outro caminho. Com Hollande a bater no fundo, fica a certeza de que a esquerda nunca votará em Sarkozy numa 2ª volta (como fez em Chirac em 2003). A presidente Marine é, assim, possível.

6. Erdogan está nas suas sete quintas. Arranjou um imbatível alibi para fazer uma limpeza interna e, como já previsto, arranjou um pretexto para "molhar a sopa" na Síria, para por ali desfazer as milícias curdas. Os EUA, que estão "desertos" para subcontratar esta guerra, aplaudem, devem estar a fornecer "intelligence" e reduzem a pressão para repatriar Gullen. Um belo favor de Obama a Hillary Clinton, que se preparava para fazer isto mesmo. Só há uma América: a dos interesses.

7. A última pedra no túmulo da Parceria Transatlântica foi posta há dias pelo ministro alemão da Economia. Como muitos previam, já não vai haver nenhum TTIP, o que marca um forte recuo protecionista no espaço euro-atlântico. "Much ado about nothing"? Resta saber o que os europeus farão se o preço do petróleo disparar de novo e precisarem do gás de xisto americano, que era a contrapartida pela liberalização do comércio.

8. Os europeus continuam a reunir em grupinhos, com Hollande a fingir de charneira e a tentar estar em todas. Umas vezes é o proto-diretório com a Itália, noutras mete-se a Polónia e recupera-se Weimar, finalmente o sul - que passa o tempo a dizer que "não somos a Grécia!" ou coisas parecidas a propósito de qualquer outro vizinho do lado de quem os mercados não gostem - vai também conversar à parte. Olhando para esta Europa, percebe-se agora melhor o sentido da palavra balcanização.

9. Os británicos revelam que não sabem o que fazer com o Brexit. Dá ideia que uma (já) maioria do país está arrependida da aventura em que Cameron (desaparecido em combate, para bem do país) irresponsavelmente o meteu. Theresa May parece tentar ganhar tempo e, curiosamente, depois da vergonhosa reação anti-democrática do lado do continente, até os "27" estão mais calmos, já percebendo que só os mercados comandam o "timing" da invocação do artigo 50 do famigerado Tratado de Lisboa. Resta saber se uma "mini-saída" é possível. Leia-se o "Economist" ou o FT para medir a perplexidade que por ali vai.

10. Hoje é o dia C (o terceiro) para medir as hipóteses reais de António Guterres vir a ser designado o próximo SG da ONU. O dia D virá em outubro, sob presidência russa do CSNU. Posso confessar um segredo?: nunca acreditei que as hipóteses do candidato português chegassem a ser tão elevadas. E que bom que era para Portugal,me para a diplomacia portuguesa (poderemos falar depois sobre isto), se Guterres fosse escolhido!

11. Exemplar, até agora, tem sido o comportamento de Augusto Santos Silva e do MNE no caso dos fedelhos agressores iraquianos. Palavras certas, tempo exato, decisões acertadas. É uma grande e experiente máquina a das Necessidades, com séculos de bom-senso e de excelente serviço público. Sei que sou suspeito, mas sinto orgulho em ter feito parte dessa grande escola de sentido de Estado.

sábado, setembro 18, 2021

“Observare”


O trio costumeiro - Luís Tomé, Carlos Gaspar e eu -, desta vez sob a moderação de Pedro Belo Moraes, regressou, nesta ”rentrée”, ao “Observare”.

Falámos de vários temas, comigo a abordar a saída de Ângela Merkel e as próximas eleições na Alemanha, as decorrências do regresso ao poder dos Talibãs no Afeganistão, os rumos do Brasil na espécie de “fuga em frente” de Bolsonaro e o regresso de José Eduardo dos Santos a Angola.

Pode ver o programa clicando aqui: 

quarta-feira, agosto 24, 2022

Política externa

É perfeitamente correta, não podendo mesmo ser outra, a decisão do presidente português de se deslocar, quer às comemorações do bicentenário da independência do Brasil, quer às cerimónias fúnebres de José Eduardo dos Santos, em Angola. As coisas óbvias não têm de ser explicadas.

sábado, agosto 20, 2022

Lusofonias

A ida do corpo de José Eduardo dos Santos para Angola e a excursão transatlântica do coração de dom Pedro são ocasiões preciosas para explicar que, em rigor, se deve sempre dizer “trasladação”, deixando que o “trans” tenha outras aplicações mais adequadas.

domingo, maio 30, 2010

"Há dias assim"

Não ouvi a canção que Portugal levou este ano ao festival da Eurovisão. Mas acho o título deliciosamente português: "Há dias assim". Mais ou menos "assim" são quase sempre os dias das nossas noites na Eurovisão...

