sábado, novembro 02, 2019

A chamada


Há dias, tirei esta fotografia. É a entrada para uma loja de roupa para senhoras. E, no entanto, ali, à direita, atrás daquela porta, em tempos houve uma bela tabacaria, com muita imprensa internacional. Precisamente por onde caminha aquela figura feminina, havia mesas, numa das quais, em muitos fins de tarde, por lá vi Abelaira, Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira. Tanta Lisboa que por ali passou!

Ali era o Montecarlo, um café-restaurante de culto, que desapareceu, creio que nos anos 80. Vivi lá centenas de horas da minha vida, em conversas e imensas discussões, na leitura de jornais e livros, em noites que acabavam com as luzes a apagarem e acenderem, sinal de que o café estava prestes a fechar, já depois da uma da manhã. Muitas vezes, mudávamo-nos, de seguida, para o Monumental, que tinha horários mais boémios, ligados ao ritmo do teatro. E onde já era difícil encontrar lugar, se bem me lembro.

O Montecarlo ficava a dois passos do Saldanha. Hoje é uma Zara. 

A historieta que vou contar passou-se no início dos anos 70. Nos cafés portugueses de então, havia uma velha prática, que os telemóveis entretanto tornaram sem sentido, de permitir aos clientes atenderem chamadas feitas para os telefones fixos (só havia fixos...) dos próprios estabelecimentos. Assim, era muito vulgar ouvir-se, em voz bem alta: "Chamam ao telefone o sr. ....".

No Montecarlo, com uma sala de considerável dimensão, distribuída por ambientes diversos muito ruidosos, havia mesmo um altifalante, de cor dourado baço, para tornar as mensagens mais audíveis.

Uma noite, com o café cheio, alguém se lembrou de utilizar o telefone metálico que existia à entrada para a zona dos bilhares, meteu uma moeda, ligou para o número do próprio café e solicitou: "Podia fazer o favor de chamar ao telefone o sr. general Humberto Delgado?". No balcão, estava um miúdo para quem esse era um nome como qualquer outro, pelo que logo anunciou, pelo altifalante: "Chamam ao telefone o sr. general Humberto Delgado".

Grande parte da sala entrou em divertido alvoroço e comentários. Viu-se um empregado mais maduro ir repreender o rapazote, ensinando-lhe quem era o "general sem medo", talvez lembrando que os cavalos da repressão haviam entrado pelo café dentro, em 1958, aquando da manifestação em favor do candidato presidencial oposicionista, em frente ao vizinho Liceu Camões.

Dias mais tarde, a cena repetiu-se com o nome de Álvaro Cunhal. A gestão do café percebeu o risco e uma figura mais madura passou a atender ao telefone, para que ninguém se aproveitasse da fragilidade em matéria de cultura política do rapazote do balcão.

Mas essa "vigilância" não podia continuar sempre e, se bem me lembro, ainda foram chamados ao telefone, nas semanas ou meses seguintes, Henrique Galvão, Palma Inácio e Norton de Matos, sempre com galhofa pública garantida.

Aparentemente, nunca ninguém se lembrou de olhar para a cabine telefónica do próprio café...

sexta-feira, novembro 01, 2019

Incentivos?


A nova ministra da Administração Pública, pessoa que me dizem ser uma das figuras muito competentes deste governo, constata, numa entrevista ao “Público”, que há um grave problema de assiduidade na Função Pública. E, para o combater, para além das medidas de ataque às baixas médicas fraudulentas, propõe-se reintroduzir “incentivos” à assiduidade. Por exemplo, os funcionários públicos que faltem menos poderão vir a ter um acesso mais facilitado à pré-reforma.

Incentivos à assiduidade? Estar no local de trabalho às horas e dias a que o seu vínculo profissional o obriga é o requisito mínimo de um qualquer funcionário, público ou privado. Digo-o com a autoridade de quem serviu o Estado por mais de 42 anos, sem que ninguém tivesse alguma vez de me premiar por ... não faltar!

Posso mesmo imaginar que, na narrativa sindical, deva haver hoje filosofias neste sentido - o sentido de defesa da calaceirice -, sem o que a ministra não teria abordado o tema da forma que o fez. 

Ver alguém a ser premiado por cumprir o seu dever é próprio de um mundo que me é muito estranho.

A viagem vermelha


Eu devia ter desconfiado. O preço daquela viagem à União Soviética, por duas semanas, uma delas passada na praia de Ialta, com visitas a Moscovo e Leninegrado (era assim que, nesse ano de 1980, São Petersburgo ainda se chamava), era surpreendentemente barato.

Naquele Verão, as nossas finanças familiares tinham batido quase no fundo. Oslo, onde vivíamos, era uma cidade caríssima, eu ganhava ela-por-ela para as despesas e o que sobrava para férias era muito pouco. Passeávamos uma noite pelas montras das agências de viagens quando surgiu esse ensejo de ir ao outro lado da “cortina de ferro”. Repito, por um preço muito simpático.

No ano anterior, de carro, tínhamos cruzado a RDA, a Checoslováquia e a Hungria, sempre em hotéis baratos, com gastos contidos. Agora, a hipótese de ir a três cidades interessantes do “sol da terra”, como os comunistas de fora chamavam à União Soviética, era apelativa. O mundo do chamado “socialismo real” nunca havia sido a minha “praia” política e a viagem no ano anterior tinha confirmado plenamente muitas das minhas perceções negativas sobre aquelas sociedades. Mas a URSS, não obstante isso, continuava a ser um destino histórico. E aquela era uma bela oportunidade de o conhecer.

No dia aprazado, lá estávamos no aeroporto, para o voo da Aeroflot que nos levaria ao primeiro destino, a Leninegrado. Estranhámos encontrar um grupo de gente relativamente idosa, comparativamente connosco, então com pouco mais de 30 anos. Eram pessoas que viemos a constatar serem oriundas de zonas rurais ou de cidades distantes da capital, que quase nada compreendiam de inglês, a nossa língua veicular no país. E nós que não falávamos quase nada de norueguês! Só a guia, uma jovem divertida, e um homem um pouco mais velho do que nós, que viajava sozinho, com ar bastante urbano, tinham um razoável inglês. Pensámos logo: vão ser o nosso apoio no grupo!

Chegados a Leninegrado, a primeira surpresa: quase todos os nossos companheiros de viagem, para os quais, dada a incomunicabilidade linguística, só nos limitávamos a sorrir, colocaram na lapela um emblema com a efígie dourada de Lenine. Curioso! Aquilo prometia!

