Por décadas, habituei-me a ouvir a voz tonitruante e quase bíblica do reverendo protestante Ian Paisley, saída daquela figura agigantada com um ar de mal-disposto (que também se sabia transfigurar num imenso e jovial sorriso), denunciar, enfaticamente, não apenas as veleidades dos católicos do Ulster (que não é exatamente a mesma coisa que a Irlanda do Norte, para quem não saiba), favoráveis à unidade com a República da Irlanda, mas igualmente o menor sinal de cedência que sobre a matéria pudesse detetar da parte de Londres.
Não deve ter havido em todo o Reino Unido uma figura que mais militantente tivesse lutado pela intocabilidade do modelo do União. Durante anos, Paisley opôs-se a todos os compromissos e tentativas de acordo que deles podiam decorrer. Ficou famosa a frase que o prémio Nobel da Paz, o católico moderado John Hume, um dia lhe lançou: "Ian, se a palavra "não" desaparecesse da língua inglesa, ficavas sem voz, não é verdade?". Ian Paisley acabou por dar o "sim" ao acordo de St. Andrews, que abriu caminho à paz no território.
Não deixa de ser irónico que o maior defensor da intocabilidade do Reino Unido tenha agora desaparecido, a poucas horas de um referendo na Escócia que a pode vir a pôr em causa.
Deixo uma imagem que muito consideraram, por muito tempo, mais do que improvável: Paisley (à esquerda), "first minister" (o que não é a mesma coisa do que "prime minister", diga-se), lado a lado com Martin McGuinness, lider do Sinn Féin, a ala política do temível IRA, seu "deputy first minister", no Stormont, o parlamento da Irlanda do Norte. A História prova que não há impossíveis.
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