Gostei muito de regressar ao Brasil, ainda que
por escassíssimos dias, transformando-me numa espécie nova do
"português-de-torna-viagem". Vim ao Ceará, cuja comunidade
luso-brasileira teve a imensa simpatia de se lembrar de mim, para um prémio
anual que atribui. Um gesto e um convite que me confirmaram que os tempos em
que por aqui trabalhei não foram em vão.
As relações entre o Brasil e Portugal têm
ciclos muito distintos entre si. Ao tempo em que chefiei a embaixada portuguesa
em Brasília, a grande vaga de entusiasmo pelo investimento português no Brasil
já se tinha atenuado um pouco. As primeiras desilusões faziam-se então sentir,
alguns investimentos passavam por uma reconversão ou redimensionamento, muitas
PME's testavam ainda a sua aventura num mercado que tem caraterísticas muito
peculiares e uma cultura administrativa que não é óbvia para quem vem da Europa.
Ao tempo, a tibieza do investimento brasileiro em Portugal continuava a ser a
regra do jogo, embora alguns novos sinais positivos fossem já evidentes, que
aliás vieram a confirmar-se no futuro. O comércio bilateral chegou a crescer a
olhos vistos, mas o escasso valor acrescentado e a natureza dos fluxos tornava
as taxas de crescimento mais espampanantes do que aquilo que era o seu real
impacto sobre as respetivas balanças comerciais. O turismo comportava-se bem:
compensando a redução da vaga portuguesa para o Nordeste, que, confesso, sempre
interpretei como conjuntural, o Brasil passou a descobrir Portugal como
destino, num ritmo ajudado pela TAP e pelo comportamento do real face ao euro.
Esses eram também os tempos de uma forte vaga
migratória brasileira para Portugal, gerida pelos governos de Lisboa com uma
assinalável abertura. Nem sempre o Brasil entendeu bem que era inviável para
nós - um país do tamanho de Pernambuco e com a população do Paraná - abrir, por
completo, as portas da legalização a todos os brasileiros que nos procurassem. Mesmo
assim, cerca de 120 mil brasileiros andavam então, legal ou ilegalmente, por
Portugal (em percentagem, face à população portuguesa, era a mesma coisa que
tivessem vindo para o Brasil, em escassos anos, bem mais de 2 milhões de
portugueses!). Aliás, os portugueses que, nesses tempos, procuravam o Brasil
também se defrontavam com restrições à sua fixação, nomeadamente ao
reconhecimento das suas qualificações. É da lógica das coisas que cada Estado
procure acautelar os seus interesses nacionais, apenas se exigindo que isso
seja feito com transparência e sentido de reciprocidade, desligados de qualquer
deve-e-haver histórico.
As coisas deram, entretanto, algumas importantes voltas. A crise económica internacional revelou cruelmente as fragilidades da nossa economia e, pelo tempos mais próximos, as suas incontestáveis limitações e o seu potencial de relevância no contexto da economia brasileira. Os fluxos migratórios inverteram-se de novo, com tudo o que isso acarreta na mudança das premissas da equação bilateral. Perante um Brasil em cuja incontestável pujança económica surgem também algumas preocupações, que o passado mostrou que podem, com facilidade, redundar em atitudes de menor abertura, fico com a sensação de que a presença empresarial portuguesa passa hoje um período menos otimista ou, pelo menos, com algumas interrogações longe de superadas.
A relação bilateral vive, assim, e
naturalmente, um tempo diferente. O qual, em certos domínios, poderá ter de
aguardar por melhores dias, o que coloca novos problemas e, por isso mesmo,
exige respostas criativas. Estou confiante em que, com o tempo, as soluções
acabarão por surgir, tanto mais que as diplomacias portuguesa e brasileira
dispõem hoje, respetivamente em Brasília e em Lisboa, de dois embaixadores de
uma rara qualidade. Mesmo se a melhor diplomacia não consegue resolver tudo, se
não tem condições para superar certas idiossincrasias e os correlativos
impactos, tenho a certeza que ela se constituirá sempre como um suporte
seguro para a preservação da dose necessária de realismo. Porque estou
convicto que os interesses comuns, a prazo, apontam no mesmo sentido, qualquer
que seja a perceção que disso possam ter as atuais lideranças em ambos os
países.