quinta-feira, agosto 25, 2022

Colaboração

Ora aqui está uma bela novidade. Um comentário anónimo, que tentaram colocar num post, anuncia: “Em breve o blogue “tal” vai publicar umas revelações sobre ti Seixas da Costa. Vais ser exposto como o colaborador da CIA que és meu grande “coiso”!”

Claro que não revelo o nome do blogue, nem, naturalmente, o insulto grosso que me foi dirigido. Mas informo o comentador que, como daqui a duas semanas, de facto, tenho de ir em trabalho aos Estados Unidos, aproveitarei para tentar levantar o meu “ordenado”. Não há fama sem proveito! 

Ele há cada patusco!

“A Arte da Guerra”


Esta semana, no ”A Arte da Guerra”, o podcast do ”Jornal Económico” sobre política internacional, falo com o jornalista António Freitas de Sousa dos seis meses de guerra na Ucrânia, das tensões entre a Sérvia e o Kosovo e das eleições em Angola. Pode ver e ouvir clicando aqui.

quarta-feira, agosto 24, 2022

Em português

As pessoas, em Portugal, parece não se darem conta do ridículo que é falarem do ”presidente Dos Santos”, como se fosse natural utilizar-se uma expressão copiada claramente da fórmula francesa.

Política externa

É perfeitamente correta, não podendo mesmo ser outra, a decisão do presidente português de se deslocar, quer às comemorações do bicentenário da independência do Brasil, quer às cerimónias fúnebres de José Eduardo dos Santos, em Angola. As coisas óbvias não têm de ser explicadas.

Coração

Quem critica a decisão de aceder ao pedido oficial brasileiro para deslocação do coração de dom Pedro para as comemorações do bicentenário da independência do Brasil revela que não tem a menor noção dos interesses externos do Estado português.

Rui Moreira esteve muito bem ao corresponder positivamente ao pedido brasileiro.

terça-feira, agosto 23, 2022

Manhã

 


Brasil

Bolsonaro foi cuidadoso quanto pôde na entrevista dada à Globo, mas o “fact-checking” não lhe será favorável. Isso, porém, é irrelevante para quem, de qualquer forma, sempre votaria nele. A Globo, que foi dura no seu interrogatório, vai ter de sê-lo também com Lula.

segunda-feira, agosto 22, 2022

Arrumem a cabeça!

Depois da visível fúria de Putin, pelo atentado contra a filha do ideólogo russo de extrema-direita, deve ir uma grande confusão na cabeça de muitos: Putin é “comuna” e da extrema-esquerda ou é “facho” e de extrema-direita? Próximo do PCP e do Chega ao mesmo tempo? Decidam-se!

Graça em Campo de Ourique

Deparar com o nome de Kaganovitch pintado numa parede de Campo de Ourique é das minhas surpresas deste Verão. O cosmopolitismo político de Lisboa vai de vento em popa, soprado pela guerra a Leste e pelo esforço de alguns de tentar meter tudo no mesmo saco. Pelo ridículo, isto não deixa de ter alguma graça!

Dom Pedro quantos?


Agora que o coração de dom Pedro vai sair da Lapa (não do meu bairro, em Lisboa, mas da Irmandade da Lapa, no Porto) para estar no bicentenário do Brasil, lembrei-me de uma velha anedota, que creio que já aqui contei.

Em 1972, o presidente português, Américo Tomaz, nos 150 anos da independência do Brasil, deslocou-se aí de barco, numa viagem que ficou famosa, para oferecer, em nome de Portugal, os restos mortais de dom Pedro, embora o seu coração ficasse, para sempre, na “invicta cidade”.

A acidez crítica da "vox populi" não desperdiçou a ocasião para dar uma bicada no “venerando chefe de Estado” ou “supremo magistrado da nação” - uma nação então sob ditadura, convém nunca esquecer, porque isso absolve e legitima toda a ironia.

Foi assim inventado um diálogo, que teria ocorrido, a meio do Atlântico, entre a mulher do presidente, dona Gertrudes Tomaz, e o marido.

Perguntava a senhora: "Ó Américo, por que razão é que nós, em Portugal, dizemos dom Pedro IV e os brasileiros lhe chamam dom Pedro I?".

O almirante, a quem a lenda pública atribuía (injusta ou justamente, a olhar alguns dos seus inenarráveis discursos) alguma simplicidade mental, terá respondido: "Ó mulher, então tu não sabes?! É por causa dos fusos horários, que são diferentes..."

domingo, agosto 21, 2022

Mesas de agosto - “São Gião” (Moreira de Cónegos)


Posso imaginar que, para algumas pessoas, seja uma ousadia eu dizer, sem papas na língua, que este é o melhor restaurante de Portugal. Seja! Essa é a minha opinião e, para quem aqui me acompanha, isso não é nenhuma novidade. Passei por lá ontem. A carta tem coisas novas, desde as entradas (mas repeti os clássicos figos recheados com foie gras) até às sobremesas (nunca tinha provado tonka!), passando por alguns pratos (o bacalhau salteado com espinafres e gambas estava que nem lhes digo!). Imaginação, criatividade e um uso muito competente dos produtos da terra, com os cogumelos regularmente à mão daquela cozinha. Como a ocasião impunha comemorar (só se vive uma vez!), saiu um Crasto reserva, por forma a ter um suporte líquido à altura dos sólidos que iam vindo para a mesa. Brindou-se também à memória de uma grande amiga brasileira, que adorava aquele local. Um dia não são dias! O João Nunes, na ausência momentânea do pai Pedro, fez-nos as honras da casa. Faço notar, além de tudo, que o serviço de mesa do São Gião é impecável, com a delicadeza nortenha a marcar um profissionalismo sem falhas. 20 valores! Onde fica o São Gião? Em Moreira de Cónegos, a dois passos de Guimarães, ao lado do estádio do Moreirense (que ontem deu 3-0 ao Torreense, resultado infelizmente logo copiado, com imensa falta de imaginação, ali perto). Ainda bem que Moreira de Cónegos é longe de Lisboa! Se o São Gião ficasse em Moscavide, eu já estava arruinado! Porque alguns perguntam: e o preço? Adequado, é o que posso dizer.

Coincidências

Até que enfim que acordo uma manhã e constato que estou basicamente de acordo com o teor de um artigo de Teresa de Sousa, como no “Público” de hoje.

Durante décadas, estive muitas vezes em sintonia com o que Teresa de Sousa escrevia, em especial sobre questões europeias. Mas a verdade é que isso já não acontecia há uns meses. 

Infelizmente, creio que esta minha convergência pontual com Teresa de Sousa vai ser sol de muito pouca dura. É a vida!

Realidade


Este título da página 3 do “Público” espelha uma realidade que a cada dia constato, quando estou em frente ao espelho.

sábado, agosto 20, 2022

É a vida?

Sou adepto de um clube que tem um treinador tão bom, tão bom rapaz, que, para alguns, parece fazer esquecer os resultados que a equipa vai tendo.

Mesas de agosto - “Restaurante da Pousada” (Santa Maria do Bouro)


Há bastantes anos que conheço o local, que deve ser, muito provavelmente, o mais majestoso espaço de restauração comercial do país. Trata-se da sala de refeições da Pousada de Santa Maria do Bouro. Pousei agora lá, por uns dias, "para descanso do pessoal”. E todas as noites ali jantei, sempre muito bem. A carta foi renovada e está mais consistente e equilibrada. Os “amuse-bouche”, para meu gosto, podiam ter uma apresentação mais elegante. Também a carta de vinhos ganharia em ser revista. Agora que a pandemia se foi, regressaram as sobremesas à mesa central de pedra, o que foi uma excelente notícia (exceto para a minha glicose)! Última nota: o pessoal é extraordinário de simpatia!

