terça-feira, janeiro 12, 2016

Ana Lourenço


Ana Lourenço anunciou que vai sair da SIC Notícias.

Qualquer que venha a ser o seu futuro, apenas desejo que possa continuar a praticar o jornalismo rigoroso, sem concessões, a que há muito nos habituou. É uma jornalista por quem fui entrevistado diversas vezes e por quem tenho um grande respeito e admiração. Prepara muito bem os temas, lida com elegância e sobriedade com os seus interlocutores, não é gratuitamente agressiva ou "excitada", controla bem os debates e não permite o "enviesamento" das discussões, sem, no entanto, deixar de colocar sempre as questões essenciais. 

Tenho pena pela SIC Notícias, uma grande estação de televisão, que recentemente também perdeu António José Teixeira como diretor de informação, igualmente um profissional "de mão cheia". O que se passará em Carnaxide?

O crava do Chiado


Há quase dois anos que deixei de o ver. Lembrei-me dele há minutos, junto ao seu ponto geográfico favorito "de ataque", um pouco acima da Bertrand do Chiado. Andava na casa dos cinquenta, tinha óculos, era alto, magro, sorridente, muito bem falante, claramente culto e tinha uma técnica magnífica: não nos interrompia o passo, colava-se a nós e começava a debitar, numa voz bem audível à volta, uma nossa breve síntese curricular, bem construída e sempre exata, que durava cerca de quinze segundos (sei isto bem porque caí na esparrela, aliás consentida, aí umas cinco vezes): "Boa tarde, Francisco Seixas da Costa, antigo secretário de Estado dos Assuntos europeus, que está embaixador de Portugal em (dizia o posto certo) e escreveu há dias um artigo sobre (...)" e adiantava mais duas ou três informações, seguramente tiradas de um qualquer jornal (nem me atrevo a imaginar que tivesse acesso ao Anuário do MNE!). A maior surpresa, mais do que saber o meu nome, era ele ter dados informativos atualizados sobre mim, tanto mais que, no meu caso, que vivia então no estrangeiro, passavam-se meses em que não subia a rua Garrett. E dizia tudo aquilo em voz bem alta, o que me embaraçava um pouco perante quem nos cruzava, pelo que sempre me apressava a deitar a mão à carteira, para corresponder à frase final com que complementava o sonoro CV: "Pode deixar uma notinha para ajudar aqui este seu amigo?".

Já encontrei várias pessoas que foram objeto desta tática de abordagem pela mesma personagem. Um dia creio que alguém chegou a dizer-me quem ele era. Que será feito do homem? Não que me apeteça minimamente ser cravado de novo, mas - é da idade, com certeza! - começo a cultivar com algum carinho a memória destas figuras bizarras da fantástica cidade onde tenho o privilégio de viver. E o Chiado estava hoje com uma luz imbatível... 

António Monteiro Cardoso (1950-2016)

Um dia, numa entrevista, dei-me conta de que o António tinha, como "lugares de sonho" cidades que me eram, em absoluto, comuns: Ouro Preto, Mariana, Tiradentes e Sabará. Seria por sermos ambos transmontanos? Talvez, mas nunca falámos sobre isso. Aliás, longamente, falámos muito poucas vezes, embora comungássemos muitas outras coisas, como era o caso do futebol.

Já não sei como nos conhecemos. Terá sido nos anos 80, creio. Seguramente, através da Ana e, depois, também da Joana. Recordo que lhe escrevi um dia, a felicitá-lo pelo excelente (e surpreendente) "Boas fadas que te fadem". Guardo uma troca de notas sobre isto.

Ontem, regressado a Lisboa, a meio de um jantar, fui surpreendido pela notícia da morte de António Monteiro Cardoso. Sabia-o doente. Não nos víamos há bastante tempo, porque as nossas vidas são o que são e, às vezes, só as mortes nos juntam.

Recordo o António como um homem caloroso, de sorriso aberto, por onde perpassava sempre alguma ironia. Saído dessa escola agitada que foi Direito de Lisboa em 1975, ex-MRPP, depois de se deter no Direito da Informação, ao tempo em que trabalhou com o Alberto Arons de Carvalho, o António passou posteriormente a dedicar-se à Historia, onde fez uma obra diversa mas muito interessante, chegando mesmo a colaborar com o António Pinto da França, no tratamento da reedição das suas "Cartas Baianas".

Era um homem de uma grande cultura, de palavra fácil e sólida, escrevia muito bem e tinha uma visão algo "renascentista", que a sua e minha geração (o António, contudo, era mais novo do que eu) foi a última, entre nós, a cultivar.

O António desaparece agora. É hoje enterrado em Freixo de Espada-à-Cinta. Tenho pena de nunca ter discutido com ele o seu conterrâneo Guerra Junqueiro. Tenho a certeza de que iria aprender bastante e, tenho para mim, ele estaria seguramente de acordo com o meu pai, que sempre se recusou a considerá-lo um "poeta menor".

Neste dia triste, deixo um beijo sentido para ti, Joana.  

segunda-feira, janeiro 11, 2016

Memórias


Numa livraria do aeroporto de Madrid, acabo de deparar com as memórias de Jorge Dezcallar, um diplomata espanhol que conheço pessoalmente e que teve um percurso profissional muito interessante, com uma passagem pelos serviços de "intelligence" do seu país. 

Comprei o livro, claro, e vou lê-lo logo que possa. Para colegas de profissão, é sempre curioso tentar perceber o que cada um retirou da sua experiência, o modo como "leu" o seu papel na execução das políticas dos seus governos e, muito em especial, as "learned lessons" dos contactos e das histórias vividas, nos diversos países onde operou. 

Pela minha experiência de leitor compulsivo deste tipo de obras, o saldo destes exercícios é muito variado. Já li memórias fascinantes de diplomatas que ficaram longe de atingir o topo das respetivas carreiras, mas que foram capazes de produzir relatos interessantes e instrutivos. E também já tive grandes deceções em face de escritos de colegas, que embora altamente qualificados, não conseguiram "decantar" nada de especial daquilo que testemunharam ou vivenciaram. 

Há dois defeitos tradicionais neste tipo de memórias. 

O primeiro prende-se com a qualidade da escrita: em todo o mundo, nem sempre os melhores embaixadores são os que melhor escrevem e até se suspeita que alguns grandes diplomatas não arriscam escrever relatos da sua experiência profissional por não terem a certeza de conseguir produzir um trabalho que se situe à altura do prestígio que conseguiram. Muitos diplomatas não têm uma escrita apelativa para um público fora do "métier", por se terem entretanto aculturado a um "oficiês" pouco interessante. E isso pode inibi-los de meterem mãos à escrita.

O segundo liga-se ao bom-senso. Como se diz na minha terra, alguns diplomatas, aliás como ocorre com muitos outros profissionais, "não se enxergam", isto é, não conseguem relativizar o seu papel e tendem a colocar-se "em bicos de pés", não percebendo que, na esmagadora maioria dos casos, são apenas atores secundários, quando não meros figurantes, por melhores profissionais que sejam, de uma "peça" em cujo cartaz figuram em letra necessariamente pequena. O equilíbrio é uma arte difícil, não sendo fácil ter o sentido da medida. Uma coisa é clara: nunca seremos os melhores juízes de nós próprios.

Diplomata ... de carreira!


Nem sempre as viagens regulares que, por décadas, fiz entre Lisboa e a minha terra, Vila Real, se passavam placidamente em belas autoestradas, como hoje acontece. Nos dias que correm, quaisquer três horas e pouco são suficientes para o percurso. Nos anos 60, cinco horas era já um verdadeiro "record" do Guiness.