Fomos para o hotel e logo na primeira refeição, ficámos numa mesa com a guia e com o tal viajante solitário. Notei que este se mostrava curioso com a nossa presença no grupo. O que tinha levado um diplomata português e a sua mulher a virem naquela viagem? Lá fui respondendo, sem dar grandes detalhes, e, a certa altura, perguntei eu: por que coincidência quase toda aquela gente tinha colocado na lapela a imagem de Lenine? A cara do nosso interlocutor iluminou-se com um sorriso, respondendo-me com uma pergunta: “Sabe de quem é a agência que organiza esta viagem?”. Ao meu desconhecimento, ele respondeu: “De gente do Partido Comunista Norueguês”.

Caímos das núvens! Ali estava eu, jovem diplomata de um país da NATO, no meio da Guerra Fria, numa excursão dos comunistas noruegueses à sua “pátria” ideológica. Confesso que fiquei um pouco preocupado. É que, em Portugal, viviam-se os dias da Aliança Democrática, com o anti-comunismo bem à solta.

Os comunistas noruegueses eram então uma organização sem expressão política minimamente significativa. A memória da guerra havia criado, em alguma gente da Noruega desse tempo, um sentimento de gratidão residual à União Soviética, expresso mesmo em alguns monumentos comemorativos. O posterior conflito leste-oeste acabaria por diluir grande parte dessa lembrança, salvo para alguns nostálgicos. Parte deles ali ia connosco...

Com os dias a passarem, aquela minha preocupação foi-se desvanecendo. É que o solitário companheiro das nossas refeições acabou por revelar que era, nada mais nada menos, do que um agente dos serviços secretos noruegueses, “infiltrado” na viagem, e que, talvez por isso, já visitara a União Soviética por mais de uma vez. Detestava aquele país, mas falava russo...

Quando, duas semanas mais tarde, regressámos a Oslo, tendo estabelecido entretanto uma excelente relação com o “espião” e com a guia, que chegámos depois a convidar para casa, eu tinha a certeza de que, no seu relatório, ele atestaria a nossa “inocência” na escolha da viagem e dos nossos “fellow-travellers”, desta vez no verdadeiro sentido. Mas, pelo sim pelo não, não deixei de mencionar aos meus colegas do “Utenriksdepartementet”, o MNE norueguês, a minha incursão soviética, em tão insólita companhia.

Coerência e decência


Sabe bem ler a declaração de voto de Mário Mesquita, vice- presidente da ERC, sobre a proposta de compra pela Cofina da TVI. Aqui fica um extrato significativo:

A concentração numa única empresa de um dos mais seguidos serviços de programas de televisão generalista em Portugal, de um poderoso grupo de rádio (o segundo mais ouvido do país), do jornal diário com maior difusão nacional e alguns dos sites de media mais participados e os riscos inerentes ao desenvolvimento deste grupo de comunicação mediática são motivos mais do que suficientes para que a ERC se recuse a dar o seu aval a esta operação”.

quinta-feira, outubro 31, 2019

Lordes e Comuns


Lembrei-me deste episódio, enquanto assistia pela televisão à sessão de ontem da Câmara dos Comuns.

Em 1993, durante a sua visita de Estado ao Reino Unido, o então presidente Mário Soares fez uma visita informal à Câmara dos Comuns, numa hora em que esta não estava em sessão, passeando-se com parte da comitiva pela sala.

A certo passo, notei que o acompanhante oficial que o Palácio de Buckingham tinha designado para estar com o presidente português, um aristocrata, membro da Câmara dos Lordes, demonstrava um inusitado e quase turístico interesse pelos pormenores do mobiliário e pelo conjunto de símbolos que ocupam a mesa central, em frente aos quais governo e oposição se digladiam.

A certa altura, disse-me: "Sabe, estou um pouco emocionado!". No instante, não percebi bem a razão dessa emoção. "É que, como membro da Câmara dos Lordes, estou impedido de visitar a Câmara dos Comuns e, em toda a minha vida, esta é a primeira vez que consigo entrar aqui."

Os membros da Câmara dos Comuns visitam os Lordes, no início de cada sessão do parlamento. O contrário nunca é possível. Há uma interdição absoluta, que se prende com a hierarquia britânica de poderes. Aquele lorde, que tinha por nome Camoys (Soares brincou com a ideia de que a similitude fonética com Camões talvez tivesse levado à escolha do aristocrata), tinha cumprido um sonho “impossível”.

Peculiaridades do sistema político britânico.

quarta-feira, outubro 30, 2019

Mesas: para acabar...


Durante alguns dias, publiquei por aqui sucessivas listas de 10 restaurantes, referentes a cada zona do país, mesas nas quais sempre penso quando por lá passo e me apetece comer bem. Reitero que podem não ser os melhores restaurantes dessas regiões, sendo apenas os que mais me agradam.

Excluí deliberadamente a “alta cozinha”, as mesas dos chefes, a chamada “cozinha contemporânea”, porque esse é um outro campeonato e creio que é injusto, para ambos os lados, estar a misturar realidades que, em geral, pouco têm a ver entre si. Além do mais, e sem falsa modéstia, considero-me muito pouco qualificado para avaliar esse tipo de cozinha sofisticada.

Optei também por colocar um único restaurante por localidade, o que, de certo modo, provoca sempre injustiças.

Hoje, vou concluir este “trabalho” com a apresentação de três listas.

A primeira, mais longa, é uma espécie de repescagem de mesas que não couberam nas listas regionais dos “10 mais”, mas que aí poderiam ter ficado, com justiça. Não faço isso relativamente a Lisboa, porque duas listas complementares já foram apresentadas, aquando da indicação das “10 mesas” da capital.

A segunda lista é muito curta, e diz respeito ao Algarve. Trata-se de uma zona do país que não visito com regularidade, pelo que não estou suficientemente atualizado quanto à sua oferta restaurativa. Assinalo apenas alguns escassos (bons) restaurantes que conheço.

O mesmo se passa quanto aos Açores e Madeira, onde ficam, numa terceira lista, algumas escassíssimas notas.

Espero que quem por aqui me lê possa ter encontrado alguma utilidade no que deixei assinalado.


