quinta-feira, maio 09, 2013

Estratégia nacional

Ontem e anteontem, em contextos completamente diferentes, estive envolvido, por horas, em debates que se prendem com a definição da nossa futura estratégia nacional enquanto país. Em análise estiveram as diversas condicionantes externas que nos envolvem, a maioria das quais insuscetíveis de podermos influenciar, a nossa política de alianças e a discussão sobre o melhor modo de poder vir a defender os nossos interesses à escala global.

Para quem, como eu, começou há muitos anos neste tipo de exercícios, mas que só os frequentou a espaços, está a ser notória uma mudança da qualidade dos intervenientes, cada vez mais "soltos", mais imaginativos e menos presos ao medo de explorar alternativas e de pôr em causa certos tabus. Cada vez estamos mais longe de algum "politicamente correto" que nos tolhia a expressão e isso deve-se, em grande parte, ao esforço feito por vários "think-tanks", por vezes ligados a universidades, que nos têm ajudado a refletir muito para além das ideias feitas e de alguns determinismos que agora se constata não terem qualquer sentido.

Considero esta "democratização" do debate estratégico essencial e entendo que ela talvez nos possa ajudar a consensualizar (expressão que hesitei em usar, por razões de conjuntura) algumas linhas de rumo para um país onde elas escasseiam. Confesso que, não tendo descoberto o "graal" nos exercícios em que participei, saí deles mais animado e moderadamente otimista.

quarta-feira, maio 08, 2013

Ainda o Tua

Ao que me chegou, a UNESCO decidiu aceitar por boas as explicações dadas pelo Estado português na questão da compatibilidade entre a construção da barragem na foz do rio Tua e o estatuto do Alto Douro Vinhateiro como "património mundial". Desta forma, a construção da barragem pode prosseguir. 

Aqueles que se opõem à construção da barragem afirmam que não concordam com essa decisão e vão recorrer da mesma, junto das instâncias competentes da organização. Estão no seu legítimo direito.

O que me parece menos curial é que a diplomacia portuguesa, que trabalhou o dossiê o melhor que soube e pôde, correspondendo a instruções do poder político, venha agora a ser acusada, por quantos se opõem à construção da barragem, de "um zelo diplomático que não tem limites".

Essa agora! Então não compete aos servidores públicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros executar o que lhes é determinado? O que aconteceria se os diplomatas que tinham o dossiê a seu cargo se tivessem recusado a cumprir as instruções recebidas?

Posso perceber a frustração das pessoas, e respeito os valores afetivos que motivam muitas delas, mas, no meu caso pessoal, não aceito ser criticado por ter cumprido o meu dever. Acho que os opositores à barragem deveriam parar um pouco para entender e respeitar a posição de quem mais não é que um mero agente da administração pública.     

Estatuto bloguista

Hoje, num jornal "de referência", deparo com o autor de um artigo a dar como elemento curricular ser "co-autor" de um determinado blogue.

Vamos a ver se nos entendemos: escrever num blogue é um exercício de participação no espaço público que pode ter a sua graça - para o próprio e para quem entender lê-lo - mas que não deve ser assumido como uma espécie de estatuto. Trata-se de uma atividade de dimensão lúdica, mais ou menos efémera, que não se pode levar nunca muito a sério. Para escrever num jornal é preciso que alguém nos convide; para escrever num blogue, basta ter vontade e um computador. Quem dá importância excessiva àquilo que exprime através de um blogue, por maior leitura que ele conjunturalmente possa ter (e há blogues excelentes com escassos leitores), é porque não tem, na vida real, coisas mais relevantes em que se consiga realizar.

Honra

Achei muito estranha a reação surgida em alguns setores quanto ao pedido feito às crianças que ontem fizeram exames do 4º ano de subscreverem uma declaração segundo a qual não levavam telemóveis para a sala onde faziam a prova.

Quem é que tem medo que as crianças comecem a entender, desde cedo, o conceito de verdade e de honrar a palavra?

terça-feira, maio 07, 2013

Vitória brasileira

É uma boa notícia para a expressão internacional dos países de língua portuguesa a eleição do diplomata brasileiro Roberto Azevedo para o cargo de diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), há pouco anunciada. Mas esta eleição é, em primeiro lugar, uma grande vitória para a diplomacia brasileira e fico muito satisfeito que ele tenha sido titulada pelo seu ministro das Relações Exteriores, António Patriota, um bom amigo pessoal.