Lusofonias

A ida do corpo de José Eduardo dos Santos para Angola e a excursão transatlântica do coração de dom Pedro são ocasiões preciosas para explicar que, em rigor, se deve sempre dizer “trasladação”, deixando que o “trans” tenha outras aplicações mais adequadas.

A Crimeia e a Ucrânia


A Crimeia faz parte da Ucrânia. Assim o diz, de forma inequívoca, o Direito Internacional. Em 1991, quando ficaram definidas as fronteiras dos 15 países que constituíam a antiga União Soviética, nenhuma dúvida parece ter subsistido, mesmo para Moscovo, de que a Crimeia integrava a soberania da nova Ucrânia. Prova indireta desse reconhecimento é o facto de a cidade de Sebastopol, onde está sedeada a frota russa no Mar Negro, bem como a sua região adjacente, terem sido “alugadas” pela Ucrânia à Rússia, que, até 2014, pagava uma “renda” por essa presença. Só se é “inquilino” de uma propriedade alheia.

Em 2014, na imediata sequência dos conflitos internos ocorridos na Ucrânia, com a secessão de zonas russófonas do Donbass e dos novos equilíbrios que resultaram no governo central em Kiev - onde um indiscutível golpe de Estado, muito estimulado pelo ocidente, afastou um presidente pró-russo que antes havia sido legitimamente eleito - a Rússia avançou para a ocupação da Crimeia. Imagino que alguns possam argumentar com algumas “technicalities”, para contestar a factualidade do que acabo de afirmar, mas esta é a realidade política incontroversa para a generalidade da comunidade internacional.

Convém notar que nada de particular se tinha passado naquele território que justificasse essa ocupação. Contrariamente às acusações de discriminação das populações russófilas no Donbass, não havia nota de idêntico procedimento, por parte de Kiev, na Crimeia. Tratou-se, manifestamente, de um gesto oportunista, de aproveitamento da fragilização do novo governo de Kiev, por virtude da secessão de territórios do Donbass, também ela um movimento estimulado por Moscovo, como hoje está bem claro.

De imediato, a Rússia organizou na Crimeia um referendo, com contornos de legitimidade mais do que duvidosa, na sequência do qual o território declarou a sua independência face à Ucrânia. Em seguida, a “independente” Ucrânia pediu a adesão à Federação Russa, que aceitou esse “pedido”, passando a integrá-la. Mais “fácil” não podia ser.

A operação foi tão escandalosa que raríssimos foram os países que reconheceram o “golpe de mão” russo sobre a Crimeia. Basta lembrar, e isso não deixa de ser significativo, que Estados como a China ou a Turquia nunca aceitaram essa anexação.

A maioria do ocidente reagiu fortemente à anexação russa da Crimeia. Moscovo foi, por esse motivo, objeto de sanções unilaterais - dos EUA, da União Europeia e de alguns Estados “like-minded”. Essas sanções permanecem em vigor até hoje. A Rússia, também por esse motivo, foi afastada do G8.

As sanções ocidentais foram a resposta ao “golpe de mão” russo na Crimeia. Nenhuma ação ou apoio militar à Ucrânia foi previsto no quadro dessa reação ocidental. Já se perceberá por que sublinho isto.

Passaram, entretanto, oito anos. Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu militarmente Ucrânia, claramente com o objetivo de derrubar o governo em Kiev e, como “second best” face à constatação do seu fracasso em conseguir esse objetivo, decidiu ocupar partes do seu território, ao que tudo indica para sua futura integração na Federação Russa, baseado em “referendos” como mesmo grau de legitimidade como aquele que, em 2014, organizou na Crimeia.

Os EUA, a UE e outros “like-minded” decidiram reagir, impondo um forte pacote de sanções à Rússia e, desta vez, apoiando, financeira e militarmente, a resposta do governo de Kiev a esta flagrante agressão à sua soberania. Mas gostava de sublinhar: esses países condenaram a agressão militar russa face ao território que a Ucrânia possuía nessa data, isto é, aquele que derivava das fronteiras de 1991, já sem a Crimeia nem as regiões do Donbass que se haviam cindido em 2014.

Os países ocidentais - é preciso dizer isto com clareza - não se mobilizaram (nenhuma sua declaração o diz) para apoiar militarmente a Ucrânia numa ação de recuperação dos territórios que o país tinha perdido em 2014, mas apenas para assegurar a sua soberania sobre o “statu quo ante”, o que Kiev detinha sib controlo no dia 24 de fevereiro de 2022. Relembro que a reação desses países no tocante à tomada da Crimeia pela Rússia, já se tinha objetivado no pacote de sanções de 2014/2015. E tinha-se ficado por aí.

Há, assim, agora, uma constatação e uma pergunta legítimas.

A constatação é a de que a ajuda militar dada pelo ocidente à Ucrânia, nos últimos seis meses, e a que aí vier no futuro, pode e deve ser utilizada por Kiev para a defesa das suas fronteiras “de facto” em 25 de fevereiro de 2022, bem como para a recuperação dos territórios que a Federação Russa, contra o Direito Internacional, tiver ocupado a partir dessa data.

A pergunta é se essa essa ajuda pode ser utilizada por Kiev para a recuperação de territórios já perdidos em 2014 para a Rússia, como a Crimeia, ou para estruturas institucionais na sua dependência político-militar (como manifestamente o são as “repúblicas” de Donetsk e Lugansk, que praticamente só a Federação Russa reconhece). É que, para essa ocupação ilegítima de territórios, a resposta já haviam sido as sanções de 2014/2015.

Do mesmo modo, coloca-se a questão sobre se Kiev pode utilizar esse material militar para atingir posições em território russo. Lembremo-nos que esse foi já um debate havido no seio da administração americana - sobre se se davam à Ucrânia meios defensivos ou também ofensivos.

Terá esta questão importância, numa guerra onde as zonas cinzentas são imensas? Acho que tem. O empenhamento dos países amigos do governo de Kiev, em termos de cedência de material militar, não pode fazer-se sem que esses países tenham clara consciência dos contextos operacionais em que esses meios irão ser usados.

Termino repetindo o que disse no início deste texto: a Crimeia, e da mesma forma todo o Donbass, continuam a ser, indiscutivelmente, à luz do Direito Internacional, parte integrante da soberania da Ucrânia.

sexta-feira, agosto 19, 2022

Mesas de agosto - “Victor - São João de Rei”


Há anos que não falho uma ida ao “Victor”, em São João do Rei, perto da Póvoa do Lanhoso. Vou pelo bacalhau, claro!, porque essa é a escolha certa por ali. Grelhado. Não conheço melhor lugar para o saborear, com um alvarinho de qualidade a acompanhar. Do mesmo bicho norueguês, acho sempre adequado começar por uns bolinhos, feitos com ovos da casa, que tornam bem amarela a massa. A gulodice fez também com que não evitasse o leite creme queimado na ocasião. O meu amigo Victor Peixoto, que passou a fronteira dos 80 com imenso garbo e não menor estaleca, continua bem ativo da sala. Enfim, foi o que pode chamar-se um almoço sem espinhas…

Havemos de ir a Viana…



… mas só para o ano, como fazemos há muito, por esta altura, para as festas da Senhora da Agonia. Este ano, por coisas da vida, vamos falhar a mordomia, a festa do traje, o cortejo, as procissões, os fogos e os bombos na praça. Ainda por cima, no ano em que a lavradeira que surge no cartaz das festas está vestida com as cores de Geraz: o verde. E o verde, claro, é o que é!

quinta-feira, agosto 18, 2022

Puritanismo saloio

Há uma senhora, de 36 anos, que chegou a primeira-ministra da Finlândia. Num vídeo privado, feito claramente por gente que não merecia a confiança que lhe foi concedida, vê-se a senhora a dançar, com amigas e amigos, num ambiente festivo de copos e boa disposição. Houve um “leak” do vídeo e a primeira-ministra finlandesa é agora acusada de comportamento indecente, pouco conforme com o ambiente de restrições e efeitos de guerra que os dias trazem ao seu país.