Um dia do início dos anos 80, ao tempo em que vivia na Noruega, li num jornal que a companhia de transportes coletivos nortenhos sedeada em Vila Real, a nossa clássica "Cabanelas", inaugurara uma nova carreira "expresso", anunciada como podendo fazer o percurso a partir de Lisboa em bastante menos de quatro horas. Tratava-se de uma viagem sem paragens e, como imensa novidade para a época, a viatura tinha televisão (é uma força de expressão: só se viam fugazes e difusas imagens, logo entrecortadas por imensos riscos) e uma casa de banho, sendo que esta última era inovação era rara em transportes coletivos do Portugal de então. Numa das minhas deslocações a Portugal, decidi experimentar este "expresso".

Em Lisboa, ao entrar no autocarro, deparei com um motorista conhecido, junto de quem procurei inteirar-me da verosimilhança da informação sobre o "fabuloso" tempo de decurso da viagem. Perguntei então ao homem se sempre era verdade" que faríamos aquele horário ambicioso. O motorista, em voz baixa, foi muito claro: "nem o Sidoninho, se estivesse aqui sentado, conseguiria fazer esse horário". O "Sidoninho" era o Sidónio Cabanelas, conhecido corredor de automóveis, filho do proprietário da empresa, pessoa de quem eu era amigo e que viria a falecer, pouco tempo depois, num cobarde atentado à bomba.

A viagem confirmou-se, realmente, tão rápida quanto a qualidade das estradas de então o permitia. O condutor fez mesmo algumas verdadeiras "loucuras", tentando não se distanciar demasiado do impossível "target" horário que a publicidade da "Cabanelas" promovia. Já a viagem ia adiantada, decidi ir à tal casa de banho  um cubículo ínfimo, que implicava una coreografia complexa, para os motivos que ali nos conduziam. Não atentei, porém, em que parte do percurso estávamos. Ora nós tínhamos entrado, precisamente, numa zona hipercurvosa, à saída do Buçaco. Assim, de pé, naquele estreito espaço, vi-me de repente atirado contra uma das paredes. Mal acabara de conseguir equilibrar-me, logo me senti projetado em sentido precisamente contrário. Fiquei meio zonzo! Não entro em mais pormenores, para que o meu embaraço de então não fique por aqui mais sublinhado...

À chegada a Vila Real, uma hora e tal depois, vinha enjoado, nervoso e cansado, pelo incómodo da viagem e pela angústia que que constantemente sentira, pela pouco razoável velocidade utilizada.

Na cidade, ao sair do autocarro, aguardava-me o meu pai. Viu o meu estado destroçado, sorriu e saiu-se com esta "tirada" que guardei para sempre: "ora aqui está um verdadeiro "diplomata... de carreira"!

Ontem, numa viagem bastante rápida num pequeno autocarro por montanhas da Colômbia, lembrei-me, por qualquer razão, daquele ambicioso "expresso" da saudosa "Cabanelas", a empresa de transportes que, por muitos e bons anos, nos abria as portas de Vila Real para o mundo. Aproveito para enviar um abraço à Márcia, acabado que foi o ano em que perdeu o seu pai e fundador da "Cabanelas" e quando se aproxima a data em que, há 27 anos, perdeu também o seu irmão Sidónio.

domingo, janeiro 10, 2016

América Latina


Dentro de menos de uma semana, a convite do Colégio de Defesa da NATO, vou a Roma proferir uma palestra sobre as questões de segurança na América Latina. Por uma curiosa coincidência, passei estes últimos quatro dias em outras tantas cidades deste subcontinente. Por mais curtas que sejam estas experiências, mas se estivermos bem atentos, conseguimos sempre extrair destes contactos, em especial das conversas que aqui ou ali vamos tendo, elementos úteis que nos ajudam a refletir sobre as perceções que já temos sobre esta muito complexa realidade.

Há quatro temas que, em permanência, vêm ao de cima neste tipo de contactos. 

Desde logo, as perspetivas sobre os diferentes modelos democráticos da região, o modo como se comportam no enquadramento de realidades históricas, económicas e sociais mutantes e muito diferentes entre si. É curioso observar, nos dias que correm, o modo como estão na agenda das preocupações as disfuncionalidades do modelo político brasileiro, a quase exaustão do formato venezuelano e a grande curiosidade que rodeia o modo como no sistema argentino se vão enquadrar as novas tendências emergentes na Casa Rosada de Buenos Aires.

Um segundo tema é, como não podia deixar de ser, o "parceiro" permanente de todo o subcontinente: os EUA. O "amigo americano", por muito "amigo da onça" que seja para alguns, é um dado incontornável neste complexo puzzle. Por essa razão, não é por aqui indiferente se Trump se afirma como candidato republicano e são naturalmente lidos com muita atenção todos os sinais que permitam antecipar atitudes de uma possível administração Clinton.

A segurança, por estas áreas, tem menos a ver com o papel (sempre relativo) da América Latina nos grandes equilíbrios mundiais - não há por aqui armas nucleares ou de destruição maciça, nem graves conflitos potenciais à vista - e muito mais nos riscos em matéria de "segurança humana" decorrentes das grandes desigualdades, da pobreza e das tensões sociais. Mesmo o tráfico de droga terá já descido uns furos nessa agenda de preocupações.

Finalmente, a crise económica mundial, o papel dos emergentes na ordem institucional que a enquadra no plano multilateral está muito presente nas conversas. Por onde vamos? Que futuro para os intercâmbios comerciais com a Europa? Que efeitos colaterais trará a parceira transatlântica, se vier a ter "pernas para andar", para uma América Latina que já vive polarizada, em termos comerciais, por uma promissora Aliança do Pacífico e um Mercosul que parece imitar, em termos de resultados, o triste destino do "ciclo de Doha" da OMC?

sábado, janeiro 09, 2016

"Reformar a Administração Pública"


O "Público" de hoje insere uma reflexão sobre o tema em epígrafe, para a qual gostaria de chamar a atenção dos leitores deste blogue. São autores do texto Fernando Bello, João Ferreira do Amaral, João Costa Pinto, João Salgueiro, José Manuel Felix Ribeiro, Miguel Lobo Antunes e eu próprio.

Este documento é resultado do aprofundamento daquela tema, feito com a audição de diversas personalidades altamente qualificadas no setor, sendo que o texto apenas vincula os seus subscritores.

Desde há mais de três anos que o grupo que deu origem a este documento tem vindo a organizar, com o apoio da Culturgest, um conjunto de iniciativas, algumas das quais com expressão pública, em torno de grandes questões que atravessam a sociedade portuguesa e o papel do Estado no seu seio.

Leia o texto aqui

Dos apoios

Durante o debate de ontem com Maria de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito das negociações europeias, mencionou o meu nome, referindo a minha suposta qualidade de apoiante de Maria de Belém.

A verdade dos factos é muito importante. E a verdade é que, até hoje, eu nunca assumi apoio a qualquer um dos candidatos a estas eleições presidenciais, entre os quais se inclui a minha amiga Maria de Belém.

Os anglo-saxónicos chamam a isto "to set the record straight". É o que agora aqui faço.

sexta-feira, janeiro 08, 2016

Presidência?


A Holanda assume a presidência semestral da UE. Alguém vai notar? Berlim saberá? 

As artes & ofícios do professor Marcelo


Foi pena que Sampaio da Nóvoa, quando Marcelo Rebelo de Sousa, durante o debate de ontem, referiu, por diversas vezes, que as suas opiniões eram conhecidas do país, ao contrário do "silêncio" do seu opositor sobre os temas políticos mais especiosos da vida democrática passada, não lhe tivesse lembrado que essas posições públicas foram emitidas, por décadas, em canais públicos e privados, de rádio e televisão, principescamente remuneradas, sem o mínimo de contraditório e que funcionaram como uma espécie de pré-"tempo de antena" que preparou esta sua tentativa de sucessão do seu candidato preferido de sempre, que aliás o nomeou para o Conselho de Estado, o qual dá pelo nome, tão "popular" nos dias que correm que MRS tenta a todo o custo dele demarcar-se, de Aníbal Cavaco Silva. 