O Brasil tem-se revelado, de há muito, um participante ativo e relevante do processo negocial multilateral na área do comércio internacional. Dispondo de uma diplomacia muito capaz e interventiva, que sabe bem o que quer e como o obter, através de uma hábil política de interlocução e de alianças, o Brasil tem vindo a ganhar um estatuto que lhe permite consagrar institucionalmente, de forma progressiva, a sua influência e o seu poder. O modo como soube colocar-se na fase derradeira do "ciclo de Doha" da OMC, não podendo ser considerado culpado pelo seu fracasso e tendo-se mesmo revelado um parceiro construtivo na construção de modelos de compromisso final que não chegaram a vingar, poderá justificar muito do prestígio de que este resultado também é fruto.

Faço notar que este novo cargo internacional vem a somar-se ao que, desde 2012, foi obtido pelo Brasil na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, com a eleição para seu diretor-geral de José Graziano da Silva, também já sob o consulado diplomático de António Patriota.

Volto a repetir uma ideia que há muito alimento: nenhuma das áreas potenciais de afirmação estratégica do Brasil (como, aliás, de todos os restantes países de expressão portuguesa) é contraditória com interesses portugueses. Pelo contrário, o reforço do papel do Brasil à escala global é positivo para o conjunto dos países de língua portuguesa. E esperamos que, por algum efeito de arrastamento, o possa ser também para a CPLP, enquanto entidade coletiva.

O senhor Matos

Por algumas décadas, a portaria do MNE foi dirigida pelo senhor Jaime Matos. O ministério era então uma "casa" quase "familiar", em que, à entrada, havia mais pessoas com nome e menos rotativos agentes da Securitas.

O senhor Matos era também o mais prestigiado dos "procuradores", essa "instituição" de que já aqui falei, que quase todos os diplomatas eram forçados a contratar e que, na realidade, lhes facilitava a vida e lhes permitia resolver uma imensidão de problemas, em especial quando colocados no quadro externo. Mas ter o senhor Matos como procurador era um verdadeiro "must" de prestígio. Enquanto muitos contínuos e motoristas batalhavam para representar os novos diplomatas chegados à casa, o senhor Matos dava-se ao luxo de selecionar aqueles que aceitava como seus representados. E, não raramente, "cedia" mesmo diplomatas a outros colegas dedicados à mesma tarefa.

Como contei noutro post, o senhor Matos tinha a peculiaridade de informar os seus representados dos rumores que circulavam sobre futuras nomeações para embaixadas ou lugares de chefia superior na casa. A isso chamava, nas cartas que enviava, "o movimento que se diz que vai haver". Raramente se enganava, tal a qualidade e a "reliability" das fontes de que dispunha.

Com os anos, com a experiência e tendo já ouvido muito, o senhor Matos chegou mesmo ao ponto de ousar ter opinião sobre a própria justeza de certas indigitações. Um dia, ficou famoso um comentário que, por carta, deu a alguns dos seus representados: "Dizem que o senhor doutor Fulano de Tal pode vir a ser o próximo diretor político. Seja o que Deus quiser!..." Noutra ocasião, depois de anunciar ua determinada colocação, acrescentou, eloquente na sua apreciação: "enfim!..."

segunda-feira, maio 06, 2013

Ainda o consenso

Os apelos ao consenso político, como por aqui já se notou, têm estado no centro do debate público dos dias que correm. A necessidade de tentar alargar a base de apoio, político e social, para a execução de novas medidas de austeridade levou o executivo a procurar chamar a um novo modelo de consenso o principal partido da oposição e os parceiros sociais. O tempo e o modo de surgimento destes apelos foram bem percebidos por esses destinatários e, naturalmente, não deixaram de determinar a forma como por eles foram recebidos. 

Porém, as últimas horas vieram confirmar que, afinal, continua ainda por obter um outro consenso, a ser feito a montante das próprias declarações do governo. Uma vez mais, ficou claro que a falta de consenso político começa por se verificar, desde logo, no âmbito da maioria que suporta o executivo. E não escapa a ninguém que isso condiciona fortemente a credibilidade do discurso deste último.

Se, como tudo indica, esta coreografia declaratória, aliás desenvolvida por todos os lados do espetro político, é, nos dias de hoje, essencialmente "para alemão ver", imagino a perplexidade que deve existir nas mentes geometricamente formatadas de Berlim quanto ao que por aqui se passa. Por isso, confesso que teria uma imensa curiosidade em ler o teor do telegrama que o embaixador alemão vai, daí a poucas horas, mandar para a sua capital. Pior: temo mesmo poder antecipar o que ele vai dizer. 

domingo, maio 05, 2013

Europa

No dia 9 de maio, dia da Europa, a partir das 21.30 horas, participarei de um debate sobre a Europa do pós-guerra, subsequente à apresentação do filme "Alemanha: ano zero", de Roberto Rossellini, a ter lugar na Cinemateca Nacional, Rua Barata Salgueiro, 39.