Só porque tem o cargo de primeira-ministra, a senhora não pode ter a sua vida privada, fora das horas das funções oficiais? Queriam que andasse, de-saia-e-casaco, com os joelhos cobertos e ar seráfico, em chás de tupperware?

Está tudo maluco, não está?

“A Arte da Guerra”


Ucrânia, Rushdie/Irão e a saga de Trump são os temas de “A Arte da Guerra”, o podcast do “Jornal Económico” em que converso com o jornalista António Freitas de Sousa. 

Pode ver aqui.

António Marques Bessa (1949-2022)

 

Entrámos para o ISCSP (a sigla, à época, tinha um “U” no final), no mesmo dia do segundo semestre de 1968. Ambos nos encontrámos então criticos do governo de Marcelo Caetano, que tinha acabado de ser empossado. Mas havia uma “pequena” diferença: António Marques Bessa entendia que Caetano era um perigoso liberal (quando ser liberal dava bom nome, visto da esquerda), enquanto eu andava pelas águas de outros mares políticos bem distantes. Durante os anos que se seguiram, mantivemos e agravámos as nossas divergências, muitas vezes publicamente, mas preservámos sempre uma grande cordialidade no relacionamento. Por atitude pessoal, mas em especial por virtude do seu radicalismo ideológico, que expressava de forma tonitruante e sem margem para qualquer compromisso, o António permaneceu, nesses anos, nos corredores do ISCSPU, como uma figura quase isolada, salvo a companhia da Ana Maria, a sua namorada de então. Era um homem culto, de leituras extremas, saudoso do salazarismo que o regime ia, apesar de tudo, enterrando. Com naturalidade, vi-o depois fazer carreira académica, publicar livros e, aqui ou ali, artigos em folhas de extrema-direita, com opiniões consonantes com esse seu alinhamento. Perdemo-nos bastante de vista pelas décadas em que andei por fora, mas, das escassas vezes em que nos encontrámos, trocávamos abraços sem reticências. O último, recordo, numa ocasião bem simpática, foi numa universidade brasileira. Acabo de saber que morreu ontem.

quarta-feira, agosto 17, 2022

Mesas de agosto - “Cruzeiro” (Santa Maria do Bouro)


Há quantos anos conheço o "Cruzeiro", em Santa Maria do Bouro? A casa tem 63 anos. Devo ter ido por lá, a primeira vez, nos anos 80, quando o Gerês andava muito no meu roteiro regular de férias. Quase que aposto que a lista não devia andar longe daquilo que ainda hoje é: o cabrito, o bacalhau, a carne assada, as papas de sarrabulho, os rojões, o pernil e coisas assim. Até das rabanadas da casa me lembro. Hoje, voltei a almoçar lá. Era um dia “impossível”! Nos agostos, há um mundo a pousar por ali, muitos emigrantes com família, muito viajante pelo Minho, que já aprendeu onde se come bem. O “Cruzeiro” não aceita reservas para depois do meio-dia-e-meia. Assim, à chegada, há que “dar o nome” e esperar. E assim fiz e fiz muito bem. Dez minutos depois, com a casa a abarrotar, na ordem devida, estávamos sentados e tudo começou a chegar, na sequência certa, cozinha rápida, simpatia e diligência no serviço, impecável de eficiência e elegância (guardanapos de pano, claro). Ah! E comeu-se bem. Aproveitei a passagem, junto à mesa, da Dona Maria Isabel, a conhecida proprietária que ainda hoje dá uma mão, no meio daquela azáfama, para a felicitar pela qualidade do que o “Cruzeiro” há anos nos proporciona. Querem saber quanto custou um cabrito para dois, antecedido de sopa, sobremesas, pão e manteiga e meia de Esteva? 35 euros! É verdade! Como antes se dizia: há um Portugal desconhecido que espera por si.

Brasil


A posse de Alexandre de Moraes como presidente do Tribunal Superior Eleitoral brasileiro é uma má notícia para Jair Bolsonaro, cuja administração tem dito, sobre o juíz, o que Maomé não diz do toucinho. Para a democracia brasileira, neste ano crucial, pode ser uma boa notícia.

Degraus


Esta escadaria do mosteiro de Santa Maria do Bouro, como a “apanhei” ao início da tarde, com luz e sombra, fez-me pensar na vida. E como tinha o iPhone à mão...

O país que somos

Nem Sérgio Figueiredo nem Fernando Medina mereciam o desfecho que acabou por ter a contratação do primeiro pelo segundo, para uma consultoria temporária no Ministério das Finanças.

Seria Sérgio Figueiredo incompetente para aquilo que lhe fora proposto ir fazer? Um economista que teve uma carreira brilhante, a nível de direção, no nosso jornalismo económico, que dirigiu com sucesso uma das mais prestigiadas fundações culturais do país, que esteve à frente da informação de um dos canais cimeiros no nosso panorama televisivo, não tinha perfil para a função para a qual fora convidado? Só a brincar!

A cultura da inveja, da obsessiva desconfiança, dos ódiozinhos de capelinha, somados ao aproveitamento político, vieram à tona, em todo o seu esplendor. Mas tudo isto era expectável, sabendo-se “do que a casa gasta”. Por isso, só por isso, quando vi a notícia achei logo que as coisas iam correr mal. É que este país parece incurável, meus caros Sérgio e Fernando!

Mesas de Agosto - “Beach Club” (Soltróia)


É um restaurante ciclotímico: já lá comi mal, já lá comi mais-ou-menos, alguém me recorda (porque me não lembro) de que já por lá se comeu muito bem. E que até por ali se dançou! Fui há duas semanas. Estava com uns preços, nos pratos e nos vinhos, a exagerarem muito nos algarismos. O serviço, multinacional (com bastantes brasileiros, o que dá sempre um superávite de simpatia a qualquer casa), foi competente. A comida não estava má, mas tudo depende do preço que estivermos dispostos a pagar por aquilo que nos colocam no prato. E ali pedem bastante por isso. O Beach Club é o único restaurante de Soltróia. Abre escassos meses no ano e, de certo modo, há que ter isso em conta quando olhamos para o custo de uma refeição. Mas o saldo impressionista que fiz, à saída, não foi extraordinariamente positivo. No próximo ano, volto. Sou um resistente. E espero, sinceramente, que tenham sorte!

terça-feira, agosto 16, 2022

Tempus fugit


” The Times They Are A-Changin’ “, dizia o outro. Que o tempo hoje mudou, lá isso é claro.

segunda-feira, agosto 15, 2022

Alguém me empresta um canudo?

 

Mesas de Agosto - “Gonçalves” (Carrasqueira)


Foi há dias. O Retiro do Pescador (da Sílvia) estava fechado. O Rola não atendia o telefone. A Escola também não. O Grão de Bico não servia jantares. Aquilo, lá por Tróia, está sem grande graça. Achámos que, na Comporta, o São João e a Cervejaria não deviam ter lugares. Nem pensei em tentar conseguir uma mesa, a uma hora decente (às vezes, propõem que cheguemos num horário que é mais adequado a um lanche, outras vezes já a cair para uma ceia), no Dona Bia, no Gomes ou no Museu do Arroz. Nem nos restaurantes das praias, onde as melgas nos comem vivos, desde os parques de estacionamento (será minha impressão ou este ano há menos?). Decidimos, assim, ir ao Gonçalves, na Carrasqueira. Lembrei-me, ao chegar, que ali tinha cruzado, uma noite, o meu amigo Caetano da Cunha Reis (e telefonei dali à Mami, a saudar a memória do Caetano). Nesta ida ao Gonçalves, comeu-se como sempre, sem exceção, se comeu por lá: relativamente bem. O meu prato, contudo, que parecia uma coisa simples, demorou imenso a aparecer. O serviço foi agradável, mas ineficaz face à gestão temporal da cozinha, onde vislumbrei um funcionário com um turbante com a cor do rótulo da quinta do Vallado. A conta final não surpreendeu. Saldo? Treze valores, desta vez, para utilizar uma medida clássica.

domingo, agosto 14, 2022

Ralph


Quando se tornou conhecido, foi uma vedeta daquilo que era então uma novidade: a defesa dos consumidores. Saiu da História como o homem cuja atitude divisionista no campo democrático ajudou a derrotar Al Gore e a eleger George W. Bush.

