domingo, janeiro 25, 2015

Não somos a Grécia?


"Não somos a Grécia!", foi a "punch line" subliminar do Portugal oficial de turno, ao longo dos últimos anos, procurando destacar que o rigor no esforço de ajustamento macroeconómico levado a cabo pelo nosso país não tinha comparação com o modo, mais desordenado e mais caótico, como Atenas conduziu o seu próprio processo. Era verdade: e os gregos também se comportavam de maneira diferente, partiam mais vidros, usavam mais "cocktails molotov", berravam mais alto nas tardes agitadas do Syntagma. E o seu sistema político-administrativo é mais corrupto, o seu modelo fiscal muito mais ineficiente, em suma, é um país em que o mundo, ao que parece, confia um pouco menos do que em Portugal.

Os gregos são diferentes de nós, claro. Como são os italianos que elegeram vezes sem conta um senhor chamado Berlusconi, como o são os franceses que hoje colocam Marine Le Pen nos píncaros, como o são os espanhóis cujo governo acaba de introduzir a prisão perpétua. Somos diferentes dos gregos, pois somos! Como somos diferentes dos irlandeses que não aceitam com naturalidade essa coisa simples que é o aborto assistido, como o somos dos finlandeses que têm da solidariedade intraeuropeia uma visão tão calorosa como um glaciar. Diferentes dos gregos! Como o somos dos austríacos cuja xenofobia pinga de qualquer fatia de Sachertorte, como o somos dos letões que deixam apátridas as minorias russas, como o somos dos húngaros que votam um líder autocrático que está a corroer a democracia. Não somos gregos! Nem somos checos, que dividem aldeias com muros para se separarem dos ciganos, nem luxemburgueses que criam empresas fastasmas ajudar à fuga aos impostos, nem temos o cinismo britânico de querer privar os imigrantes dos direitos sociais, mas que lhes dão jeito como mão-de-obra barata. E por aí adiante.

Nós não somos a Grécia! No entanto, se tudo isto, aqui por esta Europa, acabar por correr mal, de uma coisa podemos estar seguros: ver-nos-emos gregos! É que a única certeza que temos, que temos direito a ter, para o bem e para o mal, é que não somos alemães!

15 comentários:

Anónimo disse...

Exemplar. Do melhor que vi por aqui escrito. Parabéns, caro Embaixador

Anónimo disse...

Tudo o que diz é verdade. E precisamente por ser verdade é que esta integração Europeia é contra-natura, não pode nem pôde nunca funcionar e, por se fosse pouco, da sua implosão nem os cacos do bom que havia, a CEE, irão aproveitar-se.

É o resultado de deixar políticos mexerem em coisas sérias. É pena.

Um Jeito Manso disse...

Grande texto, Embaixador! É isso mesmo e seria bom que os palermas que por aí têm andado com essa na boca lessem o que aqui escreveu. Mas não tarda vê-los-emos a dizerem que sempre foram mais gregos que os gregos. Gente parva não tem vergonha mesmo.

Um bom domingo.

Alcipe disse...

Muito bem, grande texto. Apoiado!

a) Alcipe

Joaquim de Freitas disse...

Sobrevoo da Europa com tempo muito carregado... Tudo se vê no "post" do Senhor Embaixador. Muito bem.

Amanhã , veremos o que isso vai dar, mas a UE começou o seu trabalho de intimidação : " Se
SYRIZA ganhar, a UE ficará muito zangada.

Esquecendo que entre 2012 e Janeiro 2014, a Grécia pagou mais de 220 mil milhões de euros em juros, enquanto que a dívida continuava a aumentar.
E que entretanto a política de destruição do Estado e das suas instituições continuou.

Como é que a Europa pode inverter uma tendência, e porque é que os Gregos não teriam o direito de experimentar uma outra política um outro partido, mesmo se ele é de extrema esquerda, o que parece desagradar a alguns?
O que é que os Gregos têm a perder na situação em que se encontram?