A Europa já não está fisicamente em ruinas, mas as ameaças sobre o projeto europeu são hoje muito sérias e obrigam a que reflitamos sobre os caminhos do futuro.

sábado, maio 04, 2013

Jogos de azar

Quando foi lançado, há quase 30 anos, o Totoloto tinha como slogan "é fácil, é barato e dá milhões".

Hoje, o moto aplica-se à Função Pública e aos reformados, enquanto alvos tributários. 

Ainda o Estado

Ontem, em Coimbra, após uma reunião do Conselho Consultivo da Faculdade de Economia da universidade, estrutura de que faço parte há uns anos, pude assistir a uma interessante palestra feita por um colega desse mesmo Conselho, o presidente do Tribunal de Contas, Guilherme de Oliveira Martins.

A intervenção, entre outras interessantes questões, abordou os problemas da responsabilidade financeira no exercício das funções do Estado, um tema que o Guilherme soube desenvolver com uma profundidade não contraditória com a sua perceção, sem ambiguidades, por um auditório interessado e inquisitivo. Uma das pessoas presentes, numa pergunta que apresentou, felicitou-se pelo facto daquela palestra, na agitação dos dias que correm, ter servido para nos fazer parar um pouco e ajudar a refletir, com seriedade e rigor, sobre temáticas que o nosso dia-a-dia tende quase sempre a envolver num sinal de polémica de oportunidade e, por essa via, de alguma demagogia. Fiquei a pensar que tinha toda a razão.

Num registo mais alargado, ao ouvir com atenção Guilherme de Oliveira Martins, que tem desempenhado com um notável equilíbrio e competência as funções de presidente do Tribunal de Contas, dei comigo a refletir sobre se o país o não poderia vir a aproveitar noutro tipo ainda mais elevado de responsabilidades, noutros patamares do Estado. No "baralho" das nossas figuras públicas reconhecidamente impolutas e competentes, ele surge como um dos poucos nomes verdadeira lente incontroversos. Será que o país poderá vir a ter a sabedoria para perceber isto?    

Em tempo: correspondendo a alguns pedidos, esclareço que a fotografia representa uma vista interior do hotel Movich, em Pereira, uma cidade da Colômbia. A figura ao fundo, acreditem ou não, é António Barreto, que fotografava o "panorama" seguinte.

A outra senhora

No tempo da "outra senhora" - isto é, da ditadura, para os leitores mais novos -, o meu pai, servidor público cumpridor e madrugador, costumava deitar-se relativamente cedo. Por ironia, que não por convicção, há muito que me repetia - a mim, que sempre fui um impenitente notívago - que só admitia que o acordasse se, nas notícias televisivas do fim da noite, fossem anunciados aumentos para a Função Pública, coisa que há anos não acontecia e que era muito improvável que ocorresse.

Numa noite de um desses anos cinzentos, comigo um pouco distraído a ler, mas com a televisão ligada, ouvi um comunicado oficial que anunciava, em linguagem oficiosa, típica do "discurso" do Estado Novo, que tinha sido determinado um aumento salarial para os servidores públicos. A internet estava a décadas de existir e, por uma qualquer razão, não consegui "recortar" a suposta informação nos noticiários da Emissora Nacional. Não era ainda muito tarde, mas o facto de eu ter ouvido a notícia sem grande atenção, fazia-me desconfiar de "tanta fruta". Optei por não acordar o meu pai, com receio de ter entendido mal e poder suscitar-lhe falsas esperanças. No dia seguinte, ao almoço, encontrei-o exultante, com a confirmação de um pequeno aumento salarial decidido para os funcionários públicos.

Porque é que me lembrei disto agora? Sei lá! Talvez porque a ditadura acabou em 25 de abril de 1974.

quinta-feira, maio 02, 2013

Jornalismo luso

Um ilustrado diário da nossa praça, traz hoje, na sua primeira página, o seguinte título:

Ex-colega do avô de Vitor Gaspar esteve na manif da UGT

Não li (nem tenciono ler) o texto da notícia, injustamente remetida para duas (!!) páginas interiores, mas posso presumir, sem dificuldade, a relevância informativa da mesma.

