O nosso embaixador, recém-chegado àquele país africano de expressão portuguesa, tinha toda a boa vontade do mundo na sua agenda de ambições, para os anos de trabalho que o esperavam. As relações políticas entre os dois países estavam muito tensas, fruto de traumas históricos ainda não ultrapassados, a que se somavam regulares polémicas conjunturais. Porém, o nosso homem vinha de espírito aberto e queria fazer a diferença.
Uma das suas primeiras visitas foi à Associação de Escritores locais, um órgão que, não obstante a ortodoxia política que o dominava, reunia alguns nomes de reconhecido mérito literário, de que lera algumas obras. Era um gesto de "soft diplomacy" em que colocava algumas esperanças, com vista a quebrar o gelo prevalecente.
O presidente da Associação era um velho resistente, que havia estado envolvido na luta contra a presença portuguesa, conhecido pelo seu radicalismo ideológico. Contudo, como o embaixador reconhecia, tratava-se de um escritor de apreciável qualidade.
E foi isso mesmo que o embaixador começou por dizer, no início da visita de cortesia que lhe fez. Nela adiantou também algumas ideias que trazia para a sua ação na área da cultura - desde os contactos entre academias, o intercâmbio de experiências, a oferta de bibliotecas, bolsas de estudo, etc. Reiterou a sua disponibilidade, bem como a da Embaixada que agora chefiava, para facilitar tudo o que pudesse ajudar a aproximar ambas as literaturas.
Quando acabou de falar, esperou uma resposta. Nada. Em seu lugar, instalou-se um silêncio que se começou a "ouvir" na sala. Curiosamente, deu-se conta de que não tinha ainda escutado a voz do Presidente, que apenas o saudara com um cumprimento de mão à entrada. Ele permanecia na sua cadeira, com uma cara muito branca, num esgar giocôndico indefinível, por detrás da barba grisalha, a qual, à época, era como que uma marca corporativa da intelectualidade branca e mulata local. Mas, sempre, imóvel e em silêncio.
Para quebrar o gelo desses segundos de vazio, embora com alguma artificialidade, o embaixador ensaiou mais umas frases, desta vez falando do novo país onde estava, dos familiares distantes que por ali tinha, do seu interesse em visitar certas regiões que estavam na memória coletiva de Portugal. Os minutos esgotaram-se, tal como a sua intervenção, e a reação do seu anfitrião foi exatamente a mesma, isto é, nenhuma.
A diplomacia ensina algumas coisas e uma delas é a capacidade de não revelar a menor surpresa, mesmo perante aquilo que nos choca. E conseguir sair por cima, com arte e até com gozo. Foi o que fez: agradeceu a "simpatia" do acolhimento, disse do gosto que tinha tido em "trocar impressões" com uma figura tão conhecida do mundo cultural do país em que estava acreditado e, com alguma ênfase, sublinhou o prazer que teria, numa próxima oportunidade, de receber o presidente da Associação na Embaixada, "para continuarmos este promissor intercâmbio".
Fora tão longe na provocação quanto a "lata" e a prudência aconselhavam. Fez menção de se levantar, no que logo foi imitado pelo seu potencial interlocutor, sempre silencioso, que esboçou um sorriso, talvez de alívio pelo fim do exercício, na melhor das hipóteses de subtil reconhecimento pela "capacidade de encaixe" do embaixador. Este despediu-se com um aperto de mão, caminhando para o carro que o esperava no calor abrasador da tarde. Dentro dele, o ar condicionado esfriou-lhe alguma raiva. Dentro de si, sentiu que tinha ganho o dia: aprendera sobre o país, nesses muito breves minutos, uma bela lição.