Sou de um tempo em que o festival português da canção e, depois, o da Eurovisão, paravam o país, comigo incluído, bem entendido. Lembro-me bem de uma noite de 1967, no Porto, em que só uma réstea de bom-senso me fez optar por ir para o "galinheiro" do Palácio de Cristal, ver um Portugal-Espanha em hóquei, em vez de assistir, na sala de TV do Centro Universitário, à vitoria de "O vento mudou", de Eduardo Nascimento. No ano seguinte, colaborei com o júri que, em Vila Real ("Aqui vão os votos do júri de Vila Real: canção número 1..."), certificou a escolha de "Verão", de Carlos Mendes.  Em 1969, Simone de Oliveira quase que trasladou para a final da Eurovisão, em Madrid, a "alma" do país, com a "Desfolhada". A dimensão popular da sua recepção em Santa Apolónia derrotou a chegada do Porto de Humberto Delgado, em 1958, e estabeleceu uma fasquia a que Mário Soares não conseguiu estar à altura, quando regressou do exílio, em 1974. 

Esse foi também o início do cíclico, angustiado e também muito lusitano tempo das "vitórias morais", da denúncia das sinistras conspirações internacionais contra as nossas inspiradas obras, pela óbvia perfídia dessa Europa a que já havíamos aderido vocalmente "avant la lettre". Tempo que passou a consagrar, com a vitória interna, a saudável presença de José Carlos Ary dos Santos nestas lides musicais. A textos seus se ficaram a dever alguns dos melhores momentos do festival.

A canção vitoriosa em 1974 foi a senha da Revolução de abril, com Paulo de Carvalho a cantar "E depois do adeus". O adeus à ditadura foi, para mim, o início do adeus ao festival. Em 1975, um capitão de Abril (!) representou Portugal na Eurovisão, num escusado pleonasmo político-musical. Seguiram-se dois anos de canções militantes para, finalmente, o nosso país passar a eleger coisas com títulos tão significativos como "Dai-li, dai-li dou", "Sobe, sobe, balão sobe" ou outros com idêntica profundidade. Nuns anos, ainda houve recaídas para o cançonetismo de "mensagem", noutros, há que reconhecer, aconteceram momentos musicais com alguma graça e qualidade. Muito poucos.

A presença da canção portuguesa nos festivais da Eurovisão é, desde o primeiro dia, desde 1964, um dos raros momentos do ano em que a política externa portuguesa é assumida pela generalidade dos cidadãos do nosso país: "vamos a ver se os "nuestros hermanos" votam ou não em nós!"; "ainda estou para saber para que serve a velha Aliança? Os "bifes" deixaram-nos cair"; "espero que os nossos emigrantes ponham a França a nosso favor"; ou "e deixámos nós aqueles tipos entrar para a Europa para agora não nos darem nem um pontinho...". E só registo os comentários publicáveis, claro. João Abel Manta retratou como ninguém, em tempos de ditadura (e, julgo, teve um ridículo processo censório por isso), esse "musicopatriotismo", como a imagem acima atesta.

"Há dias assim..."? Há, são sempre assim os dias "eurovisionários" dos portugueses, os quais, como dizia o Dr. Salazar, que disso manhosamente se aproveitava, "gostam de viver habitualmente".

domingo, março 08, 2015

Festivais


Sou de um tempo em que o festival português da canção e, depois, o da Eurovisão, paravam o país, comigo incluído, bem entendido. Lembro-me bem de uma noite de 1967, no Porto, em que só uma réstea de bom-senso me fez optar por ir para o "galinheiro" do Palácio de Cristal, ver um Portugal-Espanha em hóquei, em vez de assistir, na sala de TV do Centro Universitário, à vitoria de "O vento mudou", de Eduardo Nascimento. No ano seguinte, colaborei com o júri que, em Vila Real ("Aqui vão os votos do júri de Vila Real: canção número 1..."), certificou a escolha de "Verão", de Carlos Mendes.  Em 1969, Simone de Oliveira quase que trasladou para a final da Eurovisão, em Madrid, a "alma" do país, com a "Desfolhada". A dimensão popular da sua recepção em Santa Apolónia derrotou a chegada do Porto de Humberto Delgado, em 1958, e estabeleceu uma fasquia a que Mário Soares não conseguiu estar à altura, quando por aí regressou do exílio, em 1974.