Acaso Sampaio da Nóvoa ou qualquer dos outros candidatos tiveram o privilégio desses milhares de horas de exposição para os exercícios de "tudólogo" - aquele que fala de tudo - de que MRS beneficiou? E o facto de não terem sido beneficiados com essa presença perante câmara e microfones retira-lhes qualquer legitimidade na expetativa de serem escolhidos pelos portugueses para ascenderem à Presidência da República?

O mundo está perigoso


A tensão há muito latente entre a Arábia Saudita e o Irão teve expressão, por estes dias, em alguns graves incidentes, provocados por Riade e reagidos por Teerão. Há riscos de que as “cabeças” das duas grandes obediências islâmicas (respetivamente sunita e shiita) possam vir a protagonizar um novo conflito na região. E, talvez mais importante do que isso, a limitar a concentração dos esforços internacionais no combate ao Estado Islâmico. 

A destruição política do Iraque como Estado unitário, pela ação irresponsável da administração Bush, fez desaparecer um contraponto a um Irão que, nesse vazio, descortinou uma oportunidade de afirmação da sua histórica ambição. Se o programa nuclear iraniano parece hoje controlado, na vertente militar, graças ao acordo obtido por força das sanções, alguns Estados da região - a começar pela Arábia Saudita e a acabar em Israel – continuam muito pouco sossegados com os respetivos termos.

O Irão, se bem que ainda debilitado e com o preço do crude a não ajudar, começa a fazer o seu caminho de regresso ao estatuto de potência regional. Ao afirmar a liderança da corrente shiita entre os muçulmanos, que está presente em vários tabuleiros políticos da área - do "novo" Iraque à Síria, do Hezzbolah libanês ao Iemen e ao Bahrein, Teerão reassume a sua capacidade de influência. E o seu estatuto de novo “parceiro” no conflito na Síria, que os países ocidentais parecem tender a reconhecer-lhe, irrita os seus tradicionais inimigos locais.

O principal dentre eles é a Arabia Saudita, país que se sentiu, por muitas décadas, sob uma espécie de "guarda-chuva" ocidental. Decisivo fornecedor de petróleo, com influência em grande parte do Golfo, sabia-se protegida pelos amigos americano e europeus, que, por “realpolitik”, sempre fecharam os olhos a um regime de práticas medievais, mas que lhes abria as portas a grandes negócios e lhes assegurava a energia para o seu desenvolvimento.

Entretanto, as prioridades energéticas mudaram, os EUA retraem-se na área e os aliados europeus, com a crise económica a bater à porta dos seus orçamentos militares, já não chegam para as encomendas em matéria de crises. 

Os sauditas, jogando a cartada nacionalista e religiosa para atenuar tensões internas, e a atravessar um momento económico menos brilhante, deram-se conta de que tinham de "fazer pela vida" e federar a resposta sunita às ambições regionais iranianas. 

A grande questão que preocupa a comunidade internacional é saber até onde estarão dispostos a ir.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, janeiro 07, 2016

Aeroporto de Lisboa

Nos últimos três anos, não viajo por via aérea a partir de Lisboa todas as semanas, mas, em média, utilizo o aeroporto da Portela no mínimo umas duas vezes por mês. Posso estar enganado, mas creio que nunca encontrei o aeroporto sem um estaleiro de obras. Não sei se isto é bom ou mau sinal, mas a verdade é que, quer à partida quer às chegadas, tudo tem mudado, nem sempre com a comodidade dos passageiros assegurada, muito embora seja óbvio ser esse o objetivo de alguns dos trabalhos - o outro é "meter-nos" lojas pelos olhos e no meio do nosso percurso, de uma forma que começa a tornar-se algo escandalosa. Um passageiro não tem o direito de entrar no aeroporto e tomar o caminho mais direto para o seu avião, visitando as lojas apenas se quiser?

quarta-feira, janeiro 06, 2016

Clotilde Câmara Pestana


Ontem, o presidente da República condecorou várias personalidades que, em diferentes cargos e funções, estiveram ligadas à atuação de Portugal no quadro da política europeia. Vários amigos e pessoas que muito respeito receberam esse reconhecimento. Infelizmente, não pude estar nessa cerimónia para felicitá-los. Considero que, sem uma única exceção, se tratou de distinções muito justas.

Permito-me, contudo, destacar um nome de entre todas essas pessoas: Clotilde Câmara Pestana.

Há dias, falei aqui da primeira equipa que acompanhou a integração europeia de Portugal. Foi nesse início de 1986 que conheci a Clotilde e dela fiquei para sempre amigo. Foi minha colega na "Visconde Valmor" e na "Cova da Moura" (os locais do Portugal europeu). Mais tarde, foi minha adjunta e chefe de gabinete, quando tive funções de governo na área dos Assuntos europeus. Nessa altura, o meu gabinete - entre pessoal diplomático, técnico e administrativo - e para além dos motoristas, chegou a ser composto apenas por mulheres.

A Clotilde é uma figura humana muito rara, para além de ser uma profissional dedicada, competente, de uma extrema lealdade e com um elevado sentido de serviço público. Sempre serena, muito "boa onda" e com grande sentido de equipa, é uma admirável criadora de consensos. Mas é, principalmente, uma notável mulher de família - mãe e orgulhosa avó de quase 11 netos! - com um empenhamento constante em causas religiosas e de voluntariado, ao lado do Rui, seu marido.

Deixo aqui um abraço de felicitações à minha querida amiga e recém comendadora Clotilde Câmara Pestana.  

terça-feira, janeiro 05, 2016

A cretinice é uma raça que se não extingue


Chinesices


A conversa ia solta, no carro daquele embaixador, algures no mundo. 

Mário Soares, então líder da oposição, tinha acabado de participar numa reunião da Internacional Socialista, de que era um dos vice-presidentes. Ciente do seu dever de acolher um ex-primeiro-ministro, o embaixador fora buscar Mário Soares e Maria Barroso ao hotel e, na viatura oficial da embaixada, com um jovem diplomata, conduzia-o agora de volta ao aeroporto. 

O embaixador era um diplomata à antiga. Criado na ditadura e pouco sossegado com o novo regime, olhava os socialistas como "avis rara". Claramente, apreciava a coligação conservadora no poder em Portugal, nesse início dos anos 80 do século passado. Mas, com sentido de Estado e do lugar que ocupava, colocara-se à disposição de um antigo primeiro-ministro. Soares estava satisfeito e foi simpático com o homem, que, intimamente, devia reconhecer que se tinha comportado como um bom profissional.

Apenas para fazer conversa, Soares inquiriu:

- O senhor embaixador conhece a China?  Daqui a duas semanas, vou a Pequim. É a primeira vez que os chineses convidam a Internacional Socialista para uma visita e, digo-lhe, fico contente em poder ter esta deslocação. Estou com uma grande curiosidade sobre a China.

- A China é muito importante, de facto, retorquiu o embaixador, em tom tipicamente formal. Conheço razoavelmente bem a China. Tem prevista alguma ida a Nanquim? 

Soares não tinha ideia de que Nanquim estivesse no programa.

- É pena, porque se fosse a Nanquim, por esta altura, veria os campos de flores, que são magníficos. 

Mário Soares não pareceu muito entusiasmado com a eventual extensão floral da sua visita. E, sobre o tema, nada disse. Mas, nem por isso, se calou o embaixador.