Dick


Há precisamente 50 anos, comprei em Greenwich Village um cartaz com a fotografia deste cavalheiro com a pergunta: “Comprava um carro em segunda mão a este tipo?”

George


É uma pena a História não proporcionar o encontro dos tempos. Imaginem a graça de um debate deste senhor com Mamadou Ba!

Barry


Da maneira que as coisas estão, este cavalheiro ainda acabará um dia por ser visto como um perigoso esquerdista. Esse momento já esteve mais longe…

Joe


Ora aqui está um rapaz cuja memória ainda vai acabar por ser resgatada, um destes dias, em alguns dos novos parceiros desta Europa que tão generosamente os acolheu no seu seio.

John


Se este cavalheiro ainda por aí andasse, estou certo que as trapalhadas do FBI em Mar-a-Lago tinham sido evitadas. Os métodos dele foram sempre muito transparentes …

Mesas de Agosto - “Cavalariça” (Comporta)


Tinha ido lá, a última vez, no saudoso tempo em que ninguém ainda tinha ouvido falar do almirante Gouveia Melo, isto é, fui lá antes da pandemia. Trazia na memória “mixed feelings”. A comida tinha sido boa, mas o serviço era um pouco “casual arrogant” (ou “a armer”, como diz, em erro francês deliberado, uma familiar minha), o preço era demasiado “puxadote”. Por essa altura (agora não é muito diferente, a bem dizer), salvo nas praias, a Comporta tinha poucas alternativas onde se podia ir à confiança. Passando ao que importa: está-se a comer muito bem, nos dias de hoje, no Cavalariça! Comida imaginativa, lista interessante, muito bem confecionada e apresentada, serviço de mesa muito agradável (que não percam o profissionalismo dessa brasileira de Santa Catarina!), preço, naturalmente, “a condizer”. Mas sai-se com a satisfação de ter gasto bem o que lá se deixou.

Liberdade, liberdade, quem a tem chama-lhe sua…

Ao comum cidadão russo, a quem já não bastava ter de sofrer um regime que o torna súbdito de um autocrata com manias neo-imperiais, alguns vizinhos europeus querem agora impor o banimento da sua circulação por terras que apregoam como áreas de liberdade.

Nas redes

Nas redes sociais, há pessoas que bloqueiam quem defenda ideias radicalmente opostas às suas. Levada essa prática ao extremo, acabarão a pensar que toda a gente pensa como elas. Eu sigo alguns que defendem causas que abomino ou desprezo: assim, nunca me esqueço de que essa gente existe.

sábado, agosto 13, 2022

Mesas de Agosto - “Il Mercato” (Lisboa)


Já não ia há uns bons tempos a este italiano do Pateo Bagatela. Costumo assentar mais numa tertúlia, na esplanada do Páteo 51, a casa imediatamente ao lado (onde não se come nada mal, adianto desde já, e a preços que me parecem mais em conta). Uns degraus acima, parei às vezes, com o Nuno Brederode e a Céu Guerra, no Sabor & Arte (de que guardo boa memória). Ao balcão do Il Mercato vendem-se produtos alimentares de Itália, que adivinho serem bons, a ajuizar por um queijo e um presunto desgustados. No restaurante, ao almoço de hoje, a comida estava muito boa, o serviço foi (mesmo) muito atencioso, os preços não me pareceram nada especulativos. O restaurante-loja é do mesmo dono (nepalês) do Forno d’Oro (a 100 metros, onde só fui uma vez, para uma pizza, depois de ali ter deixado de ser o excelente Mezzaluna), do meu quase vizinho de casa Come Prima (onde nunca comi mal, noto) e da Casa Nepalesa, na Elias Garcia (onde, há meses, jantei bem e prometi a mim mesmo voltar). Um dia, tendo-me eu queixado, aqui pelas redes sociais, de que não fazia sentido, no Il Mercato, pagar-se ao balcão, no fim da refeição, juntamente com os clientes da loja, o que originava filas e protestos, o dono teve a gentileza de telefonar-me, dizendo que o assunto estava a ser repensado. E fizeram-no. Hoje paguei na mesa. (Uma nota prática: o Páteo Bagatela possui um conveniente parque para automóveis, por debaixo, o que é sempre um “must” a considerar).

Rushdie


Salman Rushdie, celebrado escritor britânico, de origem indiana, foi ontem alvo de um atentado, sendo esfaqueado, numa universidade americana. Está entre a vida e a morte.

Nos anos 80, Rushdie teve sobre si uma "fatwa", uma determinação religiosa emitida por um "ayatolah" iraniano, que apelou a que os crentes muçulmanos executassem Rushdie onde quer que o encontrassem. A razão é que ele seria um blasfemo, na interpretação da lei corânica, por ter publicado, em 1989, o livro "Versículos satânicos", em que a figura de Maomé não saía bem tratada. É difícil de imaginar como terá sido, a partir daí, a vida de Rushdie, ao longos de décadas, sempre perseguido pela mesma intolerância que assassinou os caricaturistas do "Charlie Hebdo". Embora, até hoje, com mais sorte.

Uns anos antes desse episódio, creio que em finais de 1987 ou início de 1988, no Palácio das Necessidades, teve lugar uma receção oferecida por ocasião de um congresso internacional de escritores. 

Como quase sempre acontece em ocasiões similares, os portugueses juntavam-se em grupinhos entre si, deixando os estrangeiros à sua própria conta. Notei então que uma figura com um ar bizarro, com uma cara algo mefistofélica e pouco comum, se passeava sozinho e olhava, com atenção, a grande tapeçaria que serve de cenário ao grande salão. 

Ao vê-lo assim isolado, e por uma questão de mera cortesia de acolhimento, apresentei-me e expliquei-lhe a versão que tinha por boa do significado da cena que era retratada nessa peça decorativa. Ele acrescentou um comentário sobre o palácio onde estávamos, ao que eu terei explicado que aquela havia sido residência real até ao dia da implantação da República. Disse-me o nome, que não fixei. Apenas anotei que nascera na Índia e vivia em Londres. Anotei para sempre aquele fácies pouco comum, mas logo esqueci o episódio. Até ao dia, não muito tempo depois, em que Salman Rushdie passou a ser notícia, em todo o mundo, e eu fiz um “flash back” até àquela nossa brevíssima conversa.

Entretanto, alguns anos mais passaram. Um dia, creio quem em 1993, recebi na embaixada em Londres, onde estava colocado, um telefonema de um dirigente da Juventude Socialista, que eu nunca tinha visto e então só conhecia de nome. O seu nome era António José Seguro. Queria falar com o embaixador, que estava ausente. Falou comigo, que o substituía. Queria transmitir à embaixada a sua preocupação pelo facto do balcão da TAP, na capital britânica, se recusar a emitir um bilhete para Salman Rushdie se deslocar a Portugal, creio que ao Porto, a uma iniciativa para a qual a JS o tinha convidado. E pedia a nossa intervenção.

