terça-feira, agosto 26, 2014

Um traumatismo ucraniano

Depois de vermos um verme político islamita a decapitar um pobre refém, ou um par de "valentes" do Hamas a liquidarem sumariamente informadores de Israel, a nossa capacidade para nos chocarmos começa a reduzir-se. Os Balcãs já nos tinham ensinado muito. Mesmo assim, devo dizer que não estava preparado para assistir à vileza dos pró-russos, ao paradearem e achincalharem os prisioneiros fiéis ao governo de Kiev, através das ruas de Donetsk. Confesso que aquilo foi, para mim, um trauma que não esperava ter.

Em muitas destas histórias da política intermacional quase nunca há inocentes e, no caso ucraniano, ainda menos. O que se passa em Kiev está muito longe de ser a "história da carochinha" que alguma imprensa ocidental quer fazer crer, com os "bons" em Kiev e os "maus" em Donetsk e em Moscovo. Entre os "libertadores" da praça Maiden, que escolheu de "mão no ar" o governo que substituiu o poder de um presidente livremente eleito, segundo uma constituição que tinha sido adotada em liberdade, estavam algumas figuras sinistras que, quase aposto, farão parte daquilo que prevejo venha a ser o triste futuro daquele pobre país. Do "outro lado", também não estão nenhuns "meninos do coro": o autoritarismo que começa a ser insuportável de Vladimir Putin, que "czareia" uma Rússia que volta à "teoria do cerco" e parece só saber viver com a sua vizinhança destabilizada, testou a comunidade internacional com um "golpe de mão" sobre a Crimeia, dando de barato que esta apenas o "bombardearia" com declarações sonantes e algumas sanções de efeito variado. E acertou.

No meio de tudo isto, os russos da Ucrânia oriental, animados com o sucesso da Crimeia, tentaram uma prova de força que só teria viabilidade se Moscovo os apoiasse militarmente (mas de forma aberta, porque é óbvio que a Rússia já o fez e faz de forma encapotada). Minoria clara num país apostado em esmagá-la (numa Europa em que se defendem tanto as minorias, foi sempre muito cínico por parte da UE o esquecimento da sorte dos russos da Ucrânia, como o tem sido, desde há anos, a das minorias, também "por coincidência" russas, nos Estados bálticos), esse grupo enveredou por uma estratégia de confrontação desesperada, quiçá à espera da ajuda externa que acharia natural. Ainda não se percebe até onde o que por lá se passa vai chegar, embora a sucessão dos factos quase nos tenha feito esquecer a barbaridade sobre o avião civil da Malásia. Mas agora vimos melhor o que a guerra pode fazer à "cabeça" daquela gente.

O que se passou em Donetsk é a prova provada de que a canalhice não é um defeito apenas individual. A incrível humilhação infligida aos soldados fiéis a Kiev prova que há também nacionalismos canalhas, mostra bem - como com os islamitas do ISIS ou os radicais do Hamas - como o fanatismo pode trazer ao de cima o pior que há nas pessoas. Mas o mundo civilizado - porque ainda há um mundo mais civilizado do que outros - só terá um dia autoridade moral para julgar tudo isto quando, de igual forma, souber condenar, sem viés ideológico ou "parti-pris" geopolítico, todas as canalhices. E não apenas as que derem jeito às suas guerras de interesses. 

18 comentários:

Isabel Seixas disse...

Não teria conhecimentos para fazer uma análise assim, mas revejo-me em tudo que disse neste artigo/post, daí que tomei a liberdade de partilhar no face.

Portugalredecouvertes disse...


um texto infelizmente com muita atualidade

ignatz disse...

mais uma ironia diplomática do embaixador. faltou-lhe a merkla e o barroso que andaram a despejar gasolina na fogueira e agora assobiam para o ar.

opjj disse...

Muito certo o que diz.
Permita-me um áparte. Escrevi perante um seu texto, que as TVs há muito não deveriam durante horas noticiar incêndios e que era um insentivo ao crime.Pensei que estávamos sossegados este ano, mas eis que esta semana as TVs à falta de notícias nos atiram com este despudor diário.
Cumps.

Unknown disse...