- O senhor doutor vai-me perdoar, mas, indo à China, posso dar-lhe um conselho? 

- Ó senhor embaixador! Por quem é! Claro que sim, tanto mais que já me disse que conhece a China e os chineses.

- Então, se me permite que lhe diga, deixo-lhe um alerta para a sua conversa com os chineses: não lhes fale de política!

Diz quem assistiu que o carro pareceu atingido por uma lomba que lhe afetou a suspensão. Soares explodiu:

- Não lhes falo de política? Ora essa, senhor embaixador, não tenciono falar-lhes eu é de outra coisa!

E Soares, farto da conversa do homem, entrou num quase mutismo até ao aeroporto.

Despedido o político português, o embaixador, que sempre usava a expressão "mais uma lebre corrida!" quando deixava aquela capital algum visitante português de peso, virou-se para o jovem diplomata e comentou:

- Este Mário Soares ainda está muito "verde". Falar de política aos chineses, imagine você!

O jovem não comentou o comentário do chefe. Estava a começar a carreira e, nela, o que verdadeiramente se pensa só pode começar a ser dito a partir de certa altura. Há um tempo para tudo, até para criticar as "chinesices" de certos embaixadores. Foi isso que sempre "li" por detrás de alguns silêncios, aparentemente respeitosos, dos muitos colaboradores que tive...

segunda-feira, janeiro 04, 2016

Árvores


- Olha lá, como é que conseguiste que o "Público" te desse capa e entrevista?

- Ando no ramo há muito tempo...

Eduardo Lourenço


A Eduardo Lourenço, uma figura por quem tenho uma crescente admiração, pela contínua lucidez com que nos interpela ao procurar interpretar-nos como povo e como país, foi ontem atribuído o prémio Vasco Graça Moura. O júri era presidido por Guilherme Oliveira Martins.

Um dia, quando era embaixador em Paris, organizei na residência um grande jantar em honra de Eduardo Lourenço. Curiosamente, entre os presentes estavam Vasco Graça Moura e Guilherme Oliveira Martins.

O Eduardo chegou já sobre a hora, depois dos restantes convidados. Pediu-nos imensa desculpa pelo atraso (que, na realidade, não existia) e explicou que acabava de chegar de Saint-Denis, nos arredores de Paris, onde fora encontrar Manoel de Oliveira, que aí filmava num estúdio onde se reproduzia uma rua do Porto (!). 

Um de nós perguntou-lhe a razão da deslocação. Curiosidade de ver Oliveira a filmar? Eduardo Lourenço deu uma daquelas gargalhadas contidas que lhe são típicas e, com uma jovialidade que só se ganha com a idade, revelou: "A verdade é que me tinham dito que o Oliveira estava, hoje, a filmar com a Jeanne Moreau e a Claudia Cardinale. E eu tinha curiosidade de ver, ao vivo, as duas senhoras". E viu?, perguntámos. "Não, já tinham ido embora e acabei por pagar uma conta calada de taxi..." 

Michel Galabru


Com a morte de Michel Galabru, desaparece o último membro do magnífico sexteto que, em 1964, inaugurou a série de filmes dos patuscos "gendarmes" de Saint-Tropez, cuja figura central era Louis de Funès. Galabru "fazia" de chefe de Funès, que titulava as principais confusões e situações divertidas.

Vistos hoje, os "gags" da trupe dos "gendarmes" ainda divertem, mas, no que me toca, acabam por cansar um pouco. Fazem parte de um outro tempo da comédia "trapalhona", que teve os seus cultores em todos os países e que, nos EUA, continuam a prosperar.

Acabaram assim os "polícias de Saint-Tropez". Não seriam tão famosos na localidade como foi Brigitte Bardot, mas a verdade é que da primeira vez que visitei a cidade, fui logo à procura do local (falso) onde aqueles "gendarmes" brilharam durante seis filmes.

domingo, janeiro 03, 2016

António Barreto


Na sua coluna dominical no DN, António Barreto afirma hoje isto: (Jorge Sampaio) "fez o que pôde para afastar António Guterres da liderança socialista, já agora também do governo. Depois de o conseguir, entregou o poder ao PSD".

Tudo isto é rotundamente falso, como bem sabe quem viveu as coisas por dentro. Melhor: como sabe qualquer pessoa minimamente informada, quanto mais António Barreto. E, no entanto, isto surge escrito com um ar de verdade incontroversa.

Havia necessidade? Vale tudo?

Passeio de domingo


Dizia uma para a outra:

- E tu, em quem votas?

- Deixa-os pousar...

Henrique Neto


Em 23 de março de 2015, escrevi por aqui isto:

"Pronto! Começou a corrida. Henrique Neto é candidato declarado à presidência da República. O primeiro.
Com 78 anos, um passado digno de anti-fascista, "self-made man", industrial, homem de palavra frontal, Henrique Neto não é um homem "fácil". Tens ideias próprias, diz sempre o que pensa e di-lo com palavras fortes, às vezes ácidas. No seio do Partido Socialista, ao olhar para as últimas décadas, verifica-se que quase sempre foi uma figura incómoda, incontrolável, crítica. 
Deixo daqui um sincero abraço de simpatia pessoal a Henrique Neto, pessoa que me merece respeito, com quem tenho trocado impressões esparsas e francas, ao longo destes anos. Um respeito que é agora reforçado pela coragem que teve para entrar nesta aventura, a qual nem por ser impossível deixa de ser nobre. Estarei algures, mas só lhe posso desejar um valente combate."

Na ocasião, não foram poucos os amigos que me criticaram por ter colocado a público esta nota de simpatia pessoal, não obstante o meu "estarei algures" deixasse explícito que Henrique Neto não poderia vir a contar com o meu voto.

Ontem, vi, por mera casualidade, o seu debate com Sampaio da Nóvoa. Não foi a "nobre" aventura e o "valente" combate que eu esperava que ele assumisse. Foi um espetáculo tristíssimo de ressabiamento e agressiva acrimónia,  que foi ao ponto de convocar a cumplicidade do falso "moderador", que funcionou como seu "compère" (ou seria o contrário?).

É com muita pena que digo que aquilo a que ontem assisti não está à altura do passado de Henrique Neto. Pelo menos, do Henrique Neto que eu julgava conhecer mas que, pelos vistos, os meus amigos conheciam melhor que eu.

Presidenciais

Tinha prometido a mim mesmo não ver debates televisivos nas eleições presidenciais. Mas "a carne é fraca" e, anteontem, não resisti a observar o anunciado espetáculo de Tino de Rans com Marcelo Rebelo de Sousa. O show foi antecedido do "número" de um senhor grave que, "à Santana Lopes", abandonou a cadeira. Havia ainda um outro senhor cujo nome (ainda) não decorei e cujo fascinante currículo vou pesquisar no LinkedIn, e que disse umas coisas notáveis. Um ponto comum a todos os candidatos foi terem proferido afirmações da maior "sensatez" - a acreditar em Marcelo Rebelo de Sousa, qualidade não acessível a todos os mortais.

Há pouco, noutra distração - apenas porque no "zapping" tinha achado graça ao "ticket" -, assisti ao debate entre Henrique Neto e Sampaio da Nóvoa, "moderado" por Rodrigues dos Santos. Este pareceu possuído pela diabolização de Sócrates e, subitamente, deixou de tentar ser jornalista moderador e passou a atacar Sampaio da Nóvoa, como se a este não bastasse o facto de Henrique Neto já o ter tomado como alvo, nem que para tal tivesse sido obrigado a dizer bem de Passos Coelho. Nóvoa, coitado, correto mas claramente sem "killer instinct", fez de "punching bag" de ambos, acabando despedido secamente por um deliciado Rodrigues dos Santos, dono do gong.