Rushdie estava no auge da sua "glória", mas também dos elevados riscos que estava a correr. Seguro explicou-me que estava previsto que o escritor viajasse sob pseudónimo, como já acontecera noutras ocasiões, para outros destinos, e que a sua segurança em Portugal estava plenamente assegurada pelas nossas autoridades, com o comando da PSP a ter o assunto a seu cargo. Foi-me dado o contacto do comandante-geral da PSP, com o qual tudo podia ser confirmado.

Expliquei a António José Seguro que a embaixada nada podia fazer, porque não lhe competia intervir nas regras, em matéria de segurança, pelas quais a TAP se regia. Podia, no entanto, pô-lo em contacto com o diretor da companhia no Reino Unido, a quem ele poderia expor diretamente o problema. Assim fiz. Ao diretor da TAP, sumariando a questão, disse, minutos depois, do telefonema que ia receber. E esqueci o assunto.

Até que, dias depois, mo "lembraram". A embaixada foi informada pelo MNE de que, contra mim, estava a ser encarada a instauração de um inquérito, possivelmente conducente a um processo disciplinar, a pedido do gabinete do primeiro-ministro português, por alegada "pressão" minha junto da TAP, num caso que tinha afetado a "segurança nacional". O homem da TAP em Londres, que logo contactei, deu-me a sua palavra de que, nem por sombras, dissera a Lisboa que tinha havido qualquer pressão da minha parte.

O tom com que o assunto chegou de Lisboa era sério. O MNE, na sua subserviência, zelosa e empanicada, face a S. Bento, passara entretanto a bola para o meu embaixador, o qual, claro, deu "dois berros por escrito”, depois de eu lhe explicar aquela que era uma coisa bem simples e verificável. A questão, não sem alguns outros episódios pouco edificantes para o estado da espinha dorsal de alguns colegas, acabou por morrer no seu ridículo e, até hoje, fiquei mesmo sem saber se Salman Rushdie veio então ou não a Portugal.

sexta-feira, agosto 12, 2022

Conceito Estratégico de Defesa Nacional

Tenho o gosto de integrar o grupo de 21 personalidades que, a convite da ministra da Defesa Nacional, professora Helena Carreiras, foi encarregado de elaborar a proposta para as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, que vão vigorar na próxima década. Presidirá ao exercício o professor Nuno Severiano Teixeira.

Da anterior comissão, que preparou as bases para o Conceito Estratégico que esteve em vigor nos últimos dez anos, presidida pelo professor Luís Fontoura, e que havia sido nomeada em 2012 pelo então ministro da Defesa Nacional, Dr. Aguiar Branco, transitaram três nomes: Leonor Beleza, Nuno Severiano Teixeira e eu próprio.

Como é óbvio, nenhum dos membros desta comissão aufere qualquer remuneração pelas funções exercidas. 

Ver a notícia aqui.

No “Jornal de Letras”…

 


… desta quinzena

quinta-feira, agosto 11, 2022

A prova


O rapaz levantou-se da cadeira e saiu em direção à porta da Sala Azul das Necessidades, que dava para os claustros. Via-se que ia visivelmente aturdido. Para ele, os últimos cinco minutos daquela prova oral de conhecimentos que acabara de fazer, no concurso de acesso à Carreira Diplomática, tinham sido muito duros.

O professor universitário de Direito que havia sido convidado pelo MNE para integrar o juri, do qual eu fazia parte, tinha colocado ao candidato uma cerrada barragem de perguntas, procurando explorar o que parecia entender como contradições ou escassez de detalhe nos temas em debate. O rapaz, tenso mas muito concentrado, lá se ia defendendo, mas o arguente, quase não o deixando “pousar a bola”, mantinha um ritmo forte de questionamento.

Eu, confesso, estava a achar um pouco demais aquele imparável fogo de barragem. Mas a regra, não escrita, era de que cada um de nós, membros do juri, não se imiscuia durante o período de questões dos outros.

O presidente em exercício do juri, o embaixador Cutileiro Navega, que ali estava em substituição do secretário-geral do MNE, o embaixador Costa Lobo, mantinha uma cara seráfica, que implicitamente traduzia o pleno respeito pelo direito do docente universitário de ir tão longe quanto quisesse, na condução da sua parte do exercício. O outro professor presente, que se encarregava dos temas económicos, Miguel Beleza, olhava, divertido, para a cena.

O rapaz, entretanto, já tinha saído da sala e fechado a porta, atrás de si. A regra era que discutíssemos, de imediato, a nota a atribuir a cada candidato, aproveitando o facto da prova estar “fresca” na nossa memória. Em regra, era o arguente quem propunha a nota, podendo nós opinar de que ela era alta ou baixa demais.

Ainda na ressaca do debate a que acabara de assistir, abri a discussão, dirigindo-me ao professor de Direito: “Desculpe lá, mas acho que foi duro demais com o rapaz! Ele estava destroçado! E, se atentarmos bem, ele até fez um boa prestação! Aguentou-se bem, perante o “bombardeamento” de perguntas que lhe fez. Não está de acordo comigo?”

O docente convidado abriu-se num imenso sorriso e disse: “Mas quem é que disse o contrário? Foi um dos melhores! Apreciei bastante o modo como resistiu às minhas provocações. O rapaz tem estofo! Vai fazer uma bela carreira. Temos de dar-lhe uma nota muito boa”. E lá avançou com um número que, no cômputo final das restantes provas, colocou o candidato bem junto ao topo dos novos “adidos de embaixada” que, semanas depois, entrariam nos quadros das Necessidades.

Ontem, por um mero acaso, à hora de jantar, cruzei-me com o “rapaz”, num restaurante da Carrasqueira, o porto palafítico alentejano, entre a Comporta e Alcácer. Ele é hoje, 27 anos depois da data do seu concurso de acesso, um dos melhores diplomatas portugueses, tendo já exercido funções de grande responsabilidade, como excelente servidor público que se revelou. O docente universitário que o interrogou nesse exame também não teve, a partir de então, uma má carreira. Hoje é presidente da República.

Guerra de verdades

A guerra que aí anda tem transformado pessoas que tinha por tolerantes e moderadas em ferozes soldados de um combate de argumentos ácidos, num tom desrespeitoso para com as opiniões alheias. Imagino que deva ser bom ter a “certeza” de que a sua verdade é a verdade.

Energia limpa

A Europa decidiu reverter a dependência energética da Rússia, dada a natureza do regime de Moscovo. Espera-se que os fornecedores alternativos escolhidos deem garantias de estabilidade e sejam todos sólidos pilares democráticos.

“ A Arte da Guerra”


O podcast semanal do “Jornal Económico”, em que falo com o jornalista António Freitas de Sousa sobre temas da vida internacional, dedica-se esta semana à Ucrânia, ao reacender das tensões entre Israel e a Palestina, terminando com uma análise à reação chinesa à visita de Nancy Pelosi a Taiwan. 

Pode ver aqui.

Educação diplomática



O "jet lag" não ajudava nada. Naquele primeiro dia em Seul, mais do que seguir o calendário de eventos daquele seminário, eu morria de cansaço, por todos os lugares por onde era obrigado a andar.

Mas o "dever" chamava-me: cabia-me co-presidir a um exercício que pretendia retirar, da experiência da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), lições para a gestão das tensões na península da Coreia.

Eu era então o embaixador português junto da OSCE e presidia ao grupo de contacto com os parceiros asiáticos da organização. A convite desta, coordenava, por esses dias, uma delegação multinacional à República da Coreia, ida de Viena. Tinha como meu contraparte o secretário de Estado coreano dos Negócios Estrangeiros, velho amigo de outros postos.

O programa de uma das noites incluía assistir uma peça de teatro coreano, a que se seguia um jantar num restaurante típico. Estafado como estava, passei "pelas brasas" no espetáculo, aproveitando a redução das luzes.