RESTAURANTES DEIXADOS PARA TRÁS


Minho

- Abocanhado, Bouro
- Tasquinha da Linda, Viana do Castelo
- O Laranjeira, Viana do Castelo
- Pedra Furada, Barcelos
- Casa Álvaro, Gansei, Valença


Trás-os-Montes e Alto Douro

- Abel, Gimonde
- Cais da Vila, Vila Real
- Aprígio, Chaves
- Chaxoila, Vila Real
- Sus Douro, Régua
- Artur, Carviçais


Porto

- Quinta do Outeiro, Amarante
- Marisqueira Antiga, Matosinhos
- O Sapo, Penafiel
- Aleixo, Campanhã, Porto
- Marinheiro, Póvoa de Varzim


Beira Interior

- Lá em Casa, Gouveia
- Preguiça, Foz Côa
- Adega dos Apalaches, Oleiros
- Santa Luzia, Viseu
- Valério, Mangualde
- Museu do Pão, Seia


Beira Litoral, Ribatejo, Estremadura

- Marquês de Marialva, Cantanhede
- Mugasa, Mealhada
- Taberna do Alfaiate, Cartaxo


Alentejo

- Origens, Évora
- Fialho, Évora
- Dom Joaquim, Évora
- Escola, Alcácer do Sal
- Pompílio, Elvas
- Maçã, Lavre


ALGARVE


- Noélia, Tavira
- António Tá Certo, Garrão, Loulé
- 2 Passos, Ancão, Loulé
- Adega Vila Lisa, Portimão


MADEIRA E AÇORES


- Quinta do Furão, Santana, Madeira
- Fajã dos Padres, Câmara de Lobos, Madeira
- Villa Cipriani, Funchal, Madeira
- Vides, Estreito de Câmara de Lobos, Madeira
- Restaurante JJ, Graciosa, Açores
- Boca de Cena, Ponta Delgada
- Alcides, Ponta Delgada

Os factos


Perguntado um dia sobre aquilo que, como primeiro-ministro, mais temia, o político britânico Harold Macmillan cunhou uma frase que ficou célebre: "Events, dear boy, events!". Quero crer que António Costa não deve pensar algo de muito diferente, depois de um mandato em que foram precisamente factos inesperados que vieram perturbar o curso da sua governação e os frutos, em termos de reforço político, que dela esperava colher, para um mandato seguinte mais sereno e menos dependente.

Como a vida é sempre muito mais imaginativa do que os homens, há uma imensidão do futuro que não se consegue prever: ninguém esperava a violência dos fogos de 2017 ou mesmo a patética incompetência de Tancos. Mas é evidente que, em ambos os casos, foi a falta de prevenção adequada que acabou por dar àqueles factos as consequências graves que tiveram.

Se há um efeito negativo sobre a imagem do Estado que vem a acentuar-se nas últimas décadas esse é a ideia, que está instalada, de que a rede de segurança coletiva que esse mesmo Estado tem obrigação de proporcionar está muito fragilizada. Em muitos cidadãos prevalece a ideia de que o Estado corre atrás dos problemas, não os antecipa, não consegue preveni-los.

É descredibilizante para a democracia ver os governantes, em permanência, a tentarem reagir ao que corre mal, em lugar de revelarem medidas para evitar, a montante, que esse mal possa emergir. Isto tanto é válido para as urgências dos hospitais como para as filas nas Lojas do Cidadão. Ver políticos a tentarem colocar um “penso rápido” nos problemas que não souberam prever, surgindo com ar determinado nos telejornais, resulta num retrato irritante do país oficial.

Salazar dizia que “os portugueses gostam de viver habitualmente”. Salvo alguns inconscientes ou excitados, todos gostamos de viver de forma previsível, de sentir que o nosso quotidiano não é sujeito a disrupções, que colocam sucessivos pontos de interrogação sobre como será o dia de amanhã. A ansiedade que atravessa as sociedades contemporâneas é feita da dúvida sobre se teremos capacidade de enfrentar os riscos, reais ou imaginários, que temos perante nós. Daí os medos, a desconfiança de princípio face ao desconhecido e ao diferente, o recuo para as trincheiras identitárias.

Reconstituir a confiança e a segurança dos cidadãos é o maior desafio da política contemporânea em democracia. Conseguir criar a perceção de que a sociedade está minimamente preparada para o inesperado do futuro é a chave para o crédito da ação política.

terça-feira, outubro 29, 2019

Pérolas a porcos


“Deitar pérolas a porcos” era uma expressão que ouvia muito ao meu pai.

(Quando disse a alguém que ia usar a expressão, ouvi: “Tens que explicar o que significa. Há muita gente que já não sabe”. Pensei para mim: “Quem não sabe não deve ter interesse naquilo que vou dizer, pelo que não vale a pena explicar”.)

Lembrei-me disso no sábado, ao abrir o “Diário de Notícias” e ao deparar com o suplemento “1864” (alguém teve a ideia, desde que o DN passou a semanário, de dar ao suplemento, como nome, o ano da criação do jornal).

O tema do suplemento desta semana é a comida - a história, as tendências, os gostos. Por lá, entre muitos outros, está um texto bem interessante do meu “mestre” gastrónomo Fernando Melo.

(“Deves andar vidrado com a comida”, disse-me a mesma pessoa. “Já deve estar tudo farto das tuas listas de restaurantes, relembraste um guia teu do Porto de 2002, até para falar do Franco referiste um restaurante galego e, não sei se te deste conta, mas o teu artigo para o JN da semana passada falava em “Cepa Torta”, que é precisamente o nome de um restaurante de Alijó!”)

Todas as semanas, os textos do suplemento, do tal “1864”, sendo desiguais entre si, são, no seu conjunto, criativos, informativos, divertidos. Só que, quando abrimos o jornal, aquela oferta jornalística vem num papel de gramagem miserável, sem uma capa decente, num formato que parece um destacável publicitário (daqueles que vão diretos para o lixo quando compramos os jornais), num tom pardacento que parece apelar a que não leiamos o que por ali nos chega. Um belo produto, embrulhado sem cuidado.

Imagino que os excelentes jornalistas que o DN por lá tem - que já tiveram a tragédia de ver o DN sair em papel ao domingo (quem terá sido o génio?), que agora sai ao sábado (em competição com o “Expresso” e o “Sol”), sem que ninguém se lembre que a sexta-feira está virgem de semanários -, ao depararem com o fruto impresso do seu trabalho, devem pensar: “Isto é deitar pérolas a porcos!”

(Eu sei que o Zé Ferreira Fernandes e a Catarina Carvalho não devem gostar muito do que aqui escrevo, mas é o meu amor à bela marca “Diário de Notícias”, de que não desisto, que fala mais alto.)

segunda-feira, outubro 28, 2019

Jaime Ramos


É bem diferente do Maigret, tem muito pouco a ver com Poirot, só aparentemente se pode identificar a Pepe Carvalho. Chama-se Jaime Ramos, mora ali perto do Heroísmo, no Porto, toma o cimbalino no Nova Sintra. Quem o quiser conhecer, leia o Francisco José Viegas.

“Visita Guiada”


São deslumbrantes as “visitas guiadas” que Paula Moura Pinheiro proporciona, na RTP 2, a um Portugal monumental e artístico menos conhecido.

Estes programas ajudam a perceber o conceito de serviço público.