José Rodrigues dos Santos, que em tempos longínquos estagiou na BBC, esforça-se há anos por fazer de Jeremy Paxman da paróquia, mas nem na qualidade das gravatas consegue aproximar-se. E - uma vez mais! - fez passar uma vergonha ao diretor de informação, Paulo Dentinho. Não foi "Serviço Público", foi "Serviço Correio da Manhã".

sábado, janeiro 02, 2016

Mundo islâmico

Quando os americanos, sob o falso pretexto da existência de "armas de destruição maciça"*, atacaram o Iraque, muitos comentadores responsáveis alertaram para o risco de uma desagregação desse país poder ter consequências catastróficas para toda a região e, muito em particular, poder afetar o equilíbrio entre Bagdad e Teerão. Viu-se que tinham carradas de razão. A noção de que as grandes "obediências" muçulmanas - shiitas e sunitas - pudessem vir a agravar a sua tradicional conflitualidade estava também presente nesses avisos, que a "intelligence" americana desprezou, por irrelevante.

Se se olhar para a tensão nas últimas horas entre o Irão e a Arábia Saudita pode perceber-se que essa realidade está cada vez mais presente e sabe-se lá até onde poderá chegar.   

(*a propósito: à época, um opinador luso disse que, se acaso não houvesse "armas de destruição maciça" no Iraque, se passearia nu pelo Rossio. Creio que ninguém é "demandeur" do espetáculo, mas será que nunca mais voltou a opinar sobre o assunto?)

Vamos lá, rapaziada!


Futeboys

A nossa diligente imprensa de investigação, que tão afoita se mostra quando lhe dá para cuscuvilhar a vida de um qualquer cidadão, não tem a mesma curiosidade sobre a vida financeira (nomeadamente dívidas à banca e situação fiscal) das grandes agremiações futebolísticas. 

Aí, sim! Os números seriam importantes, quase a contarem para o défice...

Seria bonito, mas a cobardia, pelo medo ao boicote organizado dos adeptos das várias cores, atenua o escrúpulo profissional e não permite o empenhamento, não é?

Boa memória (1)


A sério: valeu mesmo a pena tudo aquilo?

sexta-feira, janeiro 01, 2016

Foi assim...


Não éramos muitos. Apenas algumas dezenas. Na maioria, especialistas nas áreas económica e jurídica, além de uns quantos diplomatas, numa convivência pouco habitual mas que, com os anos, se foi tornando cada vez mais natural e frutuosa. Grande parte vinha da estrutura que havia representado os interesses sectoriais portugueses no processo de adesão às então chamadas "Comunidades europeias". Alguns haviam sido destacados de outros departamentos técnicos. Outros ainda, provinham do núcleo que, nas Necessidades, tinha sido responsável pelas negociações. Eu vinha... de Angola! Juntámo-nos todos naquele edifício da Visconde de Valmor, para dar início à grande aventura que começou a fazer-se há precisamente 30 anos.

O "know-how" português sobre as questões europeias era considerável, mas algo lacunar. No MNE, no Ministério das Finanças e em vários outros departamentos do Estado, havia já gente com forte experiência em alguns dossiês, em particular dos que haviam sido objeto de negociação mais intensa. Porém, a globalidade do universo bruxelense era algo que ainda nos transcendia.

Sabíamos bem o que era essencial para os nossos interesses, aquilo a que deveríamos estar atentos em prioridade. Essa era a agenda “defensiva” a que estávamos aculturados. Mas havia um conjunto de temas que, por não serem relevantes para essa nossa agenda nacional, não suscitavam então a nossa reação.

As instituições europeias são uma "fábrica" de papelada, se bem que, à época, a sua "produção" fosse bem mais limitada do que hoje sucede. Não obstante, lembro-me de aterrarem então sobre as nossas secretárias resmas de documentação sobre cujo tratamento nos interrogávamos, com “deadlines” para eventual resposta que nos angustiavam e que, passadas que fossem, nos deixavam “aliviados”.

Depois dos primeiros meses de 1986, tudo começou a ficar mais claro: os assuntos coneçavam a ser hierarquizados com maior realismo e, pouco a pouco, o que sentíamos como alheio passou a mobilizar a nossa atenção. Porém, muitas das vezes, os departamentos técnicos que consultávamos não eram capazes de manifestar nenhuma opinião e, recordo, a perplexidade sobre a atitude que devíamos assumir podia ser imensa. 

Interessante passou a ser a nossa participação nas reuniões de Bruxelas, onde à timidez inicial de alguns sucedeu o “atrevimento” de outros, quando ousavam pronunciar o “Portugal pensa que…” Éramos todos aprendizes de uma arte nova, alguns já com experiência internacional anterior, outros dando os primeiros passos num terreno em que todos tínhamos a consciência de ir assentar muito do nosso futuro.

Foi assim. Correu bem, mesmo muito bem, essa magnífica aventura iniciada a 1 de janeiro de 1986.

2016 !


quinta-feira, dezembro 31, 2015

A bem "dezer"...


... o ano até nem correu nada mal!

Schengen


Feliz Ano Novo!


"O Independente"


Nuno Saraiva, a abrir uma crónica ontem no DN, a propósito do livro "O Independente - a Máquina de Triturar Políticos", de Filipe Santos Costa e Liliana Valente, escreve esta frase: "Foi dos livros em que mergulhei nos últimos tempos o que mais prazer me deu". Ora eu gostava de dizer que o Nuno me tirou as palavras da boca. Foi exatamente isso o que eu senti.

Se, neste final de ano, me é permitido aconselhar a compra e a leitura de um livro, esta seria a minha escolha. Está ali o essencial para se perceber a evolução daquilo a que, em tempos, se chamou o "cavaquismo" e do Portugal desse tempo. Há por ali retratos imperdíveis de figuras cuja importância se esvaiu com o tempo, mas que pareciam então ter um destino nacional assegurado. Mas também por ali está o perfil, a preto e branco, de um jornal que, com muita arte e às vezes com muito pouca ética deontológica, não deixou de marcar um tempo importante no jornalismo português, por muito que isto possa parecer algo incongruente. 

Durante esses anos em que foi dirigido por Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas, "O Independente" foi um ator central na vida política portuguesa. "Queimou" pessoas, destruiu carreiras, bombardeou inimigos de estimação, protegeu amigos do peito, desenvolveu uma espécie de jornalismo onde, lado a lado, o brilhantismo convivia com alguma canalhice, numa total impunidade. O livro retrata tudo isso sem estados de alma, mas também sem contemplações. Lê-lo é um prazer, difícil é pô-lo de parte quando o tempo do dia não é suficiente. Recomendo-o vivamente. 

quarta-feira, dezembro 30, 2015

"Europa - um Feliz Ano Novo?"


Na "Visão" desta semana, que saiu hoje com um interessante conjunto de textos sobre o ano que aí vem, publico um artigo sobre os desafios da Europa para 2016, intitulado "Europa: um Feliz Ano Novo?". Pode lê-lo aqui.

Fraga da Almotolia


Há dias, falei aqui do Buraco Sagrado, um dos lugares "secretos" de Vila Real. Hoje estive perto de outro, a Fraga da Almotolia. 

Pergunte-se a um vilarealense se conhece a Fraga da Almotolia. Em dez, deve encontrar um que diz que "ouviu falar" e, em cem, talvez um tenha por lá passado algum dia. E, no entanto, se lhes pedirmos indicação sobre onde é o Chaxoila, quase todos dirão que sabem - sem que reconheçam que o tal lugar da Fraga da Almotolia (porque se chamará assim?) é quase por detrás do restaurante Chaxoila, desde há muito uma "casa de pasto" de referência das cercanias da cidade de Vila Real.