Chegados ao restaurante, um espaço tradicional, percebi que nos íamos sentar "à coreana", em almofadas e com as pernas cruzadas sob uma mesa baixa, o que iria pôr à prova os meus sacrificados joelhos. Mas, pronto!, era serviço!

Por feitio, não sou muito dado a experiências gastronómicas radicais e, muito em especial, sou habitualmente avesso a culinárias étnicas. Por isso, à vista dos pratos locais, fui fazendo uma seleção criteriosa sobre aquilo que neles me apetecia comer. Até que chegou o prato principal. Não consigo recordar o que era. Só sei que era qualquer coisa "sinistra", pela prova. Com alguma arte, fui afastando a comida pelo prato, enquanto alimentava a conversa com o meu contraparte, sentado à minha frente. A certo passo, notando que eu já não comia e muito do que fora servido já estava disperso, o anfitrião coreano perguntou, preocupado:

- Não gosta da comida?

Senti-me culpado pelo facto de não estar a corresponder à sua gentileza, pelo que me saiu qualquer coisa como isto:

- De forma nenhuma! Estava muito boa! Gostei imenso.

O que eu fui dizer! O meu amigo coreano, temeroso que eu não tivesse ficado saciado, e apoiado no meu pronto elogio à sua comida nacional, logo mandou vir para mim uma nova dose, idêntica àquela que eu tinha dispersado com tanto cuidado pelo prato. E lá tive eu que comer aquela mistela, desta vez com escassa capacidade de disfarce.

Foi uma noite bem penosa, confesso! A educação diplomática, às vezes, tem um elevado preço. É uma profissão onde não se engolem só elefantes!

quarta-feira, agosto 10, 2022

Um Porto na Crimeia


Contrariamente ao que possam pensar, este texto não é sobre a guerra, que hoje, ao que leio, pode ter chegado à Crimeia.

Éramos aí umas quarenta pessoas. Todos noruegueses, com a nossa exceção, o casal de diplomatas portugueses que, nesse ano de 1980, estava a passar uma semana em Ialta, na Crimeia, integrado num grupo turístico ido de Oslo, numa visita de mais de duas semanas à União Soviética.

A guia norueguesa que acompanhava o grupo, ao qual se dirigia em norueguês, via-se obrigada a fazer um esforço suplementar para adiantar, aos dois únicos estrangeiros que nós éramos, alguma coisa em língua inglesa, para nos não sentirmos isolados. Mas, com a sua simpatia, tudo correu lindamente.

Numa das noites, incluída no programa, estava uma visita às caves de vinhos de Massandra, muito próximas de Ialta, para uma sessão de provas. A Crimeia, além de ser a sede da esquadra soviética, em Sebastopol, de ter belas praias e de ser o local onde foi firmado, no belo palácio de Livadia, o acordo de Ialta, que dividou entre os vencedores as esferas de influência no mundo, no final da Segunda Guerra mundial, era também famosa, entre outras escassas coisas, pelos seus vinhos. Aquela era uma boa oportunidade para poder constatar se isso era ou não verdade.

A certo momento da sessão de provas, depois de provarmos uns tintos bastante agradáveis (mas são esmagadores, na sua qualidade), foi-nos dado a testar um espumante, apresentado, sem hesitações, como champanhe. Até aí, tudo bem. Não havia por ali franceses para defenderem o seu produto.

O problema, se assim se pode dizer, foi quando nos foi dado a provar algo que a guia disse, traduzindo da apresentação em russo, ser “vinho do Porto”. Eu devo ter sorrido, mas nada mais. Porém, para minha surpresa, a minha mulher não resistiu e, alto e bom som, disse, em inglês: “Vinho de Porto? O vinho do Porto é produzido em Portugal e ninguém tem o direito de chamar “vinho do Porto” a qualquer outro produto. É um abuso!”

Os olhos da guia norueguesa fitaram-me, à distância, com visível preocupação. Levantou-se do lugar, veio ter connosco à mesa, onde estávamos com outros membros do grupo e, em voz deliberadamente baixa, aconselhou: “Não protestem! Eles são muito sensíveis!”, referindo-se aos anfitriões soviéticos que, aparentemente, só tinham percebido que alguém se sentira incomodado com o que tinham informado sobre o que estavam a servir.

A minha mulher, contudo, não se aquietou por completo e retorquiu, já num tom de voz só para nós: “Eles podem dizer que isto é parecido com vinho do Porto, mas é ridículo afirmarem que é “vinho do Porto”. Além disso, nem sequer é grande coisa…” A guia sorria, em tom amarelo, e lá foi dizendo qualquer coisa ao pessoal das caves de Massandra, para os não indispor. Eu devo ter dito à minha mulher: “Deixa lá!”. E ela deixou. Comprar uma “guerra” naquele terreno, por tão pouco, era desnecessário e podia dar cabo das nossas férias.

Na véspera, eu já tinha criado um caso, no passeio público de Ialta, quando obriguei a parar um carro, com ar de viatura oficial, um Zil negro, que, sem a menor cerimónia, usava a faixa dos peões, forçando toda a gente a saltar para o lado, sem respeito pela integridade física de quem por ali se paseeava, inclusive crianças. Com algum risco, coloquei-me à frente do carro, obrigando-o a suspender a marcha. E, ao condutor, que entretanto abriu o vidro, mostrando uma cara patibular e espantada, em bom e franco português nortenho, com a “coragem” da certeza de não ser compreendido por quem só falava russo, deixei uma revoada de insultos, à altura do perigo que a sua condução representava.

O motorista olhou para mim, siderado pela minha ousadia, que era, há que convir, verdadeiramente irresponsável, num contexto como aquele. Ninguém falava assim para um carro oficial soviético! A nossa guia, preocupadíssima, tinha-me puxado para o lado, dizendo: “Não faça isso, por favor! Ainda vai preso! O que é que disse ao motorista?” Eu não tinha, à época, vocabulário suficiente em inglês para lhe traduzir os palavrões que tinha expelido, ali sobre a costa do Mar Negro. O Zil lá desapareceu e o assunto morreu.

Voltemos às caves. Alguns noruegueses do nosso grupo, no regresso ao autocarro que nos levaria de volta ao hotel, quiseram saber o que é que se tinha passado, porque eles não tinham compreendido o incidente que a minha mulher protagonizara. Tentámos explicar a nossa reclamação pela abusiva falta de respeito pela “denominação de origem” dos vinhos. (Mal eu sabia que, muitos anos depois, iria atazanar os sul-africanos pelo mesmo tema, dificultando as suas negociações com Bruxelas). Alguns perceberam. E ficaram mais convencidos quando eu disse a um deles: “Imaginem que eles vos diziam que estavam a produzir aqui Aquavit Linie! Gostavam?”. O exemplo terá calado fundo no patriotismo alcoólico dos nossos companheiros de viagem.

Pensando agora melhor, em lugar de ter sido eu quem foi entronizado, já há uns bons anos, na Confraria dos Vinhos do Porto, esse mérito deveria ter cabido à minha mulher.

terça-feira, agosto 09, 2022

Haja quem

Há quem deseje a vitória russa na guerra, menos por amor a Moscovo e, mais, por detestar os EUA. Há quem esteja aberto a absolver os pecados da Ucrânia, porque entende que um bem maior é provocar a derrota da Rússia. E há quem não esteja em nenhum desses lados. E que o diz.

O cúmulo da cretinice

Já tinha ouvido ideias muito estúpidas, mas a de proibir qualquer cidadão russo de entrar no espaço europeu é inqualificável, é um “benchmark” de xenofobia.

A vida tem destas coisas!


Foi há meia dúzia de anos. Eu tinha ido a Paris, numa tarefa no âmbito da Fundação Calouste Gulbenkian. Uma parte da tarde fora passada numa reunião num determinado local. Tive de sair dela disparado, porque tinha um outro compromisso, esse com hora bem marcada, na própria delegação da Gulbenkian, no boulevard La Tour Maubourg, bastante distante dali. Creio que me competia moderar ou participar num debate.