Até agora foram espoliados. A razia das empresas públicas beneficiou o capital internacional e certos países influentes como a Alemanha. A crise grega permitiu aos alemães de realizar aquisições de alta valia, ao ponto que o ministro da economia alemã Schäuble disse: " Não os "tivemos" com a guerra mas sim com a economia"!

Se SYRIZA ganhar, a UE vai sentir um abalo de magnitude desconhecida, para o momento, mas que pode ser devastador . Ninguém sabe o que vai sair deste escrutínio, mas o objectivo é de obter uma maioria parlamentar explosiva na sua composição : toda a esquerda grega, mais a ecologia radical.
O programa é simples:
- anulação dos memorandos de rigor e a sua substituição por um plano de desenvolvimento e reestruturação produtiva.
- concentração dos esforços na luta contra o desemprego.
- restabelecimento das rendas da classe trabalhadora, (salário mínimo a 751 euros e 13° mês para os salários inferiores), dos direitos sociais, da protecção legislativa do trabalho ( despedimentos abusivos) e de todos os direitos democráticos.
- atacar a crise humanitária : acesso à electricidade para os pobres, socorro alimentar aos mesmos, alojamento para os sem abrigo, acesso aos serviços de saúde para as pessoas sem cobertura social, acesso gratuito aos transportes públicos para os desempregados e os pobres , e redução da taxa sobre o fuel de aquecimento.
- renegociação dos acordos com os credores, anulação das clausulas abusivas e abandono duma parte da dívida.
Em Davos, no luxo do grande hotel suíço onde se reúne a elite dos manda-chuva planetários, que representam o famoso 1% que detém metade da riqueza mundial, as antenas vão estar voltadas para o leste, e vão fumegar !
O que precede está ao nível do que sofreu a Grécia: Em 5 anos, abandono do Estado social (educação, saúde, segurança) , privatizações e liquidação do património e das riquezas naturais, economia destruída, desemprego a 27% ( 62% para os jovens), salários reduzidos de 40%, reformas destruídas ou quase, 3,5 milhões de gregos abaixo do nível de pobreza, dívida que passou de 120% em 2009, para 175% do PIB. suicídios, crianças subalimentadas que desmaiam nas escolas , recrudescência das doenças infantis, crianças não vacinadas, etc.etc.
E isto é o cume do iceberg!
A Grécia encontrando-se à beira mar o risco de "tsunami" na Europa é real.

Portugalredecouvertes disse...

Recordo uma citação que muito se repetia em França

"ne forçons point notre talent nous ne ferions rien avec grâce"
parece que por cá também ainda se usa

Anónimo disse...

Que vergonha ver um antigo responsável político escrever isto

Anónimo disse...

Muito bem! Gostei! Mas vem-me à memória aquela frase" "Todos diferentes, todos iguais"...Esperemos que realmente sejamos diferentes, dos "maus"...

Anónimo disse...

Coitados, são todos uns tristes.
Que bom que é este país das maravilhas, para quem tem muitos tachos!
E de que marca é o seu carro, Sr Embaixador? Alemão não devia ser, em coerência com este texto. Mas se calhar é...

Anónimo disse...

"Que vergonha ver um antigo responsável político escrever isto". Segue-se outro: "Que bom que é este país das maravilhas, para quem tem muitos tachos!
E de que marca é o seu carro, Sr Embaixador? Alemão não devia ser, em coerência com este texto. Mas se calhar é..."
Ou seja, a Extrema-Direita, apoiante deste inqualificável governo, PSD/CDS, a revelar o seu desconforto pela derrota dos seus miseráveis pares na Grácia. Os mesmos que ajoelham perante a Alemanha e que dão vivas à catrina por este indigno governo. O que eu gostei de ler estas comentários de fel, com cheiro a derrota e a despeito. E depois será o Podemos em Espanha e o Costs e o resto da Esquerda por aqui, a escorraçar a cambada da Direita por cá!
Jorge Castro

Joaquim de Freitas disse...