10 mesas do Alentejo

Agora, o Alentejo, onde escolhi as minhas 10 mesas preferidas:

Tasquinha do Oliveira, Évora
Maria, Alandroal
Tomba Lobos, Portalegre
Mercearia do Gadanha, Estremoz
Afonso, Mora
O Chana, Aldeia da Serra
Molhó Bico, Serpa
Dona Bia, Comporta
Bolota, Terrugem
Taberna do Adro, Vila Fernando, Elvas


Na 3ª feira, terminará este exercício de “serviço público” de informação gastronómica.

domingo, outubro 27, 2019

Uma tasca deve ter


1. Toalha de papel. Ponto extra se o empregado a usar no final da refeição para fazer a conta
2. Vitrine com uma travessa com ovos cozidos repousando em cima de um monte de sal
3. Folhas de louro penduradas
4. Fotografia aérea do próprio restaurante emoldurada
5. Azulejo a explicar as condições de fiado do estabelecimento
6. Picantes e aguardentes descritas como "caseiras"
7. Sobremesas caseiras. A mousse pode ser instantânea desde que nos digam que foi feita dentro de casa
8. Azulejo enquanto elemento decorativo dominante
9. Vinho da casa descrito pelo empregado como "muito bom"
10. "Uma dose chega para dois" e se for preciso mais arroz a gente traz
11. Um empregado que resmunga se não limpamos o prato. "O quê? Não gostou? Não estava bom?"
12. Decoração à base de alfaias agrícolas e cabaças; motivos tauromáquicos ou vitivinícolas
13. Cozido à Portuguesa uma vez por semana
14. Couvert composto por azeitonas, pacotinhos de manteiga, patê de sardinha e queijo Quero
15. "Petiscos" e nunca "Tapas"
16. O guardanapo está dentro do copo
17. Um excelente arroz doce
18. Pratos do dia escritos à mão numa toalha de papel
19. Um galhardete do clube local, um cachecol de um dos "três grandes" e uma foto do dono junto a um cliente famoso
20. Um ou vários familiares do dono entre o staff


(copiado com a devida vénia do “Time Out”)

Mesas de Lisboa e arredores


Lisboa é um mundo de excelentes restaurantes (e também de muito maus restaurantes, diga-se). É hoje um “paraíso” da cozinha sofisticada dos chefes (escrevo sempre com “e”) e do cosmopolitismo refulgente da cozinha “étnica” (com referência a diferentes geografias). 

Mas essas não são, necessariamente, as indicações que pretendo por aqui dar.

É difícil (e, por isso, vale a pena começar por tentar) restringir a 10 os meus restaurantes preferidos de Lisboa. Ou melhor: a 10 mais 2. Mas eles aqui vão:



* Horta dos Brunos, Estefânea
* Nobre, Campo Pequeno
* Café de São Bento, São Bento
* Magano, Campo de Ourique
* Salsa e Coentros, Alvalade
* Galito, Luz 
* Poleiro, Entrecampos 
* Solar dos Presuntos, Baixa 
* Solar dos Duques, Campo de Ourique 
* Vela Latina, Belém



Dois casos à parte, de natureza diferente, de que também gosto bastante:


* Gambrinus, Baixa
* Ibo, Cais do Sodré


Dada a imensa oferta de restauração de Lisboa, admito que o leitor possa perguntar: e se acaso tivesse que indicar mais 10 restaurantes, quais seriam? Eles aqui ficam:


* Nunes Marisqueira, Belém
* Mattos, Avenida de Roma
* Café Lisboa, Chiado
* Solar dos Nunes, Alcântara
* Adega da Tia Matilde, Bairro Santos
* Descobre, Belém
* Apuradinho, Campolide
* O Jacinto, Telheiras 
* Faz Figura, Santa Apolónia
* Os Courenses, Alvalade


E se outro leitor, ainda mais teimoso, me desafiasse a indicar mais 10? São estes:


* XL, S. Bento
* Café In, Belém 
* Antigo 1° de Maio, Bairro Alto
* Clube Naval de Lisboa, Belém
* Bem Haja, Praça das Flores
* Clube dos Jornalistas, Madragoa
* Tasca da Esquina, Campo de Ourique
* Dom Feijão, Avenida de Roma
* Miudinho, Carnide
* Chapitô, Castelo


Agora, vou ainda deixar 10 mesas lisboetas bem “menos óbvias”:


* Solar dos Leitões, Buraca
* Delícia, Moscavide
* Imperial de Campo de Ourique
* Tasquinha do Lagarto, Campolide
* Carteiro, Santa Marta 
* O Castiço, Baixa
* Sé da Guarda, Algés
* Raposo, Estefânea
* Zé Pinto, Benfica
* Luís, Alvalade


e, finalmente, indico 10 mesas “à volta” de Lisboa:


* Orelhas, Queijas
* Casa da Dízima, Paço de Arcos
* Cimas, Estoril
* Adraga, Almoçageme
* Solar dos Pintor, Loures
* Búzio, Praia das Maçãs
* Zé Varunca, Oeiras 
* Mar do Inferno, Cascais
* Curral dos Caprinos, Sintra
* Atira-te ao Rio, Cacilhas


Com este conjunto de 52 restaurantes, os leitores ficam com um para cada semana do ano. Não engordem!

Amanhã, ficarão aqui as ”minhas” 10 mesas do Alentejo.

sábado, outubro 26, 2019

Governo


É um governo grande. Agora, só resta esperar - e eu espero - que seja um grande governo.

10 mesas do Ribatejo e alguma Estremadura


Colando a Estremadura com o Ribatejo, embora o conceito de “província” não tenha já hoje a menor consagração institucional, arrisquei colocar aqui alguns restaurantes a sul de Leiria e até às portas de Lisboa, com uma incursão até às bandas de Santarém. Aqui ficam as 10 mesas que gosto de frequentar por essa geografia:


O Malho, em Alcanena
Tribeca, Serra d’El-Rei, em Peniche
Sabores d’Italia, nas Caldas da Rainha
O Traçadinho, em Óbidos
Trás da Orelha, em Torres Vedras
Taberna do Quinzena, em Santarém
Fuso, em Arruda dos Vinhos
António Padeiro, em Alcobaça
Casta 85, em Alenquer
Taberna do Alfaiate, no Cartaxo


Se tiverem outras ideias, sirvam-se à vontade!

Amanhã falaremos de Lisboa.

sexta-feira, outubro 25, 2019

Ferro Rodrigues


Eduardo Ferro Rodrigues foi hoje reeleito para mais um mandato como presidente da Assembleia da República, a segunda figura do Estado.

Como seu amigo, mas principalmente como conhecedor e admirador da sua integridade pessoal e cívica, sinto uma imensa satisfação, e conforto, por ver o nosso sistema político continuar a ser representado institucionalmente por uma figura como ele. E sei que estou muito acompanhado neste sentimento.

Um forte abraço para ti, Eduardo!