Os charutos


O jantar naquela embaixada tinha terminado há pouco. À volta da mesa já se serviam os cafés e as bebidas brancas. A embaixatriz lembrou então ao mordomo a necessidade de trazer a caixa dos charutos. Minutos depois, o homem aproximou-se da dona da casa, informando, em voz baixa, que, infelizmente, os charutos tinham acabado. A senhora estava desolada e desculpou-se junto do convidado principal, um diplomata sentado a seu lado, o qual, com imensa subtileza, logo menorizou a falta:

- Não tem a menor importância, senhora embaixatriz. Aliás, é muito raro eu fumar um charuto. Só às vezes, no final de uma grande refeição...

quarta-feira, maio 01, 2013

Consenso

Agora que o "consenso" anda por aí como expressão retórica de uma atitude política que subliminarmente se insinua como diferente, vale a pena recordar, através de uma fotografia, o que foi o ilusório e fátuo consenso que, no 1º de maio de 1974, alguns julgaram possível entre quantos se haviam oposto à ditadura. 

Há 39 anos, o dia do trabalhador passou-se assim. Uma leitura atenta das expressões faciais das duas principais personagens presentes na imagem pode ajudar a explicar, se bem que apenas com a experiência que adquirimos a posteriori, a divergência de projetos que ditou toda a história subsequente da esquerda em Portugal. No ano seguinte, em 1975, Mário Soares seria impedido de entrar no estádio onde se comemorava a data, com Álvaro Cunhal a conseguir ser a figura central da festa, numa vitória pírrica, como iria ficar claro em novembro.

Precisamente porque se afastaram programaticamente dos comunistas, os socialistas passaram a ter vocação de governo, nas décadas seguintes. Para o PCP, nesse mesmo período, as trincheiras iriam ser a Constituição, a área sindical e algum poder autárquico, único setor onde pontualmente se encontrou com um certo PS.

Muita água passou, entretanto, sob as pontes. Bem mais recentemente, há dois anos, o voto comunista voltou a ser determinante para ajudar a derrubar um governo socialista e abrir caminho ao regresso ao poder de uma maioria de sinal bem oposto. Estas coisas pesam para sempre no historial das relações no seio da esquerda portuguesa. 

PCP e PS seguem assim caminhos diversos na vida política portuguesa. Até hoje e, presumo eu, até aos amanhãs que se podem vislumbrar. De algumas vozes, na área socialista, ouve-se às vezes a opinião de que, com um PCP diferente, seria possível um qualquer entendimento. Mas poderia o PCP ser diferente? Podia, mas não era a mesma coisa...

terça-feira, abril 30, 2013

Tempus fugit

Ó diabo! Já passaram três meses desde que cheguei a Portugal. Tenho de ter mais cuidado, porque, se me distraio, o tempo vai por aí fora...

CNN


O nosso embaixador oferecera um almoço a uma importante personalidade de visita àquela capital. Por várias vezes, durante a conversa, o visitante referiu que a sua filha fazia um estágio na CNN, em Atlanta. O relevo que ele dava a esse simples facto começou a irritar-me. Na boca exagerada do babado pai, a jovem estava já a caminho seguro para um estrelato mediático à escala universal. 

Dei por mim a comentar:

- Também tenho na família uma pessoa que trabalhou na CNN. Mas já foi há muito tempo.

E mais não disse. Mas a conversa mudou de rumo.

Quando ficámos a sós, o embaixador comentou:

- Você nunca me tinha dito que tinha tido um familiar na CNN.

- Foi a minha cunhada. Trabalhou por lá há bastantes anos, na CNN, na Companhia Nacional de Navegação...

segunda-feira, abril 29, 2013

Casas mortas

Ontem decidimos fazer um desvio para tentar visitar, numa aldeia da Beira, um casal amigo, já bem idoso, que não víamos há quatro ou cinco anos. Ele era uma figura muito interessante, com atividade cívica no passado e um pensamento crítico sobre o presente. Com ela eu tinha uma longínqua ligação familiar. Costumava falar-lhes para lhes enviar um abraço pelo Natal. Há três anos, fui por ele informado do estado de doença da senhora. Nos dois Natais passados não havia conseguido contactá-los e, por razões que não vêm para o caso, não tinha outra maneira de saber deles.

Ontem, aproximámo-nos da aldeia, devo dizê-lo, com um mau pressentimento. O facto do portão de acesso à moradia estar aberto deu-nos um minuto de esperança. Mas os estores da casa estavam corridos, a campainha já não soava. O descaso das ervas que cobriam o pátio, bem como outros sinais evidentes, indiciavam que ninguém por ali vivia. Perguntou-se a um vizinho. Informou que o cavalheiro tinha morrido há dois anos, a esposa há já alguns meses. Atenta a respetiva idade, não era algo de surpreendente, mas não deixou de ser um choque forte sentir que, para sempre, deixaríamos de poder contar com o acolhimento, caloroso e amigo, de duas figuras a quem, durante muitos anos, visitávamos com grande prazer, quando passávamos nas imediações. Ontem, acabou a única razão que nos levava àquela aldeia serrana.