A Fraga da Almotolia, uma área na zona das Flores, à saída de Vila Real para Chaves, era um lugar tradicional de exercícios militares do RI 13, a unidade do Exército da cidade. A seguir à descolonização, a exemplo do que aconteceu em outras zonas do país, a agência norueguesa para a cooperação, Norad, criou na Fraga da Almotolia um bairro para acolher famílias de "retornados", numa acção de solidariedade que viria a ser complementada com uma magnífica ajuda à construção e equipamento do novo Hospital de Vila Real. Não obstante ter dado a uma das suas avenidas o nome de Noruega, fico com a sensação de que a cidade nunca agradeceu devidamente estes desinteressados gestos nórdicos.

Por que falei hoje na Fraga da Almotolia? Porque fui almoçar (aliás, muito bem) ao Chaxoila e achei que o serviço público que é este blogue também tem obrigação de revelar aos seus leitores os locais do Portugal desconhecido que existem na minha terra. Prometo não exagerar nesta toponímica bizarra, mas ainda não excluí elucidá-los sobre os mistérios da esquina da Cardoa, partindo já do princípio de que lhes são familiares os Quinchosos, que já foram beco e hoje ganharam vida nova. 

terça-feira, dezembro 29, 2015

Portas


Paulo Portas é um dos mais talentosos políticos portugueses. Goste-se ou não da sua forma de estar na vida pública, qualquer opinião independente será forçada a constatar que ele tem sido, ao longo dos anos, um dos grandes "performers" do nosso espetro partidário.

Portas teve o azar de "encalhar" num partido que atingiu o seu "princípio de Peter" político há bastantes anos. Surgido dos conservadores (e muitos reacionários) inquietos com a Revolução de 1974, o CDS nunca conseguiu superar a preeminência do PSD na direita portuguesa. Portas, que se iniciou na juventude do PSD, fez do jornalismo (foi um excelente jornalista, no que à qualidade da escrita diz respeito) a sua trincheira, até que aportou à liderança do CDS, num dia em que se fartou de ser "ponto" para um ator em cujo sucesso deixou de acreditar. Tentou então transformar o partido, que parecia condenado à insignificância. Crismado de Partido Popular (coincidência de iniciais?), deu-lhe uma coloração eurocética e soberanista, colocou a democracia-cristã na gaveta e, a partir de um certo momento, assumiu as cores liberais que os tempos pareciam justificar. Contudo, nunca enveredou pela direita pura e dura, do populismo extremista, hiper-securitário ou xenófobo, há que reconhecer.

Por uns tempos, o CDS/PP pareceu protagonizar os interesses de nichos sociais mais frágeis, das pessoas idosas e pensionistas à "lavoura" familiar, colocando-se no campo mais renitente às causas fraturantes da modernidade, que sacodem incomodamente um certo Portugal tradicional. Era talvez o seu lado democrata-cristão a emergir, diziam uns; era um saco de votos à mão, acharam outros. Mas foi sol de pouca dura e logo partiu para outra. Com Paulo Portas, o CDS pareceu uma "barata tonta", andando de um lado para o outro. Se se perguntar hoje a alguém "onde está" ideologicamente o CDS, ninguém saberá responder. Porquê? Porque Portas teve necessidade de "romper" por onde tivesse mais ganhos potenciais, saltitou de causa em causa, à procura de um mercado político próprio, que nunca chegaria a encontrar. Não obstante ter conseguido uma fatia de poder, isto é, uma capacidade de representação de alguns interesses e de conquista de lugares para prosélitos, falhou no essencial: não chegou ao verdadeiro poder, à chefia do governo. À direita, o poder está e estará, por muitos e bons anos, no PSD. Em Belém, é agora Marcelo Rebelo de Sousa, de um certo PSD, quem, por cinco anos, tem as hipóteses maiores. Portas guarda-se para 2021?

Por ora, Portas deve ter-se cansado. De toda a direita desiludida pela hábil manobra de António Costa, o desespero de Portas mostrou ter sido ele o mais afetado. A demarcação que Passos Coelho dele quis fazer também acabou com um capítulo da sua vida política.

Era tempo de sair de cena, com ar de estar a dar o lugar aos novos, que se desunharão entre eles. Agora, Portas vai querer ganhar distância, vai tentar assumir "gravitas", vai procurar "senadorizar" a sua imagem. Uma empresa ou uma instituição, talvez lá por fora, vai ser o seu Vale de Lobos. Com Portas, como o passado provou, aquilo que, no presente, é definitivo pode passar a ser revogável no futuro. Sem dramas e sem corar, porque ele sabe bem que este é um país de crédulos de memória flácida. Como já aconteceu com Marcelo, lembremo-nos. Por isso, aguardemos pelas cenas dos próximos capítulos. Daqui a uns tempos falaremos.

segunda-feira, dezembro 28, 2015

2016 à mesa


Durante os meses de Janeiro e Fevereiro, está prevista a publicação, numa revista, de três guias com várias dezenas de restaurantes do Norte do país, que cobrem três regiões: o Minho (descendo até às cercanias do Porto), Trás-os-Montes e Alto Douro (com "fatias" do distrito de Viseu e do Douro Litoral) e da cidade do Porto e arredores. Após essa publicação, mas não antes, os guias surgirão no blogue "Ponto Come". 

Trata-se de escolhas pessoais, cuja subjetividade assumo sem a menor dificuldade. Algumas omissões ocorrerão (só falarei sobre aquilo de que tenho informação segura) e admito que algumas injustiças também.

Os eventuais leitores poderão depois comentar livremente no blogue "Ponto Come". 

Piropo

A nova e avançada legislação que o parlamento português aprovou, criminalizando o piropo, é o que se pode chamar uma lei boa como o milho...

Mais a sério: há piropos e piropos, há que reconhecer. Uma boca foleira agressiva, que indisponha quem a recebe, cheia de palavrões e insinuações sexuais, não é admissível. Mas acho perfeitamente normal que, com graça e simpatia, de uma forma que haja a convicção de que agrada a quem o ouve, se possa fazer um elogio à beleza de alguém. Confesso, no entanto, que me preocupa, a partir de agora, o critério de quem vai julgar a ampla "zona cinzenta" entre estes dois extremos. E, muito em especial, pergunto-me se esta legislação não vai reduzir o espaço à legítima sedução, motor do mundo...

A importância de uma letra


Foi em Nova Iorque, há já uns anos. Aqueles nossos amigos brasileiros haviam encontrado numa rua um casal conhecido. da mesma nacionalidade, que partia de regresso ao Brasil no dia seguinte, no termo de um período de férias. Os nossos amigos, também turistas, que ficavam um tempo mais na cidade, sugeriram então juntarem-se os quatro para jantar nessa noite, num belo restaurante, do lado de Brooklin, com uma vista deslumbrante sobre Manhattan - o "River Cafe", cenário de muitos filmes. Encontrar-se-iam lá, a uma certa hora, ficou combinado.

Chegados ao restaurante, os nossos amigos começaram a estranhar o atraso dos dois restantes convivas. Com o tempo a passar, e imprudentemente não tendo ficado com os mútuos números de telefone, decidiram jantar só os dois. Alguma confusão ou dificuldade de última hora deveria ter havido.

Regressados ao Brasil, quase esqueceram a cena, até porque viviam em cidades diferentes. Um dia, os homens de ambos os casais encontram-se e o meu amigo diz para o outro: "Então, lá em Nova Iorque, vocês nunca chegaram a aparecer...". O "faltoso" responde : "Essa agora!! Então vocês marcaram aquele estranho lugar e, afinal, acabaram por não ir!" E explicou que tinha chegado bem à hora, com a sua mulher elegantemente vestida para um local de luxo e que se havia confrontado com um sítio um pouco "bizarro", nada condizente com o cenário para um jantar requintado, como esperavam.

