Não há uma cidade ideal. Somos diferentes em cada tempo da nossa existência: pelas idades que vamos tendo, pelas ambições que fomos criando ou deixando cair, pelo modo como, em cada momento, nos vamos sentindo, fruto de razões próprias ou que a vida nos impôs. Pelas gentes e pela forma como as cruzámos, pelo bem-estar que pudemos ter.
As cidades só existem connosco dentro. Por anos, consegui ser feliz num lugar difícil como era Luanda sob guerra civil, e estive sempre menos confortável numa cidade que, paradoxalmente, rima com esse conceito, como é Viena. A terra que me mobilizou os sonhos de juventude, Paris, resultou numa experiência aquém da satisfação plena, num quotidiano vivido num tempo estranho - além de que não se deve viver onde se foi turista, aprendi. Brasília, a urbe artificial, onde presumi que iria ter uma existência pesada, converteu-se numa bela experiência, graças a um desafio profissional mobilizador, somado a um círculo agradável de amigos. Londres, cujo formalismo gongórico me assustava, revelou-se uma cidade de vida livre e de gente irónica.
Depois de quatro décadas a mudar regularmente de poiso, concluí que não tenho uma cidade ideal, porque essa cidade teria de conjugar coisas inconciliáveis entre si.
Em tese, todos queremos cidades calmas, onde a organização da vida reduza o stresse, onde o tráfego não nos encanite a paciência, onde se possa passear a pé, onde o verde se imponha ao fumo e ao pó. Vivi em Oslo, onde havia tudo isso, e foi ótimo. Voltei lá, há pouco, e concluí, com facilidade, que não era sítio onde me apetecesse viver.
Por contraste, senti-me bem em Nova York, uma cidade que não para, onde não somos estrangeiros, com lugares públicos apetecíveis, mundo de livrarias, restaurantes fabulosos e lojas de tudo, com gente diversa por todo o lado, a dar vida à vida. E, contudo, gostaria de viver por lá eternamente? O frenesim e o desafio constante vão bem com um certo tempo interior, o individualismo como doutrina de comportamento urbano não fará nunca o meu estilo, a lei do dinheiro é um panorama social onde não gostaria de esgotar os meus dias.
Lisboa é a minha escolha? Não, é apenas o destino. Tem lixo, incivilidade, trânsito caótico, ruído qb. Mas tem sol, tem risos, tem os lugares que já são nossos, as esquinas que dobramos sem surpresas, os locais onde nos chamam pelo nome.
A cidade ideal é aquela onde se é feliz. E isso está dentro de nós, a cidade é apenas o lugar onde encenamos a vida. Mas, paradoxalmente, e se pensarmos bem, a cidade ideal é também aquela que possamos encarar, com serenidade, como o cenário da nossa própria morte.
(texto que publiquei na revista XXI, "Ter Opinião")