Não tinha carro. Os taxis passavam todos cheios. Os Uber, àquela hora, anunciavam-se com largos minutos de espera. O metro devia estar um inferno. De autocarro, não sabia lá chegar. E, à minha espera, estavam outros oradores do evento. Eu começava a ficar desesperado, saltitava de passeio em passeio, olhava ansiosamente em torno.

A certa altura, o meu passo rápido foi travado por duas jovens, uma com uma câmara, outra com um microfone. “Pode dizer-me o seu nome?”, perguntou em francês uma delas. Já não sei o que respondi, devo ter dito simplesmente que não, mas obviamente que não tinha nem um segundo para perder. E passei adiante, com elas a olharem, um pouco desapontadas, para mim. Em circunstâncias normais, teria parado, até por curiosidade. Naquela, era impensável fazê-lo. Esqueci o episódio, segundos depois. E, numa esquina, lá arranjei um táxi!

Passaram, entretanto, umas boas semanas. Um dia, alguém me chamou a atenção para um vídeo, que andava a circular, em que se afirmava que o anterior embaixador português em Paris teria, deselegantemente, recusado falar a duas luso-descendentes, que tinham um programa e que andavam a fazer um inquérito pela rua, em Paris, num fim de tarde. E lá estava a minha imagem, fugidia, entre os transeuntes.

Ora as senhoras tinham-me falado em francês, eu não fazia a mais leve ideia de quem elas eram (e tenho quase a certeza que elas também me não reconheceram, alguém o terá feito numa visualização posterior) ou o que representavam, além do mais estava roído de pressa, pelo que era óbvio que não podia estar minimamente disponível para um exercício que me iria fazer perder um tempo que não tinha.

E, dessa forma, ficou gravado, e explorado de forma negativa, um ato tido como de suposta deselegância face a um meio de informação da comunidade portuguesa em França, por parte de alguém que, em quatro anos de anterior trabalho por ali, podia (e pode) desafiar quem quer que seja a acusá-lo de uma deselegância, ainda que ínfima, face a essa mesma comunidade.

É assim que, às vezes, coincidências desagradáveis podem acontecer. A vida tem destas coisas!

segunda-feira, agosto 08, 2022

A futura Itália

Um possível governo das direitas italianas terá na luta anti-imigração o cimento implícito comum. A afirmação de apoio à Ucrânia será a cartada para atenuar as reservas dos parceiros da UE. Longe da Hungria, próxima da Polónia.

… e pronto! Alguém tem de regressar ao trabalho!


 

Poemas

A propósito da morte da escritora Ana Luísa Amaral, notou-se o cuidado da imprensa em qualificá-la de “poeta” e não de “poetisa”. Acho, em absoluto, ridícula esta tendência recente de fugir ao uso da palavra “poetisa”, como se ela pudesse ofender a qualidade literária de uma mulher que escreve poemas.

domingo, agosto 07, 2022

O meu clube


Sou adepto de um clube que, pelos vistos, só ganha quando deus quiser. Mas deus, sabe-se lá porquê, tem sido avaro, nas últimas décadas, nas divinas graças que nos tem concedido, em termos daquilo que celestialmente importa, isto é, os pontos. Por isso, já dei comigo a pensar que, se calhar, devíamos era ser ateus. Era o que deus merecia, a portar-se como se tem portado. É verdade que, em tempos que já lá vão, nestas contas da bola, já nos chegou a caber a parte de leão. Mas esses foram outros tempos, de que muitos já nem se lembram. Agora, a cada ano que passa, noto que o meu clube (se aos outros isso também acontece, é-me indiferente) tem diversos inícios de época. Às vezes, começa muito bem, abre risonhas esperanças e cava (diz-se assim, não é?) diferenças pontuais. E nós começamos a esfregar as mãos. Outras vezes, vamos andando mais ou menos a par dos nossos dois adversários históricos. (Por muito que, nas últimas décadas, eles olhem mais um para o outro e um pouco menos para nós. Porém, como se tem notado, quando lhes ganhamos, eles irritam-se imenso, o que é ótimo e só mostra que, afinal, as coisas não são bem assim como as pintam). Ao longo do campeonato, quase sempre, a diferença de pontos entre nós e esses tais dois não é, em regra, muito marcada mas, no dia do juízo final, isto é, no final da época, quase sempre constatamos que ficamos com menos pontos do que um ou do que outro. Mesmo de ambos, em anos maus. Às vezes, essa diferença é pequena, por exemplo, apenas dois pontos, mas que são suficientes para não ficarmos à frente deles. Como os dois pontos que hoje perdemos em Braga. É assim o meu clube. Mas, diga eu o que dele disser, não se enganem: não quero outro, principalmente nenhum desses tais dois. Credo!

Bletchley Park


Nesta madrugada, deu-me para ler algumas páginas da biografia de Winston Churchill, de Martin Gilbert. Vi o livro em casa de uns amigos onde fui jantar e pedi-o de empréstimo, para verificar uns factos. (Não obstante ter trazido bastantes livros para férias, não resisti a pedir mais um de empréstimo!)

Na obra, nos capítulos que me interessavam, constatei que surgem várias menções a Bletchley Park, o mítico local onde, durante a Segunda Guerra Mundial, funcionou uma celebrada estrutura de descriptagem das mensagens alemãs, que terá dado um importante contributo para a vitória aliada. O local, dependente do famoso MI5 (serviço de contraespionagem), manteve-se fechado durante décadas.

Um dia de 1994, quando estava colocado na nossa embaixada em Londres, li anunciado, numa discreta notícia num jornal, que, a partir desse fim de semana, Bletchley Park passava a ser visitável. Dias depois, lá fomos nós.

Bletchley Park fica a umas dezenas de quilómetros de Londres, a sul de Milton Keynes. À entrada da propriedade, fomos informados de que o espaço, infelizmente, não era ainda visitável. Dei da conta da minha estranheza: via algumas outras pessoas a entrar e não percebia por que razão nós não podíamos integrar esse grupo. Expliquei que era diplomata português, que vira a notícia da abertura na imprensa e que, precisamente por isso, tínhamos vindo expressamente de Londres.

Notei algum embaraço no pessoal da portaria. Um deles chegou a dizer que a abertura ainda não era para o “público em geral”. Fiquei intrigado e mantive a minha insistência. Depois de minutos de parlamentação e de alguns contactos telefónicos que vi fazerem, autorizaram-nos a entrar, num registo que me pareceu ser de alguma exceção.

Fomos integrados num grupo de menos de duas dezenas de pessoas. Não havia, disseram, qualquer custo de ingresso. Como, em Inglaterra, se paga para entrar em qualquer sítio, tudo aquilo soava a estranho. Mas lá fomos. A visita foi extremamente interessante, com uma guia que nada tinha de profissional de turismo e, claramente, conhecia o assunto da casa em grande profundidade.

Ficou evidente que, tal como a notícia do jornal referia, aquele era, de facto, o primeiro dia, desde a Segunda Guerra, em que o local era visitável. Nós estávamos radiantes por ter tido aquela experiência, tanto mais que, visivelmente, éramos os únicos estrangeiros no grupo.

Tínhamos notado, aliás, da parte dos restantes visitantes, alguma curiosidade a nosso respeito. No caminho da saída, um casal, não resistindo a essa curiosidade, perguntou-nos: "What's your link with the British intelligence community?" Expliquei que não tínhamos a mais leve relação com os serviços de informações britânicos (nem portugueses, já agora!) e expliquei que era apenas um diplomata português colocado no Reino Unido, ali movido por um interesse histórico.

