A revista brasileira "Piauí" faz um excelente jornalismo. Grande no formato, com papel "pesado", grafismo atraente mas sóbrio, tem artigos longos mas muito substanciais, embora num estilo solto que leva a que a qualifiquem como "uma revista sem gravata". Assisti ao lançamento sa publicação, quando vivi no Brasil e fiquei fã. Às vezes, ainda compro alguns números. Acabo de saber que o de agosto é excelente.
Não resisto a contar uma graça que a "Piauí" (nome de um pequeno Estado do nordeste brasileiro) fez um dia.
Depois da saída dos primeiros números da revista, o número de exemplares vendidos continuava baixo e, por algum tempo, temeu-se pela subsistência da publicação, cujo caráter heterodoxo é a sua imagem de marca. Um dia, o caos instalou-se no serviço de transportes aéreos do Brasil. Creio que foi uma greve dos controladores que desencadeou uma crise que praticamente paralisou o país por uns dias. No Brasil, com aquela dimensão, viajar de avião é a regra, dado que as distâncias terrestres são imensas e, além disso, em grande parte do território, as estradas, quando as há, estão longe de ser recomendáveis. Essa crise nos transportes ficou conhecida como o "apagão" aéreo (a palavra "apagão" nasceu numa crise energética que deixou sem eletricidade o país, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e, a partir daí, o brasileiro passou a utilizar o termo para designar tudo o que "está parado").
No Brasil, todos os transportes aéreos são controlados pelos militares. Não perguntem porquê, mas essa é uma prática que vem do compromisso feito na transição da ditadura para a democracia. Daí que o ministro da Defesa seja nesse domínio a autoridade política mais elevada, também em matéria de transporte aéreo civil. À época, o cargo era desempenhado por um cavalheiro encantador, um grande democrata da Bahia, Waldir Pires, talvez o mais idoso membro do então governo Lula, com o qual eu tinha, aliás, uma magnífica relação pessoal. O ministro foi então pessoalmente acusado de inoperância na resolução da crise e, meses depois, na sequência de um desastre aéreo, foi obrigado a demitir-se.
Ora a "Piauí", no número editado imediatamente após o "apagão aéreo" inseriu um histórico e irónico editorial com o título "Obrigado, Waldir!" Porquê? O texto ligava a caótica gestão que o ministro teria feito da situação, obrigando as pessoas a esperar, às vezes por dias, nas salas de espera e no chão dos aeroportos, à exponencial subida no número de exemplares da "Piauí" vendidos. E explicava (si non è vero, è ben trovato): a "Piauí" é uma revista com longos artigos, que precisam de muito tempo para serem lidos. Ora, segundo o divertido texto, fora precisamente o facto das pessoas "terem mais tempo", isto é, estarem bloqueadas e sem nada para fazer nos aeroportos a razão do sucesso editorial desse mês. E, por essa razão, agradecia ao ministro do "apagão aéreo" a involuntária contribuição dada para o seu sucesso...
Não sei como anda o meu amigo Waldir Pires, nos seus 88 anos. Duvido, contudo, que leia a "Piauí"...