O meu amigo estava siderado! Mas afinal que diabo de local era esse, onde tinham ido parar? O outro explicou que tinha dado o nome do restaurante que ele lhe tinha indicado à pessoa que estava no balcão do seu hotel, pedindo para esta descobrir o endereço e chamar um taxi. Lá chegados, o ambiente pareceu-lhes desde logo muito pouco adequado, mas entraram e aguardaram. Como os meus amigos não chegavam, e porque aquilo era um espaço um pouco constrangedor, decidiram regressar ao hotel.

Consciente de que havia algo de errado, o meu amigo perguntou: "Mas onde é que o taxi vos levou?" Ao que o outro explicou que foi ao "Rivera Cafe"! Os infelizes tinham aportado a um sinistro "Rivera Cafe", em lugar de irem para o elegante "River Cafe". Era "apenas" a diferença entre a noite e o dia...

Há pouco, ao descobrir a página do "Rivera Cafe" no Facebook, dei-me conta um comentário inserido por alguém nessa página, que diz tudo: "worse place I ate in a long time"...

domingo, dezembro 27, 2015

Buraco Sagrado



Há dois dias, falou-se por aqui do Buraco Sagrado, uma das zonas mais "secretas" de Vila Real. Nem imaginam a quantidade de pessoas da cidade que ou nunca ouviram falar do nome ou ouviram mas não fazem a menor ideia de onde fica esse local, que a toponímia local não regista.

As coincidências fazem parte da vida. E ontem, ao final da tarde, estive na casa de uma pessoa que é proprietária de um quadro do pintor Trindade Chagas, datado de 1928. Olhei para ele e vi que reproduz precisamente uma zona do Buraco Sagrado. Ele aqui fica, bem como a informação de que o Buraco Sagrado é uma zona por detrás do antigo hospital e do liceu, sendo acessível por ambos os lados. 

Posso imaginar que esta informação não seja de grande utilidade para muitos leitores deste blogue, espalhados pelo mundo, mas quantas informações inúteis não coletamos nós ao longo da vida? Assim, se um dia vier a baila o nome de Buraco Sagrado, já sabe!

O telefone de outros tempos


por aqui contei um dia o telefonema que, no início anos 60 do século passado, fizémos ao administrador apostólico de Vila Real, monsenhor Libânio, imitando a voz do bispo da Diocese, dom António Valente da Fonseca, que se encontrava em trabalho em Roma. A conversa começou por versar sobre os problemas da Diocese para, a certa altura, abordar o estado de saúde de umas muito conhecidas prostitutas locais, o que colocou o monsenhor numa imensa aflição, pensando que o bispo se "tinha passado", levando-o a interromper a chamada.

De uma outra vez, relatei neste blogue a aventura que foi convidar telefonicamente o responsável por um torneio de ping-pong (diz-se ténis de mesa agora, não é?) a repetir os resultados de todos e cada um dos jogos, convencendo-o de que, no dia seguinte, essa "reportagem" sairia em duas páginas do "Norte Desportivo". Ao alvoroço com que vencedores e derrotados, desejosos de ver o seu nome em letra de forma, esgotaram em segundos os exemplares chegados a Vila Real, seguiu-se uma fúria contra os desconhecidos "engraçadinhos" que tinham sido autores da "partida", felizmente não identificados.

A modorra de uma cidade de província, onde muito pouco havia para fazer, em especial em tempos de férias, levava à ousadia para este tipo de brincadeiras, protegidas, à época, pela garantida impossibilidade técnica de se detetar a origem das chamadas.

Ontem, numa volta pela cidade com amigos, recordámos mais três dessas "partidas" inocentes, em que interveio um número considerável de amigos, até porque o respetivo "efeito" só era conseguido pela repetição dos atos.

A primeira teve como vítima o proprietário de uma tasca no "circuito", o senhor Coelho. O Coelho era um homem de má catadura, proverbial mau feitio, sempre com um ar zangado atrás do balcão. A partir de certa altura, e durante várias semanas, o Coelho recebia chamadas que começavam de forma diferente mas acabavam sempre da mesma maneira, como por exemplo: "Está lá? É o senhor Coelho?" O homem respondia que sim e, do lado de cá da linha, nós avançávamos com a mesma frase: "Pum! Pum! Ó Coelho, matei-te!" Antes de desligarmos, o Coelho zurzia-nos com um arsenal muito criativo de asneiradas, de onde não saíam incólumes as nossas progenitoras. Foram largas dezenas de chamadas. Às vezes, já não era o próprio Coelho que atendia, mas nós tínhamos artes de obrigar a que ele próprio viesse ao telefone, invocando o nome forjado de um fornecedor ou coisa parecida. Um dia, alguns de nós corremos mesmo o risco de estar na tasca, a comer uma sanduíche, enquanto outro amigo executava a "operação". E não nos "desmanchámos"...

A segunda "intervenção", ao que apurámos, colocou uma família quase de cabeça perdida. Era uma simples chamada para um determinado número, apurado na lista da cidade. Invariavelmente, a nossa fala era a seguinte: "É de casa do senhor Zuzarte?" Respondiam sempre positivamente, quase sempre o próprio, ao que nós acrescentávamos: "O senhor Zuzarte não tem vergonha de ser o último nome da lista telefónica?" E acrescentávamos coisas como: "Deve ser muito triste, não é?" ou "Nunca pensou mudar de nome?" Da surpresa inicial, o Zuzarte começou a "passar-se dos carretos", respondendo com um chorrilho de imprecações furibundas. Às vezes, era a esposa do senhor Zuzarte que vinha à linha e nós adaptávamos a frases criativamente piedosas. Não vou revelar, contudo, a fraseologia adotada quando a família Zuzarte passou a encarregar a "criada" de atender as chamadas...

Conto agora a última das "partidas" - há outras que nunca "prescreverão", pelo que são irreproduzíveis... - que então fazíamos. Havia, na avenida Carvalho Araújo, uma importante loja de eletrodomésticos chamada "Casa Patinhas". Ora, à época, de um popular programa radiofónico diário dos "Parodiantes de Lisboa", faziam parte uns "sketches" muito populares, uma conversa entre um detetive, chamado "Patilhas", e o seu colaborador, o "Ventoínha". O senhor Patinhas passou a receber, aí uma vez por dia, durante meses, uma chamada telefónica muito simples: pedia-se-lhe para chamar ao telefone o "Ventoínha". De início, o senhor Patinhas foi dizendo que por ali não havia nenhum Ventoínha. Rapidamente percebeu a marosca e passou a ter reações furiosas. Mudámos então de tática: passou a ser "o próprio Ventoínha" a telefonar, dizendo querer falar com o Patinhas. O homem (o facto dele se não chamar Patinhas e não Patilhas era já despiciendo) dava berros que se chegavam a ouvir num banco da avenida que havia perto da porta da loja, onde nos íamos sentar para gozar a cena. Um dia chegámos a pedir a uma amiga para telefonar como se fosse mulher do Ventoínha, perguntando por ele. Arrancámos-lhe o telefone da mão antes do pobre Patinhas a mimosear com qualificativos que um "blogue de famílias" como este não pode, naturalmente, acolher.

Era assim nesse tempo, nessa Vila Real de então, para quem tinha 14 ou 15 anos e muito pouco para fazer nos tempos livres. Não devia ser muito diferente noutras cidades de província portuguesas.

sábado, dezembro 26, 2015

Fernando Henrique Cardoso


Tenho uma grande admiração por Fernando Henrique Cardoso. (Embora a alguns isso pareça incongruente e incompatível, tenho também forte admiração por Lula da Silva, mas isso são outras histórias). 

