Em Portugal, o 25 de abril é oficialmente celebrado com uma sessão de discursos políticos e partidários na Assembleia da República. Todos os anos, para além da aturada observação jornalística de quem leva ou não um cravo ao peito, a atenção pública volta-se para o tom e exegese dessas intervenções, que invariavelmente utilizam a comemoração abrilista para tratar a realidade da conjuntura política do presente. Assim, aquilo que poderia ser um espaço de proclamação de elegias à liberdade conquistada nessa data acaba por se transformar numa arena de severo combate político, com as diversas leituras de "abril" a servirem de arma de arremesso, mais ou menos subliminares. Julgo que ninguém, com sinceridade, acreditará que essa maratona declaratória contribui minimamente para louvar as virtualidades da Revolução e para cativar novas gerações para o culto desse momento fundacional da nossa democracia.
Noutro registo, menos plural e um pouco mais "biaisé", um grupo de muito respeitáveis militares que fizeram a Revolução de abril, acompanhados por figuras da nossa história política (quase sempre já) passada, acolitados por incontornáveis representantes de forças políticas e sindicais de lateralização óbvia, desce a avenida da Liberdade, aí já com total abundância de cravos e com a exibição de slogans que fazem parte do património típico da memória revolucionária. Ninguém negará, contudo, que o tom peculiar dessa manifestação acaba por excluir muitos outros, para quem a memória da Revolução se exprime em moldes mais serenos e menos polítizados.
Na simples mas inalienável qualidade de cidadão, quero deixar aqui expresso, com a total consciência do peso do que escrevo, que considero que ambos os eventos acabam por funcionar, objetivamente, contra o 25 de Abril.
Comemorar o 25 de Abril, celebrar essa magnífica Revolução que, por uma vez, quase que fez o milagre impossível de unir o país, deveria consubstanciar-se apenas na organização de festas populares por todo o país, com música, com bailes, com juventude, com alegria e, sempre, sem discursos e sem slogans. Como, aqui em França se faz com o "14 juillet". Ah! e com muitos cravos, para quem os quisesse e os apreciasse. A liberdade também se faz da possibilidade dessa opção.
Mas que não reste a menor dúvida: nesta data, estive, estou e sempre estarei de cravo vermelho ao peito.