O que se passa na Ucrânia é de tal forma impensável que jamais poderia ter sido previsto ou antecipado há apenas 1 ou 2 anos atrás.

Ele é claro porque nos recorda que os laivos de imperialismo czarista e de repressão soviética estão vivos e convivem na nouvelle Rússia de Puttin, que chamou a si a missão de repor no mapa um País até há pouco moribundo e que, graças às suas matérias-primas -e a nada mais -, volta a ocupar o lugar que julga ser seu no concerto das nações. É certo que pela piores razões, mas aí estão eles.

A segunda coisa que no recorda é que a Europa é um gigante económico - a emagrecer mas, ainda assim, um gigante -, mas um anão diplomático e um pigmeu político.

Em bom rigor, a «Europa» não existe.

http://pensamentoliberalelibertario.blogspot.pt/

Anónimo disse...

O Ignatz tem razão. Quanto a Putin, compare-se a Rússia ao tempo de Yelstin e a de hoje, de Putin. Sob todos os aspectos. Recentemente, num outro Blogue estavam lá os dados. E depois, a Europa gosta de mostrar músculo no que respita à Russia, mas não tem a mesma coragem para com Israel. Putin pôs a Rússia no mapa e ainda bem. Sempre contrabalança com o poderio norte-americano (e com uma China a posicionar-se cada vez mais no plano internaciona). Uma Ucrânia geograficamente dimunuída, fora da Nato e da UE, é o o que deve desjar.

Anónimo disse...

A Rússia aumenta cada vez a sua agressão à Ucrânia.
O episódio dos páraquedistas russos capturados hoje a dirigirem-se para Mariopul é um sinal claro dessa agressão e violação das fronteiras de um país independente, independência que custa muito a aceitar em Moscovo.

Rogério Baptista disse...

Francisco Seixas da Costa, acho que estamos habituados, e condenados, a só comentarmos aquilo que nos permitem ver, através dos média. Logo, o que não "vemos", não "existe". Mas eu ainda não esqueci "... a barbaridade sobre o avião civil da Malásia", apesar de, já, sentado: como já não "vemos", já não "existe". Mesmo, terá existido? E, no entanto, "íamos todos" dar cabo da Rússia!

ignatz disse...

o mh17 esteve no top de vendas até encontrarem as caixas pretas e os peritos terem autorização de kiev para examinarem os buracos da fuselagem. agora é melhor falarmos doutras coisas, tal como humilhações de prisioneiros e direitos humanos dos gajos que andaram a fuzilar e bombardear civis pró-rússia.

Defreitas disse...

Subscrevo o sentimento de horror que inspiram os atos fanáticos, sejam eles do Hamas, do ISIS, ou dos ultraortodoxos israelitas que assassinaram e queimaram o adolescente palestiniano. Enf1m todos os atos de terrorismo individuais ou de Estado. Sim, porque um drone que lança os seus mísseis sobre uma família no Afeganistão durante uma boda e um crime idêntico.

Mas o mundo do horror vem de longe. Quando os cruzados cristãos assassinaram toda a população de Jerusalém, era a idade media. Mas estamos de novo na idade media. A SHOA e a prova.

Quanto a Ucrânia não estou de acordo com "a teoria do cerco" que o Senhor Embaixador apresenta como uma tara de Putine.
Este cerco existe. A NATO, isto é os EUA começaram desde ha muito esta operação. Que eu saiba, a Rússia não procurou desestabilizar o Canadá para ai instalar os seus mísseis. Mas os EUA fizeram-no na Turquia, na Roménia, na Polonia, na Alemanha, e nos países baltas. E só não conseguiram fazê-lo na Geórgia porque Putin reagiu.
Faltava o elo Ucrânia e por isso criaram o golpe de estado com a ajuda de elementos nazis, para derrubar um presidente eleito democraticamente.
As tensões atuais são o resultado dessa manobra , que não se diferencia das mesmas manobras do passado na América Latina.

Putin, para os Russos e os eslavos em geral aparece como uma garantia de segurança. Por isso e plebiscitado.