Incrível que haja quem se admire da vitoria da esquerda na Grécia. Depois da falcatrua da Goldman Sachs que "pariu" um relatório sobre a situação da contabilidade grega para efeitos de candidatura à UE, que hoje se sabe que era falso, o povo grego sofreu imensamente da austeridade desumana infligida pela troika.
Vencedor das eleições, o novo primeiro-ministro do Partido Socialista (Pasok), Giorgos Papandreu, constatou em poucos dias que os seus antecessores tinham maquiado escandalosamente as contas públicas para os parceiros da União Europeia e o Banco Central Europeu (BCE). O verdadeiro deficit público do país, de gravíssimos 15,7% do PIB, era mais do que o dobro do informado pelo governo anterior. Depois foi o tempo dos saldos ...
Corte de gastos de mais 28 bilhões de euros num país que já está no osso e que cortou investimentos em saúde, educação e infra-estrutura
. Privatizações de 50 a 60 bilhões de euros, para reduzir a dívida pública e que incluem o banco estatal Caixa Postal de Poupança, os portos de Atenas (Pireu) e Salonica, a segunda maior cidade grega depois da capital, os serviços de abastecimento de água das duas cidades, a empresa telefónica nacional, OTE, que já tem como sócio minoritário o gigante alemão Deutsche Telekon, e até o casino de Atenas, que pertence — vejam só — ao governo.

Mas os especuladores regalaram-se. Um pouco antes tinham comprado a divida grega a 60% do nominal e foram reembolsados na data do vencimento a 100% , graças às "ajudas" da UE. E quem fixou o valor da dívida grega ? A Goldman Sachs, que ela também se regalou à passagem !

As ajudas da UE foram certamente dilapidadas pelos governantes em projectos talvez contra indicados, como os submarinos alemães. Mas, quando o dinheiro aflui com facilidade quem é que o recusa?

Resta a saber qual será o impacto desta eleição no resto da Europa do sul, onde se sofre da mesma doença.
Não há dúvida nenhuma que a Europa vai entrar num processo que tanto pode levar à sua dissolução, como à sua regeneração. A austeridade deve ceder ao crescimento, e serão talvez antes os Estados que tomarão as decisões económicas nacionais.
E a renegociação da dívida grega é inevitável.

Anónimo disse...

Depois de anos de contenção austeritária vem aí a euforia. Quem e como a pagaremos é o que se verá depois.

Anónimo disse...

Caro anónimo das 20.51,
Nestes cerca de 3 anos e meio não houve, ou melhor, nunca houve um programa de austeridade. A austeridade é algo diferente, como bem a definia Alexandre Herculano. O que esta malta fez foi IMPÔR SACRIFÍCIOS à maioria da população, visto a miniria não só ter continuado a passar pelos pingos da crise como ainda enriqueceu mais! O que vem a seguir - e vem mesmo, pode crer! - é algo diferente, que tem a ver com outros valores, que esta imunda gente de Direita desconhece e, se conhece, espezinha: a Solidariedade, a Democracia, a Redestribuição do esforço para suportar a crise.
Este governo destruiu o país. como na Grécia. E por isso vais pagar caro, com língua de palmo! Oxalá a Direita, PSD/CDS, seja HUMILHADA!
Francisco Vale

Anónimo disse...

Provavelmente também não somos Portugal, com um Presidente, uma Assembleia, um Governo e uns juízes destes.
JPGarcia

Luís Lavoura disse...

os finlandeses que têm da solidariedade intraeuropeia uma visão tão calorosa como um glaciar

A minha experiência recente com dois finlandeses sugere-me que, também no trato pessoal, eles são tão calorosos como um glaciar. Falam tão pouco que até parece que lhes dói.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...