Terá a Europa sabedoria para parar e refletir sobre o que aconteceu nas recentes eleições europeias? Terão as suas instituições suficiente elasticidade estratégica para poderem acomodar mudanças à altura dos desafios limite com que está confrontada? Terão as suas lideranças capacidade para pilotarem um processo de reorientação que ainda salve o projeto europeu?
Não sou dado a alimentar premonições catastróficas, mas tenho a sensação, porventura exagerada pelo impacto do passado fim de semana, de que o projeto europeu volta a atravessar um dos seus tempos mais delicados. Já tivera um desses períodos, a partir do momento em que a crise financeira se desencadeou, quando descobriu, com patética surpresa, que não dispunha de mecanismos para acorrer à assimetria diferenciada das situações que tinham ocorrido no seu seio. Agora, o desafio é outro, embora decorrente do anterior. A Europa é confrontada com tensões nos seus variados equilíbrios nacionais que revelam que se instalou, numa maioria dos seus cidadãos, uma desconfiança muito profunda sobre se o projeto de integração responde aos seus anseios ou se não é, ele próprio, fautor do problema. E o facto dessa atitude assumir formas e modelos muito diversos, numa cumulação perversa de agendas nacionais de preocupação, agrava a minha interrogação sobre se a Europa, enquanto estrutura funcional, terá hoje mecanismos para poder responder, de forma eficaz, a esse imenso desafio.
“What went wrong?” titulava, há anos, um livro sobre o curso da civilização árabe. Definitivamente, e se queremos ser práticos, temos de deixar-nos de discursos grandiloquentes e passar a uma “desconstrução” fria das razões deste mal-estar, do que “correu mal” e porquê, sem subscrevermos necessariamente as teses eurocéticas, mas igualmente sem nos deixarmos embalar pelas sereias do politicamente correto bruxelense. Há uma diversidade nacional de situações a atender, mas parece haver alguns elementos comuns que lhes estão na génese.
Sem pretender simplificar, neste curto espaço, uma realidade muito complexa, quero crer que foi o excesso de ambição que prejudicou a Europa. Ambição em queimar etapas no aprofundamento das suas políticas, sem atender suficientemente à sua imensa diversidade interior, sem cuidar em instalar previamente mecanismos compensatórios à altura da dimensão do projeto. Ambição em colocar sob a pressão da globalização, económica e humana, um tecido económico muito desigual e com tradições culturais díspares e frequentemente contraditórias. Ambição em querer responder estrategicamente, com alguma precipitação temporal, à demanda gigantesca que o alargamento ao seu Leste representava. Pode não ser popular afirmar as coisas assim, mas acho que chegou o tempo de olharmos de frente a realidade.
E como a História não admite becos, temos rapidamente de criar uma saída para este impasse.
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"