Draghi


Ninguém dava nada por ele, quando chegou. Era italiano, o que, a olhos do Norte, significava uma potencial falta de rigor, laxismo, complacência com o despesismo. Mas foi a sua palavra, o seu famoso “whatever it takes” para preservar o euro, que garantiu uma espécie de escudo visível que compensou as hesitações políticas dos líderes europeus, no seu atraso no completamento da União Bancária.

Uma certa escola de pensamento, que por cá também tem os seus cultores, acha que o “quantitative easing” abafou a rentabilidade dos bancos e reduziu a pressão para as reformas nos Estados. É a doutrina de quem sabe que, por si, pode viver bem com inflação e juros altos, de quantos se não importam de ver a austeridade a aplicar-se sempre aos mais fracos, dos que acham legítimo sacrificar a geração que aí está no altar liberal de uma nova espécie de “amanhãs que cantam”. Draghi não foi desses.

Ou muito me engano ou ainda vamos ter muitas saudades de Mario Draghi!

10 mesas da Beira litoral


Hoje é a vez da Beira Litoral. Aqui estão os 10 restaurantes que me saltam à memória, quando por ali passo. Serão os melhores? Essa não é necessariamente a questão: são aqueles de que eu gosto, por várias razões. Se quiserem dar outras dicas, façam favor! 

Ah! E continua a regra: não repetir localidades e centrar a atenção na cozinha tradicional.

Puttanesca, Leiria 

Salpoente, Aveiro

Queirós, Avelãs do Caminho

Tia Alice, Fátima

Parlamento, Arouca

Casas do Bragal, Coimbra

Chico Elias, Algarvias, Tomar 

Vidal, Almas da Areosa, Águeda

Burgo, Lousã

Restaurante do Hotel do Buçaco, Buçaco


No sábado, juntaremos o Ribatejo com a Estremadura.

Até lá, bom apetite!

quinta-feira, outubro 24, 2019

Francamente


Hoje é o dia da exumação do corpo de Franco, o último ditador de Espanha. Sai finalmente do Vale dos Caídos, onde estava desde a sua morte, em 1975, local que se transformara numa romagem dos saudosistas do seu regime.

Aos impenitentes nostálgicos do franquismo, que também por cá os há, aconselho agora duas alternativas: ou uma visita à casa de Ferrol onde nasceu aquele que viria a ser o Caudillo (de que deixo uma imagem, para que não se percam) ou um almoço na Casa Olga, em La Guardia (A Guarda, para quem respeitar o galego). 

Nesta última, um local cheio de memorabilia franquista, irá cruzar-se com a dona, uma fascista ferrenha, a cantar por entre as mesas o “Cara al Sol” e outras canções da Falange. Ah! Mas nem lhe passe pela cabeça trautear por ali versões republicanas do “Ai Carmela”, principalmente as que falam de “la mujer de Paco Franco...” ou sequer entrar com o “El País” debaixo do braço. É que os socialistas (já para não falar dos comunistas) estão banidos por lá. Ou melhor, só como clandestinos “voyeurs” é que podem ir àquele patético parque temático do Fascismo espanhol. E não se come por lá grande coisa, também posso garantir...

10 mesas da Beira interior


Desta vez, vamos para os distritos de Viseu, Guarda e Castelo Branco. Dentre muitos outros pousos gastronómicos que poderia indicar, aqui ficam 10 casas, muito diferentes entre si, que, mesmo sem recurso aos guias da moda, me vêm à memória quando me apetece comer bem nas minhas andanças pela Beira interior, mantendo a regra de não referir mais do que um restaurante em cada localidade:

Cantinho do Tito, Viseu

Cova da Loba, Linhares da Beira, Celorico da Beira

Vallecula, Valhelhas

Restaurante da Pousada, Belmonte

Taberna A Laranjinha, Covilhã

Casas do Coro, Marialva

Entre Portas, Pinhel

Três Pipos, Tondela

Tasquinha do Matias, Ucanha, Tarouca

O Lagar, Herdade do Regato, Castelo Branco


Experimentem e digam da vossa justiça! 

Na sexta-feira, falaremos da Beira Litoral

quarta-feira, outubro 23, 2019

Maçonarias


Achei de muito mau gosto a insinuação oblíqua feita por Rui Rio, aquando do anúncio da sua recandidatura à liderança do PSD, de que Luis Montenegro é membro da Maçonaria. Como se isso fosse um crime ou um fator desqualificador de alguém.

Começo a não ter paciência para as teorias conspirativas sobre a Maçonaria, que por aí surgem com regularidade. Nunca fui tocado pelas "luzes" da subordinação espiritual ao "grande arquiteto universal" e não será por acaso que jamais alguém me aproximou a sugerir que me juntasse a esses rituais. Aliás, embora sendo para mim difícil perceber as razões que levaram muitos amigos meus a enveredar por essa opção, notei que nunca foram tentados a converter-me. Pela minha parte, também nunca lhes perguntei nada, porque nada tenho a ver com as opções filosóficas ou religiosas de cada um. Não me passa pela cabeça interrogar alguém sobre se é e por que é católico ou “testemunha de Jeová" ou se acredita no espiritismo.

A principal razão por que me incomoda esta espécie de suspeição obsessiva sobre a Maçonaria é que, durante a ditadura, sempre vi a diabolização da prática maçónica a ser titulada por quantos combatiam a democracia. Por isso, não posso deixo de considerar algo "salazarento" o movimento de opinião que, em Portugal, tenta forçar o "outing" de quantos se reunem nas várias “obediências”. Deteto neste tropismo, um tanto persecutório, o renascer de um preconceito que, antes do 25 de abril, a ditadura tinha para com as confissões maçónicas, que levou à perseguição de muitos dos seus membros e ao encerramento violento dos seus locais de reunião. E, assumindo o risco de estar a agitar a demonologia "talassa", gostava de lembrar o papel muito positivo que devemos à Maçonaria para a implantação da República, antes e no 5 de outubro de 1910.

Não é por ser mação, católico ou ateu que um cidadão é pior ou melhor que os outros. Bandidos ou pessoas de bem há-os por aí em todas as confissões, crenças ou "fezadas".

10 mesas de Trás-os-Montes e Alto Douro


Chegou a vez de Trás-os-Montes, com duas incursões ao Alto Douro, na margem esquerda do rio, nestas listas muito pessoais de 10 restaurantes por região.