Esse foi também o início do cíclico, angustiado e também muito lusitano tempo das "vitórias morais", da denúncia das sinistras conspirações internacionais contra as nossas inspiradas obras, pela óbvia perfídia dessa Europa a que já havíamos aderido vocalmente "avant la lettre". Tempo que passou a consagrar, com a vitória interna, a saudável presença de José Carlos Ary dos Santos nestas lides musicais. A textos seus se ficaram a dever alguns dos melhores momentos do festival.

A canção vitoriosa em 1974 foi a senha da Revolução de abril, com Paulo de Carvalho a cantar "E depois do adeus". O adeus à ditadura foi, para mim, o início do adeus ao festival. Em 1975, um capitão de Abril (!) representou Portugal na Eurovisão, num escusado pleonasmo político-musical. Seguiram-se dois anos de canções militantes para, finalmente, o nosso país passar a eleger coisas com títulos tão significativos como "Dai-li, dai-li dou", "Sobe, sobe, balão sobe", "Baunilha e Chocolate" ou outros com idêntica profundidade e inspiração lexical. Nuns anos, ainda houve recaídas para o cançonetismo de "mensagem", noutros, há que reconhecer, aconteceram momentos musicais com alguma graça e qualidade. Muito poucos.

A presença da canção portuguesa nos festivais da Eurovisão é, desde o primeiro dia, desde 1964, um dos raros momentos do ano em que a política externa portuguesa é assumida pela generalidade dos telespetadores que ainda ligam ao tema: "vamos a ver se os "nuestros hermanos" votam ou não em nós!"; "ainda estou para saber para que serve a velha Aliança? Os "bifes" deixaram-nos cair"; "espero que os nossos emigrantes ponham a França a nosso favor"; ou "e deixámos nós aqueles tipos entrar para a Europa para agora não nos darem nem um pontinho...". E só registo os comentários publicáveis, claro. João Abel Manta retratou como ninguém, em tempos de ditadura (e, julgo, teve um ridículo processo censório por isso), esse "musicopatriotismo", como a imagem acima atesta.

Há cinco anos, escrevi por aqui o texto que acaba de ler. Há minutos, ao ouvir uma miúda (bem gira, por sinal!) aos berros e desafinada, que parece que nos vai representar à cidade da música, para uma gala da Eurovisão que agora inclui a Austrália (!!!), quase que senti saudades da "Oração" do António Calvário, já há meio século.

segunda-feira, novembro 24, 2014

"Uma Alemanha Europeia ou uma Europa Alemã"

 
"Nos anos cinquenta do século passado, o grande escritor alemão Thomas Mann falava do dilema que se colocaria à Alemanha: ser uma Alemanha Europeia ou criar uma Europa Alemã. Sessenta anos depois, a Alemanha impôs à União Europeia uma política de austeridade com resultados económicos profundamente negativos e que ameaçam prolongar-se por décadas. Ao mesmo tempo, a chanceler e o governo alemão não hesitam em criticar opções de política interna dos Estados, como ficou patente com o comentário sobre o número de licenciados portugueses. É tempo de fazer um balanço: temos uma Alemanha Europeia ou uma Europa Alemã? "
 
Este é o texto introdutório de um debate que, no dia 26 de novembro, a partir das 9.30 horas, no auditório da Faculdade de Direito de Lisboa, irá ter lugar.
 
Integro o primeiro painel, com o José Loureiro dos Santos, Reinhard Naumann e António Menezes Cordeiro. No segundo painel, intervirão Francisco Louçã, Ricardo Cabral, Pedro Brás Teixeira e Eduardo Paz Ferreira. 

terça-feira, outubro 22, 2019

Vida nova


É saudável sentir que a classe política se renova. Ao olhar os nomes dos integrantes deste governo, e se as minhas contas não falham, creio que, das dezenas de figuras que o compõem, há já muito escassos membros dos anteriores executivos socialistas.

Apenas António Costa esteve presente, primeiro como secretário de Estado e depois como ministro dos Assuntos Parlamentares, no XIII governo constitucional, o primeiro chefiado por António Guterres, que tomou posse em outubro de 1995. 

Além dele, Augusto Santos Silva, Eduardo Cabrita, Nelson Sousa e José Apolinário integraram o segundo governo de Guterres, o XIV governo constitucional, que iniciou funções em outubro de 1999. Só Santos Silva veio a exercer então funções de ministro, tendo antes sido secretário de Estado, como os restantes.

Dentre os outros membros do próximo governo, apenas Teresa Ribeiro e João Gomes Cravinho integraram, respetivamente, os XVII e XVIII governos constitucionais, presididos por José Sócrates, ambos como secretários de Estado.

Para já...

... não estou a desgostar da vista!