domingo, setembro 21, 2014

Descer à terra

O que levará um homem político a voltar atrás com a sua palavra? O que conduzirá Nicolas Sarkozy, que garantiu diante do povo francês, na Mutualité, na noite da sua derrota, que  - nunca, jamais, em tempo algum - voltaria a candidatar-se à presidência francesa, a reverter, com o maior dos desplantes, a sua decisão, dita como definitiva? 

Ainda não tive tempo nem paciência para ouvir, mas todos podemos imaginar com facilidade o argumentário patriótico que por aí virá: o dever, a França, o apelo das "francesas e dos franceses", o momento "excecional" (o que seria dos políticos sem o alibi da excecionalidade dos momentos?) e tudo o resto que é habitual.

Por detrás desta como de outras cambalhotas estará sempre uma imensa falta de respeito pelos cidadãos que, eventualmente, possam ter acreditado no que ele disse. Mas, mais do que isso, ao reverter de ânimo leve (deve também dizer que "refletiu" muito) o que tão solenemente assegurara, está a revelar uma imensa falta de respeito por si próprio. Neste caso, bem merecida.

Sei bem que, entre nós, a pequena história (não coloco maiúscula, por respeito à História) está recheada destes vai-e-vem, destas patomimices, desde quem chegou mesmo a desafiar a reaterragem divina até a quem se agarra como uma lapa aos lugares, depois de repetidamente ter anunciado mais do que uma vez o seu desapego. No fundo, estamos quase sempre e apenas perante um mar de ambição, de vaidade, do incontível desejo de não enfrentar as incógnitas do futuro imediato e de procurar controlar (e, se possível, "alindar") aquilo que já se pressentiu que a linhazeca no registo histórico acabará por fixar. "Encore un effort!", para a Wikipedia.

Em tempo: vi há pouco a longa entrevista de Nicolas Sarkozy à France 2. Sarkozy não mudou uma linha, signifique isso o que significar.

9 comentários:

Anónimo disse...

O vazio político é tão grande que até o reaparecimento de Sarkozy mete aflição. Enfim..... Isto vai bonito vai.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

"Encore un effort!" Com certeza.

Helena Sacadura Cabral disse...

Francisco
Tudo o que diz será verdade. Mas Hollande, com os seus 13%, não me parece que vá acabar o mandato.
E, em matéria de desrespeito pelas promessas, não sei quem tem menos autoridade... Digo eu, que não gosto de nenhum, e julgo que a França e os socialistas mereciam muito melhor!

António Pedro Pereira disse...

Caro Senhor Embaixador:
Mais um irrevogável.
Afinal, nem em matéria de irrevogabilidade o nosso irrevogável consegue ser original.

ignatz disse...

deixe lá, o nosso irrefogável não chega aos 13% e ninguém anda preocupado com isso.

Anónimo disse...

Isto leva-nos a pensar num outro político, por cá, que também não teve respeito quer pelos seus colegas de governo, quer pelos eleitores: Paulo Portas, com aquele sua "irreversível" decisão. A diferença reside apenas no tempo. Um dia ou dois depois, Portas já se tinha desdito e voltava a estar no governo, donde afinal nunca chegar a sair.Hoje, já ninguém o leva a sério. Se calhar nem ele.
Lourenço

patricio branco disse...

irrevogavel, irrevogabilidade, revogar, revogação, etc, uma família de palavras que devem ser redefinidas nas próximas edições dos dicionários portugueses...

Defreitas disse...

Esquecendo o passivo catastrófico que deixou ao seu sucessor, formulando novas promessas perigosas, como no passado, e indo mesmo até propor a via do referendo para a "futura" governação, esquecendo que o tratado de Lisboa, cujas consequências pagamos hoje, lhe serviu para anular o referendo de 20005, que não lhe convinha, Sarkozy mudou ...para pior.

Ele, que desceu a função presidencial até ao nível da valeta, parece admirar-se da mediocridade onde ela chegou hoje !

A lassidão dos cidadãos e a decomposição política à qual se chegou devemo-la aos políticos.

Vê-lo fazer mais promessas que não convencem ninguém, não seria grave , se as consequências de mais esta série de mentiras não pudesse ter consequências mais graves que uma simples derrota eleitoral.

Sim, tem razão Senhor Embaixador, vimos ontem à noite a obsessão do poder e o egocentrismo da classe politica.

Anónimo disse...

Também vi e também acho que não mudou nada.
JPGarcia

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...