Desde o tempo em que fui embaixador no Brasil, FHC (é assim que o conhecem) foi sempre de uma extrema simpatia comigo. Tive gosto em ter sido ele e entregar-me o prémio "personalidade do ano" com que, em 2006, o mundo empresarial luso-brasileiro quis manifestar-me o seu apreço pelo apoio que a embaixada que chefiei lhe proporcionava. E guardo para memória futura uma longa conversa a dois, no restaurante Carlota, em São Paulo, onde falámos um pouco de tudo e muito de política brasileira. Temo-nos cruzado em Lisboa várias vezes, nos últimos anos.

Fernando Henrique Cardoso acaba de editar os seus "Diários da Presidência 1995-96", um volume de quase mil páginas com suculenta informação sobre a vida política interna do Brasil, que a mim me continua a interessar muito. O livro chegou-me há dois dias, oferta de um amigo brasileiro. Passei os olhos por ele e, de facto, é garantido que me vai acompanhar por algumas semanas. 

Não é de estranhar que as escassas referências a Portugal tenham chamado a minha atenção prioritária.

Há algumas notas pessoais muito simpáticas sobre Mário Soares, Jorge Sampaio e António Guterres ("ele pensa do jeito que eu penso"), bem como um apontamento breve de um encontro com Ricardo Salgado, que foi informar FHC, para grande surpresa deste, de que o grupo Espírito Santo pretendia investir no Brasil. Também idêntica intenção da Caixa Geral de Depósitos é assinalada. Sobre uma conversa com Durão Barroso, a referência é curiosa: "Falei bastante com DB, nada de mais extraordinário a não ser que foi muito grato e muito cansativo" (sic)!

(Um parêntesis para notar que o período coberto por este volume corresponde à chegada ao governo de António Guterres e à substituição de Mário Soares por Jorge Sampaio).

Sobre as relações luso-brasileiras, na ressaca da crise dos dentistas, diz FHC : "pela imprensa me parece que Portugal tem um certo ceticismo com relação ao Brasil, talvez até bem fundamentado. E não tem tanto entusiasmo quanto se pensa em relação às chamadas "relações especiais". A cúpula, o governo, todos os lados, mais a elite cultural, esses sim, mas não creio que isso tenha enraizamento maior na vida portuguesa propriamente dita, como não tem na vida brasileira". Interessante leitura.

O mais curioso destas referências a Portugal prende-se com a CPLP e a posição de José Aparecido de Oliveira, que havia sido embaixador brasileiro em Lisboa. Não estarei a revelar nenhum segredo se disser que, na percepção dos meios políticos portugueses (eu estava no governo nessa altura), ficou a sensação de que foi FHC quem se opôs a que José Aparecido de Oliveira fosse o primeiro secretário-executivo da organização. Ora o antigo presidente desmente essa versão nestes "Diários", e diz com clareza que a oposição foi do chefe da diplomacia brasileira: "O Luiz Filipe Lampreia não quer". Curiosamente, Lampreia não se refere a esta sua posição no livro "O Brasil e os ventos do mundo" (Rio, 2009), onde se limita a assinalar que a criação da CPLP se fez "por impulso do embaixador do Brasil em Lisboa, José Aparecido de Oliveira", encerrando com a brutal (mas muito verdadeira) constatação de que "no Brasil não existe nenhum entusiasmo com a instituição".

"A russa a caminho do Marão"


Ferreira Fernandes, no DN de hoje, retoma uma história aqui contada há dias. Ter o mais credenciado cronista português a ecoar brilhantemente o meu modesto escrito foi uma excelente prenda de Natal.

sexta-feira, dezembro 25, 2015

A greve de Natal


Quero deixar aqui uma nota de simpatia aos maquinistas e condutores da CP e do transportes coletivos do Porto, que decidiram uma justa greve (não conheço os motivos, mas deve ser justa) precisamente no dia de Natal, sabendo bem que essa data é a que menos prejudica os trabalhadores e a que mais afeta os utentes - os quais, como é sabido, são, em esmagadora maioria, os capitalistas e as classes possidentes do país. Avante! Haveis de ir longe...

O problema do Natal


O problema não é o que se come e bebe entre o Natal e o Ano Novo. O problema é o que come e bebe entre o Ano Novo e o Natal...

Mito urbano


Ouvi, durante anos, aqui em Vila Real.

"Descem à cidade velha, alguns pelo seminário, outros pelo asilo, bastantes pelo Calvário, cada vez mais pela rua Direita e, também, pela marginal. Até da Almodena e do Buraco Sagrado chegam uns poucos. Encontram-se todos à esquina da Gomes, ao final da manhã de 25 de dezembro. São os felizes proprietários das camisolas de losangos, que lhes "saíram" nas prendas da noite anterior. A romaria é imensa, se somarmos as décadas que leva."

Nunca vi. Será mesmo mentira?

Hoje...


Pelo Porto, pelo Natal


O Porto era uma etapa invariável dos meus Natais de infância. Funcionário público “exilado" em Vila Real, desde os anos 40, o meu pai rumava com a família para a sua Viana do Castelo, uns dias antes do Natal. Não tínhamos carro, íamos de comboio.

Primeiro, até à Régua, pela velha linha do Corgo, com bancos de "sumopau", as faúlhas da máquina a entrarem-nos pelos olhos. Depois, o Douro ia ali ao lado, mas nós, nessa época, quase não olhávamos para ele. Via o meu pai preocupado em conferir ao minuto os atrasos, a tentar perceber se "dava tempo" para chegar a Campanhã ou se tínhamos de mudar para a linha do Minho em Ermesinde. Era um rebuliço de bagagens e gentes, nesses períodos de inevitável enchente dos comboios.  

A ceia da Consoada era passada no casarão da minha avó paterna, no largo Vasco da Gama. Lembro-me claramente do cheiro do armário de onde se tirava anualmente o presépio, dos carneiros e músicos fanados pelo uso, do musgo que íamos buscar ao quintal, para colocar sobre um papel forte, manchado. Com os meus primos, jogava pinhões ao rapa. Era um tempo ainda sem televisão, com um gira-discos a alegrar, todos à conversa à volta da minha velha avó e nós, os mais novos, a traquinar pela imensa casa.

No dia 25, depois da "roupa velha", partíamos para o Porto. Levava já prendas, embora, para meu silencioso desconsolo, algumas fossem sempre pacotes de meias, compradas no Eugénio Pinheiro, na Picota. Ficou-me uma imagem do meu pai, no comboio, a ler "O Comércio do Porto" (não era o “Notícias”, desculpem lá!), com as páginas coloridas de motivos natalícios. E da minha mãe entretida com a então famosa "Eva" do Natal, a revista que sorteava uma moradia. Nunca nos "saiu", diga-se, porque toda a sorte que tivemos na vida deu sempre muito trabalho.

A chegada a S. Bento, com fumarada, apitos e uma barulheira que eu achava então o máximo do cosmopolitismo, e que depois lembrei em alguns filmes, era um momento ansiado. Aguardavam-nos outros familiares, com os quais avançávamos, já de carro, para Vila Real. E lá íamos nós pelo Marquês e por Costa Cabral adiante, por Ermesinde (outra vez!), rumo às temíveis curvas do Marão.

A elas nos abalançávamos depois de um "reforço" em Amarante, no Zé da Calçada, e da doçaria na Lai-Lai, ao lado. Passada a Pousada e o esperado Alto de Espinho, onde a curvaria amainava, as luzes de Vila Real, avistadas de Arrabães, prenunciavam já a outra noite de Natal que aí vinha, desta vez em casa dos meus avós maternos, com outros tios e outros primos. E com novas prendas, claro!

Tempos felizes!

Confesso os figos

Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...