Relembro a lógica: (1) Estes não são necessariamente “os melhores” restaurantes, mas apenas aqueles que sempre me sinto tentado a visitar; (2) Em regra, não se incluem casas com oferta sofisticada e culinária de “salto alto”, mas apenas com cozinha portuguesa tradicional; (3) Fora de Porto e Lisboa, só é indicado um restaurante por localidade:

Taberna do Carró, em Torre de Moncorvo

DOC, na Folgosa

Lameirão, em Vila Real

Toca da Raposa, em Ervedosa do Douro

Costa do Sol, em Vila Pouca de Aguiar

Cozinha da Clara, Quinta de La Rosa, Pinhão

Carvalho, em Chaves

Geadas, em Bragança

Castas e Pratos, na Régua

Maria Rita, no Romeu, Mirandela

Em dias anteriores, foram já publicadas as listas do Minho e do Porto. Amanhã será a vez da Beira Interior.

Aproveitem!

Sair da cepa torta


Há dias, José Sócrates criticou, num artigo publicado no Brasil, o facto de António Costa não ter renovado a Geringonça, através de um acordo escrito com o Bloco de Esquerda. É irónico ver o antigo primeiro-ministro pronunciar-se desta forma, se tivermos em conta que, do seu tempo, nenhum gesto de aproximação com a “esquerda da esquerda” ficou nos anais da nossa política caseira. Bem pelo contrário, como se lembrará a “tia” de Francisco Louçã...

Dentre os primeiros-ministros socialistas da nossa democracia, nem Mário Soares, nem António Guterres, nem José Sócrates consideraram existirem condições para derrubar o muro que separava os utentes habituais do “arco da governação” dos setores mais à esquerda. E, provavelmente, com razão.

Soares governou na Guerra Fria e trazia consigo o trauma dos embates de 1975, o que não obstou a que fosse o “povo de esquerda” a colocá-lo depois em Belém. Guterres fez um governo de centro-esquerda, única forma de potenciar o declínio do cavaquismo. Sócrates, curiosamente, partiu de uma postura que chegou a seduzir setores conservadores, para depois se enquistar num processo de autismo político que, no plano retórico, procurou, na sua fase final, colocar-se num registo de esquerda-direita. Nenhum dos três, contudo, fez qualquer gesto à sua esquerda, quiçá também pela consciência de que isso não teria a menor retribuição.

Há que creditar a António Costa a coragem desse gesto, tanto mais que ele teve lugar num tempo de particular debilidade do país na ordem financeira externa, quando Portugal estava sob severa vigilância dos seus credores, que se tinham sentido confortados por um governo que tão bem mimetizava internamente o seu receituário político. Mas tem de partilhar esse mérito: uma imensa “gratidão” é devida ao espetro que constituía a hipótese de um regresso de Passos Coelho, o mais poderoso fator que levou os comunistas a caminharem no sentido de um conjuntural “compromisso histórico”.

Escrevi “conjuntural” com plena convicção. O PCP cedo mostrou que o “negócio” de 2015, se bem que agradável às suas bases, teve um custo institucional forte e não era para repetir. Para António Costa, fazer agora um acordo isolado com o Bloco seria um gesto vão. O peso dos bloquistas, à parte alguns fogachos sectoriais, esgota-se na bancada de S. Bento. Costa sabe bem quem pode estar ao seu lado e contra si no verdadeiro desafio do novo governo: potenciar o crescimento e controlar as corporações. Sem isso, não sairemos da cepa torta.

terça-feira, outubro 22, 2019

A OSCE e a restauração do Porto


Em dezembro de 2002, a OSCE organizou no Porto a sua reunião ministerial anual. Portugal detinha a presidência anual da organização e eu chefiava o respetivo Conselho Permanente, que congregava os então 55 embaixadores de outros tantos Estados membros.

Porque a vida internacional também tem de comportar aspetos lúdicos, eu havia decidido "apresentar" o Porto às cerca de 700 pessoas que a reunião congregava. Para tal, escrevi e a OSCE publicou, ainda em Viena, um livrinho onde dava algumas dicas para visitas à cidade e, essencialmente, apresentava uma lista comentada por mim de 27 restaurantes do Porto e arredores, misturando diversos tipos de oferta gastronómica. 

Porque nas organizações internacionais alguns documentos de reflexão são designados "food for thought", lembrei-me de inverter os termos e dar ao guia o título de "Thoughts for food"... Foi um êxito! Ainda recordo a perplexidade do motorista que me acompanhava: "Ontem, um delegado ucraniano, pediu a um colega meu para o levar ao "Veleiros", em Perafita. Como é que é ele terá sabido da existência do restaurante?"

Deixo aqui a capa do pequeno livro e a lista completa dos restaurantes que então recomendei, que mereciam uma descrição individualizada de algumas linhas cada. Quem conhece a oferta de restauração da cidade do Porto nos dias de hoje pode achar graça a este retrato de há 17 anos.


10 mesas do Porto


O prometido é devido! Depois do Minho, aqui deixo a indicação de 10 restaurantes do Porto e arredores (com mais dois à mistura, e logo explicarei porquê) que sempre me ocorrem, quando por ali ando e me apetece comer bem. Volto a lembrar que não se inclui aqui cozinha “contemporânea” ou “de autor”.

Ontem, a propósito da lista minhota, logo surgiram as naturais divergências, as “faltas imperdoáveis”. Ora, repito: estas não são listas dos “melhores” restaurantes mas, apenas e só, de alguns (muitos outros haveria) que me despertam memórias gustativas positivas.

Aqui ficam, pois, os “meus dez” do Porto e arredores:

Cozinha do Manel, rua do Heroísmo, Campanhã, Porto

Gaveto, em Matosinhos

Antunes, rua do Bonjardim, Porto

António, em Leça

Casa Nanda, rua da Alegria, Porto

Adega São Nicolau, rua de São Nicolau, Ribeira, Porto

Cozinha da Terra, em Louredo, Paredes

Lider, alameda Eça de Queiroz, Antas, Porto

Mário Luso, nos Carvalhos

Cozinha da Amélia, rua do Campo Alegre, Porto

Acrescento a estes 10 restaurantes outros dois, de uma natureza um pouco diferente, fugindo ao modelo de cozinha tradicional portuguesa do grupo anterior, mas que, para mim, são também incontornáveis, ambos, aliás, na zona da Foz.

Cafeína, na rua do Padrão
Wish, no largo da Igreja

Como aprendem a dizer os empregados saídos das escolas hoteleiras, quando nos deixam os pratos sobre a mesa, “espero que gostem”.

Vida nova


É saudável sentir que a classe política se renova. Ao olhar os nomes dos integrantes deste governo, e se as minhas contas não falham, creio que, das dezenas de figuras que o compõem, há já muito escassos membros dos anteriores executivos socialistas.

Apenas António Costa esteve presente, primeiro como secretário de Estado e depois como ministro dos Assuntos Parlamentares, no XIII governo constitucional, o primeiro chefiado por António Guterres, que tomou posse em outubro de 1995. 