Os nossos interlocutores mostraram então o seu espanto: é que, tanto quanto tinham sido informados, no primeiro mês, o acesso a Bletchley Park estava exclusivamente reservado a membros dos "British special services", e respetivas famílias, como, confessaram, era o seu caso.

Sem o sabermos, pela nossa teimosa insistência, somada à simpatia de quem nos acolheu, tínhamos “infiltrado” um grupo de gente ligada ao MI 5, a contraespionagem britânica. Ele há cada coisa na vida!

Ao ver, às vezes, documentários ou obras de ficção assentes na história do local, vem-me à memória essa visita. Constato que, nos dias de hoje, Bletchley Park é uma atração bem acessível, como se pode ver aqui: https://bletchleypark.org.uk/see-do/explore/

De Cabinda ao Cunene

A vida política angolana dava um filme: dois candidatos e um funeral.

sábado, agosto 06, 2022

“Nazdarovya”

A Rússia teve a sua melhor semana, desde há meses, independentemente da imensa mossa que os Himars começam a fazer no terreno. Mas ver a China de completas cadeias às avessas com os EUA e Erdogan a fazer rapapé a Putin em Sochi justificará ouvir-se ”nazdarovya” no Kremlin.

Orbán

A ida de Orbán à América de Trump revela que ele se está a posicionar para uns EUA de ascendente republicano, no pós-Biden. A Europa, quer queira quer não, vai ter de aturar e de ouvir falar muito do autocrata de Budapeste.

Leiam!

O artigo de Bárbara Reis no Público de hoje, devia ser de leitura obrigatória. O combate ao racismo não se faz com chavões académicos para absolver más consciências históricas, faz-se denunciando atos concretos e reclamando a responsabilização de quem os pratica.

Foi uma bela ideia!


Estávamos na primeira metade de 2000, ao tempo da segunda presidência portuguesa da União Europeia. 

Cabia-me, por essa altura, em substituição de Jaime Gama, chefiar, por parte da União, uma reunião em Bruxelas com uma delegação da Moldova (ou Moldávia, como alguns “tintinólogos” gostam), no quadro do diálogo com aquela antiga República da União Soviética, nos dias de hoje também candidata a uma futura adesão - porque ou há moralidade ou comem todos!

A Moldova é um país política e economicamente frágil, situado entre a Roménia e a Ucrânia. Da Moldova cindiu-se, há muito, a região da Transnístria, um território pró-russo onde existe uma base militar que Moscovo tem encontrado sucessivos pretextos para não abandonar, desde o fim da União Soviética. A Transnístria, que ambiciona ser reconhecida como uma República independente, parece estar à espera de poder um dia ser integrada na Federação Russa - o que poderia acontecer se a “operação militar especial” que Moscovo leva a cabo na Ucrânia conseguisse expandir-se ao ponto de ali chegar. De Odessa à fronteira da Moldova são menos de 60 km! Entre a Moldova e a Transnístria mantem-se um permanente ambiente de tensão política, embora sem afloramentos militares recentes, com a primeira nunca reconciliada com a ideia de perder, em definitivo, o controlo da segunda.

A chefia da delegação moldava a essa reunião era assegurada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Nicolae Tabacaru, um homem muito agradável e cordial, com quem, já não sei bem como, quando e porquê, eu tinha estabelecido uma muito boa relação pessoal anterior.

Semanas antes dessa reunião em Bruxelas, Nicolae Tabacaru contactou-me, fazendo um pedido: gostava que o vinho que viesse a ser servido durante o almoço, aquando desse encontro entre a União Europeia e a Moldova, fosse “da sua colheita familiar”. Era, disse-me, uma forma de demonstrar o seu reconhecimento pela abertura que a União vinha a demonstrar face ao seu país. Ao mesmo tempo, era também um modo de promover “o excelente vinho moldavo”.

A ideia pareceu-me aceitável e, por um mecanismo logístico que se montou já nem sei como, a embaixada da Moldova fez chegar uma partida desse vinho ao edifício Justus Lipsius, onde funciona o Conselho de Ministros da União, a montante da reunião.

Em regra, os almoços na sala do andar de topo do edifício (7° andar, se a memória não me falha) tinham uma qualidade razoável, embora não primassem pela imaginação e diversidade. Para os membros dos governos, que chegavam das capitais, era uma experiência de quando em quando, mas, para os embaixadores dos então Quinze, aquilo devia ser uma imensa “seca”. O vinho servido, às vezes originário do país detentor da presidência rotativa (mas duvido que os finlandeses ousassem ir além da vodka!) era, recordo, quase semprevde uma qualidade bastante razoável, embora nunca deslumbrante, por assumida modéstia orçamental.

Durante a manhã, Tabacaru e eu tínhamos conduzido os trabalhos na forma ritual. Este tipo de encontros obedece a um modelo “standard” e, salvo na ocorrência de questões pontuais, corre com uma suave linearidade. Acabada a reunião, convidei-o a acompanhar-me, pelo elevador, ao local do almoço. Agradeci-lhe o amável gesto de ter oferecido o vinho para a ocasião. Tabacaru estava radiante: ia ser uma oportunidade para a União, através dos seus embaixadores, experimentar o tal “excelente vinho moldavo”, ainda por cima da sua tal “colheita familiar”.

Sentados para o repasto, abri com um brinde, durante o qual, para além das tradicionais palavras sobre a “importância das relações entre a Moldova e a União Europeia”, tenho a certeza de ter destacado o facto do nosso hóspede ter tido a gentileza de nos trazer o vinho do seu país, o que talvez fosse inédito numa ocasião daquele género (ou talvez não).

Ainda tenho na imagem a vistosa entrada dos empregados de mesa - que sempre acho que eram italianos, mas devo estar a caricaturar - avançando, com estilo, para a meia dúzia de mesas espalhadas pela sala, levando na mão garrafas sem rótulo, cujo conteúdo foram deixando nos copos, criando uma imensa expetativa.

Os segundos seguintes, porém, foram mais inesquecíveis: os esgares de desgosto, logo ao primeiro trago, daqueles diplomatas “chevronés”, mirando-se uns aos outros, incrédulos, constituiu um momento único. O vinho era, sejamos claros, uma inenarrável zurrapa! 

Tabacaru, em frente a mim, fitava-me, sorridente, desejoso de recolher a minha opinião. Muitos anos de profissão ensinaram-me a cultivar, para os momentos certos, uma apreciável dose de hipocrisia amável: “C’est un saveur plutôt intéressant. Ce sont des cépages nationales?” 

Enquanto Tabacaru me explicava, em detalhe, a feitura do néctar, com as notas da tradição familiar, eu olhava, em cumplicidade de desespero, o nosso embaixador, Vasco Valente, que já devia estar a antecipar o que o esperaria, quando, no final da refeição, tivesse de aturar os comentários dos colegas, sobre a “brilhante” ideia que eu tivera em deixar trazer aquela pisorga para a a mesa. Basta pensar no que terá dito o francês Pierre de Boissieu! Eu, durante semanas, ainda aturei algumas graças: “Francisco, tu sais où on peut acheter quelques bouteilles de la production de ton ami moldave?”

Contudo, as restantes mesas ainda podiam remediar a tragédia, notando-se uma coreografia apressada pela sala, por forma a garantir o rápido fornecimento de um outro vinho. Na nossa mesa, isso era impossível: até ao final da refeição, sob o olhar deliciado do meu amigo Nicolae Tabacaru, tivemos de manter, com o garbo possível, o gasto, imagino que tão moderado quando a cerimónia o permitia, de alguns copos daquela intragável produção. Quantas garrafas de água Perrier não teremos pedido, para atenuar o nefasto efeito gástrico da mistura…

Simplesmente Coimbra

O Alfa em que viajo acaba de fazer uma breve paragem em Coimbra-B, no caminho ferroviário entre o Porto e Lisboa. Este é o último dia em que...