A "Pompeia" foi, durante muitos anos, um dos mais elegantes cafés e "salões de chá" de Vila Real. Tinha duas entradas, uma pela rua António de Azevedo e outra pela avenida Carvalho Araújo, a artéria nobre da cidade. Rivalizava com a "Gomes" em termos da qualidade da frequência, tocada pela elegância que lhe advinha de uma zona recolhida, com uns frescos clássicos (por onde andarão?) ao longo de uma parede, conhecida como "a zona do chá". Era poiso de profissionais liberais e de outras figuras gradas da cidade, com as senhoras a surgirem em grupos a meio da tarde, rivalizando com núcleos sociais idênticos, que se acolhiam na parte "alta" da "Gomes".
Foi na "Pompeia" que teve lugar uma célebre cena protagonizada pelo histriónico médico, dr. Sampaio e Melo, conhecido pela sua figura como o "valete de paus". Um dia, ao chegar junto do grupo de amigos com que tradicionalmente por ali se reunia, lançou, com o seu conhecido vozeirão, uma frase que ficou no anais: "Meus senhores, quero comunicar-lhes que acabo de dormir com a mulher de um dos presentes". Perante o pesado silêncio que se seguiu, cofiando a forte bigodaça e antecipando uma gargalhada, esclareceu: "Não estejam preocupados! Foi com a minha!". Também uma célebre bofetada entre dois dos médicos mais conhecidos da cidade teve a "Pompeia" por cenário. Durante semanas, não se falou noutra coisa.
Para mim, a "Pompeia" ficou sempre ligada ao meu amigo Albano Neves, que dela se tornou proprietário e que, mesmo depois de eu sair de Vila Real, continuei sempre a visitar. Se a "Gomes" era, desde a juventude, a minha "praia" depois de almoço, na "Pompeia" eu parava mais ao final da tarde e à noite, frequentador que era da zona "baixa" do café, perto da porta para a rua António de Azevedo, em frente ao "Bragança", onde me abastecia de imprensa.
Longas conversas tive pela "Pompeia", com o Neves frequentemente a sair detrás do alto balcão (seria o balcão de facto alto ou a imagem que guardo era pelo facto do Neves ser baixo?) e a abancar connosco, o que não era muito comum nos hábitos dessa época. A minha familiaridade com a casa cimentou-se em noites de charlas intermináveis, em que o Neves fechava a porta ao público e, já sozinho na casa, com o pequeno grupo de amigos que por ali ficava, avançava ele próprio para a cozinha e preparava divinais omoletes com chouriço, regadas a vinho branco, programa com que alguns de nós, notívagos profissionais, iniciávamos longas madrugadas, nos verões desses anos 60 e 70, do século já passado.
O meu amigo Neves, um homem encorpado, de pescoço curto, algo curvado, sempre impecavelmente de fato-e-gravata, não era uma personalidade fácil para aqueles com quem não engraçava. Vi-o ter fúrias homéricas com ruidosos frequentadores dos bilhares do andar superior, onde havia um "snooker" que, estando longe de ser a minha predileção - eu "é" mais "bilhar livre"... -, me fazia perder algumas tardes em verões em férias. Mas o Neves era amigo do seu amigo e eu tinha-lhe caído nas graças, pelo que sempre fui um deles. Brincávamos muito por razões políticas, onde não coincidíamos nos gostos, mas nunca nos zangámos.
A "Pompeia" mudou-se um dia para o Pioledo, na zona alta da cidade. Era fora de mão para mim e, julgo, para a maioria da sua clientela tradicional. Por isso, por lá já só passava para dar um abraço regular ao Neves. Tempos depois, o negócio foi trespassado para o António, também ele emigrado da "Gomes". E deixei, em definitivo, de lá ir.
Hoje, no lugar original da "Pompeia", há uma "Nova Pompeia", com uma geografia muito diferente e praticamente sem nada que lembre a casa antiga. Há tempos, num final de tarde, estive por lá com uns amigos, também a recordar as outras épocas. É ainda um lugar "ível" (como dizia o meu desaparecido amigo e locutor de rádio Alfredo Alvela, para qualificar os lugares onde se pode ir)? Claro que é, mas, sem o meu amigo Neves, já não é a mesma coisa.