Além dele, Augusto Santos Silva, Eduardo Cabrita, Nelson Sousa e José Apolinário integraram o segundo governo de Guterres, o XIV governo constitucional, que iniciou funções em outubro de 1999. Só Santos Silva veio a exercer então funções de ministro, tendo antes sido secretário de Estado, como os restantes.

Dentre os outros membros do próximo governo, apenas Teresa Ribeiro e João Gomes Cravinho integraram, respetivamente, os XVII e XVIII governos constitucionais, presididos por José Sócrates, ambos como secretários de Estado.

segunda-feira, outubro 21, 2019

10 mesas do Minho


Alguns amigos, que às vezes por aqui me veem citar um ou outro restaurante, têm-me perguntado se tenho alguma lista de “favoritos” e, nesse caso, se a posso divulgar.

Claro que sim! Mas permitam-me que esqueça, por completo, a “alta cozinha”, as estrelas, os chefes que estão na moda, o “fine dining”. Falemos apenas de cozinha tradicional portuguesa.

Vamos começar pelo Minho.

Aqui fica o nome de 10 - mas, claro, podiam ser 20 ou 30 - restaurantes do Minho, e escolho apenas um por localidade, que sempre me ocorrem quanto me apetece comer bem:


São Gião, em Moreira de Cónegos, Guimarães

Bocados, em Ponte de Lima

Casa de Armas, em Viana do Castelo

Adega do Sossego, em Melgaço

Dona Júlia, em Braga

Victor, em São João de Rei, Póvoa do Lanhoso

Bagoeira, em Barcelos

Caneiro, no Arco do Baúlhe, Cabeceiras de Basto

Mariana, em Afife

Costa do Vez, nos Arcos de Valdevez

Já imagino o que aí vem: “Então e o ... ?” ou “Esse já não é o que era!” e coisas assim. Pois é, mas isto é o que eu penso!

Amanhã, falaremos do Porto e arredores.

domingo, outubro 20, 2019

UKEXIT (2)


... e depois de mandar a carta já aqui antes publicada (não a assinando, acintosamente), Boris Johnson envia outra a manifestar-se contrário àquilo que foi obrigado pelo parlamento a fazer. Uma esquizofrenia política sem precedentes.

Se estivesse no lugar dos dirigentes europeus, eu seria tentado a exigir que o interlocutor britânico de Bruxelas fosse capaz de dizer-lhes qual é, afinal, a posição final que compromete o Reino Unido.

E, atendendo à clara falta de legitimidade para representar o país na ordem externa, que afeta hoje o alegado governo britânico, consideraria suspenso o processo iniciado com a invocação do artº 150, reportando “sine die” a data de 31 de outubro para o Brexit, até que, de Londres, e sem a menor ambiguidade, surgisse uma posição inequívoca sobre o que afinal querem.

É que, pensando bem, a posição de Johnson continua a não ser muito diferente da de Theresa May: acordou algo com a UE que, afinal, não consegue fazer aprovar internamente.

UKEXIT

Boris Johnson parece uma criança teimosa. Não querendo “discutir” com Bruxelas a extensão do adiamento do Brexit, mandou este texto não assinado, anexo a uma certa do seu embaixador junto da UE. No fundo, é exatamente a mesma coisa, pede o adiamento, mas mantém a “birra”. O RU é isto?

A palavra da União


No último Conselho Europeu, não foi possível encontrar consenso para, pelo menos por ora, prosseguir o processo de adesão da Albânia e da Macedónia do Norte à União Europeia. A França e dois outros países terão estado na origem desta atitude.

Os processos de adesão têm uma dimensão política, não apenas na avaliação de quem pretende entrar, mas igualmente na existência de condições para cada Estado membro vir a ratificar futuramente o acordo de adesão - o que terá sempre de ser feito por unanimidade. Para cada uma destas questões há tempos de análise e decisão.

A União tem critérios claros sobre quem é elegível para ser seu membro, não só quanto ao espaço geográfico abrangível como quanto ao preenchimento de condições de diversa natureza, dentre as quais os chamados “critérios de Copenhague” não são os menos relevantes. A escolha dos novos “sócios” não se faz por acaso, obedece a regras e tem de ser muito transparente.

Depois de iniciado, o processo passa a ter uma dimensão exclusivamente técnica, que compete à Comissão gerir, num processo dividido em ”capítulos”, que se vão “fechando” à medida que os países candidatos fazem prova de terem feito as mudanças e adaptações que lhes são exigidas. Tudo sob critérios muito objetivos, com escassa margem para subjetividade.

Pode perceber-se que se “jogue”, por vezes, com o fator tempo para tratar um determinado processo de adesão, mas é indigno de uma UE, como entidade internacional com palavra, ser vista a frustrar a vontade política de parceiros que tiveram a coragem de fazer reformas, algumas das quais com preço interno elevado, para depois se verem confrontados com uma recusa incompreensível, difícil de explicar às suas opiniões públicas, com impactos sérios sobre a credibilidade interna dos seus dirigentes. O caso na Macedónia do Norte é, neste caso, paradigmático: o país foi mesmo obrigado a mudar a sua designação para poder ser elegível, num processo interno “doloroso”.

Esteve muito bem António Costa ao exigir que a União esteja à altura da sua palavra e não seja um joguete nas mãos de alguns dos seus sócios mais poderosos. A UE ou é uma pessoa de bem ou acabará por confirmar a imagem negativa que muitos dela cultivam.

A “Delícia” e a crítica


Já por aqui falei, por mais de uma vez, de Fortunato da Câmara que, no “Expresso” herdou, já há bastantes anos, a difícil tarefa de substituir essa figura referencial da crítica gastronómica portuguesa que dá pelo nome de José Quitério. 

Num estilo pessoal diferente, mas igualmente com um rigor extremo, aliado a um conhecimento muito raro nos cultores deste tipo de escrita, uma análise feita por Fortunato da Câmara a um restaurante é, para mim, uma garantia de isenção, qualidade e orientação. 

Sigo-o todas as semanas e nunca - repito, nunca - uma sua indicação me desiludiu. Nos anos em que também andei, de forma despretensiosa, por aquelas andanças críticas, muito aprendi com ele. 

Ao lado de Fernando Melo e de Manuel Gonçalves da Silva, Fortunato da Câmara é, nos dias de hoje, o meu “farol” nesta constante e bela “angústia para o jantar” - para citar o título de uma obra de ficção de Luis Sttau Monteiro, ele próprio um crítico gastronómico que assinava “Manuel Pedrosa”.

Trago hoje aqui o nome de Fortunato da Câmara porque, no “Expresso” de ontem, ele faz uma análise crítica a um restaurante de comida tradicional portuguesa que aprecio e que entendo merecer bem o destaque que o semanário lhe concede: a “Marisqueira Delícia”, em Moscavide. 