Ângela Merkel disse ontem em Riga que a NATO e a UE devem respeitar os interesses fundamentais da Rússia. A segurança faz parte. A Rússia nunca cederá neste campo, contra a hegemonia imperial US, que destabiliza os países europeus com o objetivo de enfraquecer o concorrente de 500 milhões de habitantes .

patricio branco disse...

putin revela-se um homem com agressivas ambições expansionistas e sem quaisquer escrupulos. mais que os czares, isso é historia já antiga, lembra me a alemanha nazi a querer expandir-se pelos paises vizinhos, checoslovaquia, polonia, austria, um governante sem escrupulos. alem do enorme cinismo que revela nos métodos, vejam se os camiões com "ajuda humantária" a forçarem a fronteira, etc

Anónimo disse...

Relativamente ao assassinato do jornalista americano, não acham perfeitamente repugnante o serviço que ele prestou aos seus algozes? Toda aquela declaração final é de virar o estômago.

Anónimo disse...

Meu caro Embaixador

Vejo que as suas opiniões estão em desacordo com a realidade...
Chamo a sua atenção para as opiniões de Ignatz eDefreitas.
Com efeito, Hiroshima;,as execuções ao desbarato de casamentos, etc, por drones; a chacina em Gaza; o apoio ao ISIL na Síria e as palavras de Foley; as mil bases militares no cerco imperial mundial, principalmente, à Rússia e à China; a ocupação da Europa Ocidental há 68 anos a que se segue a Europa Oriental, etc, etc, etc,
Por favor, Sr. Embaixador.

JPedro

Anónimo disse...

Anónimo das 21:18,

Se estivesse sob ameaça de ser degolado por um bárbaro e a tentar salvar a sua vida qual seria a sua reação?

O jornalista James Foley apenas fez o que qualquer ser humano racional e que tem amor à vida faria.

Não foi a declaração final dele que me deu "volta ao estômago", mas a sua insensibilidade. A bem dizer: o seu comentário deu-me ASCO!!!

Isabel BP

Anónimo disse...

Inteiramente de acordo com JPedro. Sexa é, cada vez mais, uma desilusão. Mas, cada um é como é.

Anónimo disse...

A minha relação com o seu blog é parecida com a minha relação com o pecado: logo após comentar digo que não o vou fazer mais. Depois é o que se vê… (só passo no seu blog porque, quanto a outros blogs, tenho muito mais que fazer…)
Neste caso, é-me totalmente impossível não acompanhar veementemente a repugnância expressa pela Exma Isabel BP.
É aterrador pensar que há “pensamentos” tão distorcidos como o daqueles monstros, por tão perto. Toda a atitude daquele HOMEM, pelo que li, foi no sentido de salvar o companheiro. Mas mesmo que não fosse, a sua GRANDIOSIDADE não diminuiria um milímetro!
(Ainda há alguns que dizem que o Sr. me devia calar! Falem agora!)
antonio pa

ignatz disse...

varrer lixo com uma pá é o que dá, até parece que foi o putin é encarregado de educação do inglês que cortou as goelas ao americano. eu queria era resultados da peritagem aos cacos do mh17, mas parece que isso agora não interessa nada.

Defreitas disse...

O Senhor Patrício Branco deveria atualizar a sua geografia politica e veria que quem expandiu das margens do Reno ao rio Oder-Neiss,e do Báltico ao Mar Negro não foi a Rússia mas sim a NATO, braço armado do Império Americano, com os seus lacaios as ordens.

No ocidente, só a França conservou ainda um pouco de independência, que Sarkozy ontem e Hollande hoje saldaram aos americanos.

Que Putin não agrade a alguns não me admira. Mas compreendo e aceito melhor a sua politica que a que Bush impôs ao mundo, com as centenas de milhares de mortos iraquianos, afegãos, palestinianos, vietnamitas, etc.

Mas sei bem que os crimes dos EUA são cometidos na defesa dos valores ocidentais, valores pelos quais ainda hoje os Negros americanos combatem nas ruas de Ferguson, nos Estados Unidos.

No dia em que os cidadãos livres do mundo inteiro compreenderão que os valores da democracia não se impõem com as bombas mas com o exemplo, tudo ira melhor para a paz e o desenvolvimento das nações.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...