Tinha a sensação de conhecer Daniel Ribeiro muito antes de o ter encontrado pessoalmente, quando fui colocado em Paris como embaixador, em 2009.
Havia-o lido com regularidade em "O Jornal" e depois no "Expresso". Ouvira falar a conhecidos comuns do seu longo percurso em França, da política ao diverso jornalismo que ali praticou. Por isso, quando o convidei a vir almoçar comigo à embaixada, no mês de fevereiro desse ano, acabava por ser, de certo modo, um "reencontro".
Estabelecemos logo uma boa relação, cimentada, dias depois, num almoço em casa do pintor José David, de quem o Daniel era muito amigo. Ao longo dos quatro anos que vivi em Paris, essa relação nunca se perdeu, iamo-nos encontrando a espaços, tendo partilhado com ele dois jantares muito agradáveis no "Les Trois Maillets", onde íamos ouvir a sua amiga asiática Mieko.
A ligação entre os jornalistas e as embaixadas, devendo desejavelmente ser fluída, não é necessariamente fácil. O Daniel Ribeiro era um jornalista hábil. Procurava sempre "tirar nabos da púcara", como é da natureza da sua profissão. Como eu cedo prescindi de ter uma pessoa dedicada exclusivamente às relações com a imprensa, fiquei deliberadamente sem qualquer "filtro" nos contactos diretos que aceitava ter com os jornalistas, o que me dava algum trabalho mas também a garantia de que a "voz" da embaixada era sempre e só a minha.
O Daniel, tal como qualquer dos outros jornalistas portugueses em Paris, ligava-me de quando em vez e, pelas perguntas que fazia, eu ia percebendo o que estava a mobilizar a imprensa face à embaixada e ao mundo português em Paris. Como é óbvio, dizia-lhe apenas o entendia, quase sempre bem menos do que ele pretendia. São essas as regras do jogo, que todos conhecíamos bem. E, ao que me ficou na memória, tudo correu sempre bem entre nós.
Um dia, creio que no final de 2011, o Daniel Ribeiro convidou-me a mim e ao cineasta Mário Barroso, para almoçar no restaurante português "Saudade". Achei muito simpática a sua iniciativa, tanto mais que não havia um motivo óbvio para esse convite. Recordo que o almoço foi muito agradável, com um animado bosquejo, quase geracional, por muitas gentes e algumas histórias passadas. O Paris dos portugueses é um mundo sem fim.
Lá para meio do repasto, que recordo ter sido longo, o Daniel perguntou-me se eu tinha o contacto de José Sócrates, que, desde há cerca de meio ano, vivia em Paris. Disse-lhe que tinha um número de telefone de Sócrates, creio que de um telefone português, mas que não lho podia dar. Pediu-me então se eu podia transmitir uma mensagem ao antigo primeiro-ministro: de que ele, Daniel Ribeiro, como correspondente do "Expresso", pretendia fazer uma longa reportagem para o jornal sobre a sua estada em Paris.
Expliquei-lhe que, desde que Sócrates vivia em Paris, tinha-o encontrado duas únicas vezes, que não mantinha um contacto regular com ele e que, mesmo que assim não fosse, nunca seria "go-between" entre ele e quem quer que fosse. A especulação em torno da vida de Sócrates em Paris estava então no auge, os nossos tempos políticos internos eram muito tensos e estava em absoluto fora de causa que o embaixador de Portugal viesse a envolver-se na trama. Recomendei que, através do seu jornal, em Lisboa, tentasse fazer esse contacto com José Sócrates. Estava certo que, seguramente, alguém o poderia conseguir.
O Daniel não deve ter apreciado a recusa, mas aceitou a minha atitude e lá pagou o almoço para que nos tinha convidado. Há uns anos, eu e o Mário Barroso lembrámos, no Procópio, essa refeição. "Só percebi a razão do convite do Daniel depois do bacalhau...", riu-se o Mário.
Chega agora a triste notícia de que o Daniel Ribeiro morreu, aos 71 anos. Vale a pena referir que o papel importante que ele desempenhou ao assegurar, durante décadas, a cobertura comentada da vida política francesa para os leitores da nossa imprensa. Tinha uma abordagem equilibrada, culta, sempre muito bem informada. O Daniel pertencia a um outro tempo do jornalismo, do qual, confesso, sinto cada vez mais falta.
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