Ver um restaurante desta natureza ser sublinhado por um dos mais relevantes críticos gastronómicos portugueses é não só a verdadeira prova da “democraticidade” da nossa crítica mais exigente mas, igualmente, um sintoma claro de que a verdadeira qualidade pode ser encontrada em mesas de todos os escalões.

Posso confirmar: a ”Delícia” é um pouso de cozinha bem honesta, uma casa de ambiente solto e com preço justo para uma marisqueira - o que, como se sabe, não é muito fácil de encontrar. 

É muito bom que, para além do mundo dos chefes e do nomes sonantes das casas de restauração, também possamos apoiar quem se mantém, com pertinácia, até em lugares geográficos um pouco periféricos, a executar uma culinária que honra da gastronomia portuguesa. Como é o caso da “Delícia” de Moscavide.

sábado, outubro 19, 2019

Snooker


Às vezes, pergunto-me o que me levará a passar horas, entrando pela madrugada, vidrado na televisão, a ver grandes torneios de “snooker”. E aos anos que isso acontece!

Creio que foi quando vivi em Londres, nos anos 90, que este meu vício começou, seduzido um dia por aquele jogo geométrico, de tensão calma, onde a precisão se junta à inteligência. Os comentadores eram, quase sempre, magníficos, pedagógicos, aprendi com eles a decifrar os segredos daquela arte e a história da modalidade. E o mais curioso é que nunca vi um jogo ao vivo, o que torna esta minha mania ainda mais bizarra.

Esses eram então os anos de ouro de Stephen Hendry que, com aquele ar permanentemente ensonado, se batia com Jimmy White, cujo aspeto e cabelo “rough”, denunciavam, melhor do que tudo, a óbvia base social de recrutamento daquele jogo. Estava então a nascer esse génio que iria ser Ronnie O’Sullivan, cujas primeiras vitórias me recordo terem coincidido com o tempo em que o seu pai estava na prisão. Era também o início do declínio de um imenso jogador que foi Steve Davis.

Para mim, têm sido décadas a ver excelente “snooker”, jogo que nunca me atrevi a tentar jogar, salvo em alguns obscuros cafés de província, porque o “sapateiro” que sou não deve ir “além da chinela” e eu nunca passei de um sofrível praticante de bilhar livre.

Hoje, depois de assistir, deliciado, à sessão dura nos Comuns sobre o Brexit, não encontrei nada melhor do que o English Open para compor a minha tarde.

sexta-feira, outubro 18, 2019

O “Choco” e a escada


“O menino quer que, amanhã, lhe guarde o Expresso? É que se esgota!”. A frase, dita pelo Fernando “Choco”, naquele quiosque improvisado junto ao mercado de Vila Real, traduzia, simultaneamente, a escassez de exemplares dos semanários que chegavam a Vila Real e o carinho, vindo da infância, com que, pelo “senhor Fernando”, sempre me habituei a ser tratado. Noto que o “menino”, à época, era já um quarentão tardio.

De onde terá nascido o nome de “Choco”, associado ao Fernando, que era Cardoso de apelido? Sempre me perguntei, sem resposta e, claro, sem nunca ousar tratá-lo como tal.

Comecei por conhecê-lo numa “venda” que tinha na antiga descida do Pioledo para a rua de Santo António. Mais tarde, abriria uma minúscula mas muito popular loja de jornais e tabacaria na rua Central, entre o Salgueiro relojoeiro e o Lousada da tipografia. Por esse tempo, muito sob a mão da sua mulher, manteve uma bela casa de petiscos, na Rua das Pedrinhas, em cuja cave, para onde se entrava por um alçapão, me recordo de ter estado em grandes tainadas. Finalmente, creio que acabou a vender jornais e revistas, na loja junto ao mercado, de que fui fiel cliente, quando passava pela cidade.

O Fernando “Choco” pode ter feito tudo isso e muito mais na vida, recordando-o a cidade na sua moto, com uma caixa atrás, com que ia buscar os “rolos dos jornais” ao comboio, para nos alimentar a sede das notícias de Lisboa.

Porém, se houve um amor definitivo na vida do Fernando esse foi o Sport Clube de Vila Real. Aí fez tudo: de guarda do campo a roupeiro, de massagista a (creio, mas posso estar enganado) adjunto de treinador. Há imensas fotografias de equipas do Sport Clube em que surge o Fernando “Choco”, em algumas delas, ao que recordo, de boina basca. 

Por que  me lembrei hoje do Fernando “Choco”? Porque, ao rever fotografias guardadas, descobri esta que tirei uma noite, há uns anos, à escada de pedra que une o Campo do Calvário, onde o Sport Clube jogou por décadas, e o Jardim da Carreira.

Tudo bem, mas o que é que o ”Choco” tem a ver com a escada? Tudo. Por muito tempo, eu vi aquele homem, durante os jogos de futebol, a ter de descer (e, depois, subir) aquela imensa escada, sempre que o Cesteiro, o Castanheira, o Bibelino ou qualquer outro alvinegro davam um pontapé esquinado que fazia a bola sair por alto, pelo lado do peão, a caminho do jardim.

Ao miúdo que eu então era impressionava imenso ver aquele homem nessa tarefa humilde, essencial mas nada gloriosa, de ir buscar a bola “lá baixo”, ao meio dos namorados entretidos a arrulhar pelas tardes domingueiras do Jardim da Carreira.

Agora que o Sport Clube faz 100 anos, que tal homenagear a memória de um dos seus mais dedicados servidores?

quinta-feira, outubro 17, 2019

A diplomacia e o Brexit


O bom senso parece ter acabado por prevalecer na negociação do Brexit. O regresso a uma fórmula que Theresa May tinha rejeitado - que cria um regime específico para a Irlanda do Norte dentro do Reino Unido - pode ter sido a chave do sucesso.

Dentro da muito má notícia que é a saída do Reino Unido da União Europeia, provocando o sensível enfraquecimento desta (financeiro, militar, geopolítico, etc), este parece ser (digo, parece, porque os detalhes são complexos) um compromisso aceitável, um imenso alívio face à crise que um rompimento sem acordo provocaria.

Recordo que foi graças a uma laboriosa negociação que isto foi conseguido. A diplomacia está, assim, de parabéns!

O euro


É com muito prazer que irei moderar o painel de encerramento da Conferência “The euro 20 years on: the debut, the present and the aspirations of the future”, sobre a dimensão geopolítica do euro, organizada pelo Banco de Portugal, no próximo dia 15 de novembro, integrado por Paul de Grauwe, Carlos Moedas e Wolfgang Munchau.

Ver o programa aqui.

Caras da diplomacia

Os diplomatas, enquanto carreira profissional, são regularmente objeto de alguns preconceitos, o mais das vezes expressos em forma de graças...