Esta experiência lembrou-me outra, com poucos meses.

Várias vezes durante a última década, em passagens por Portugal, teimávamos em tentar contactar um amigo que, por uma razão que nunca apurámos, havia deixado de aparecer, já mesmo nos últimos atarefados anos em que por aqui vivíamos. Era uma pessoa com um mundo muito próprio, alguém que se revelara um bom amigo em diversas ocasiões, e que era simultaneamente uma figura interessante, culta, com "mundo" e personalidade. Mas, de há muito, o seu telefone não atendia, as notas que deixávamos na sua caixa do correio, na casa que ocupava num bairro antigo, nunca tiveram a menor resposta. Por muito estranho que isso possa parecer, não tínhamos outros amigos comuns que nos pudessem dar nota do seu paradeiro, nem lhe conhecíamos uma ocupação que a ele nos pudesse conduzir.

Há uns tempos, ainda antes do nosso regresso definitivo a Portugal, passámos uma última vez pela casa desse amigo, mas o seu nome deixara de figurar na campaínha da porta. Meses mais tarde, surgiu-me a ideia de procurar no Facebook pessoas com o mesmo apelido, que não era muito vulgar. Escrevi a cerca de uma dezena, tentando saber "o que era feito" do nosso amigo. Obtive duas respostas. A de um brasileiro, dizendo não ter qualquer ligação familiar com o nosso amigo e a de um irmão, informando da sua morte, já ocorrida há mais de um ano. Sem mais pormenores. Dos restantes possíveis (e alguns bem prováveis, por várias razões) familiares, recebi apenas um estranho silêncio.

Decidi anotar aqui estes dois momentos tristes. Porventura é prova de alguma ingenuidade pensar que as pessoas ficam à nossa espera eternamente, que o tempo não passa para elas, da mesma forma que passa para nós, que os azares as poupam sempre. Mas nem por isso me choca menos confrontar-me com o silêncio destas casas que, para nós, apareceram de súbito mortas, sem que tivéssemos tido oportunidade de trocar uma última palavra com quantos as ocupavam e também faziam parte do nosso mundo.     

domingo, abril 28, 2013

O governo Letta

Era um homem discreto, bastante jovem, sempre sorridente, de quem emanava "uma boa onda" e uma natural simpatia, como se lembrarão outros que, como eu, com ele partilharam, durante um ano, a mesa do conselho ministerial do "mercado interno" e as presenças nos "assuntos gerais", naquele final dos anos 90. Enrico Letta era o ministro sem pasta que tinha a seu cargo os assuntos europeus, no governo dirigido por Massimo d'Alema. Hoje, com menos de 50 anos, tem a seu cargo a chefia de um governo italiano em tempo de grave crise.

Para os Negócios estrangeiros desse novo governo entra uma figura que alguns, em Portugal, também conhecemos bastante bem, em especial como comissária europeia que teve a seu cargo a política de defesa dos consumidores, a política de pescas e também as questões de ajuda humanitária. É uma mulher de convicções, com quem não é fácil negociar (sei do que falo!). Com ela, com toda a segurança, a palavra da Itália não se deixará capturar, nos tempos que aí vêm.

Talvez não haja hoje por cá a real perceção de que do sucesso ou insucesso deste governo italiano pode depender muito do futuro próximo da Europa. Um " barco" em que nós também estamos. Por essa razão, para além de devermos desejar que um país amigo como é a Itália recupere uma estabilidade "sustentada" (como agora se diz, a propósito de tudo e de nada), esse é também um voto que devemos formular no nosso próprio interesse. 

Viva a ASAE!

A pretexto de uma qualquer revisão da equipa governamentativa, tudo indica estar em preparação uma operação de desativação da função repressiva e policial da ASAE, instituição que alguns novos ventos pretendem qe se dedique agora mais à "formação" e à "educação". Fico preocupado, porque sei bem "do que a casa gasta". Temo mesmo o pior, porque conheço o Portugal retrógrado que se esconde por detrás das medidas de "compreensão" com "os legítimos interesses do pequeno e médio comércio", com que se pretende "humanizar" a ASAE.

A ASAE sempre incomodou bastante. Incomodou os comerciantes desonestos que fazem concorrência àqueles que pagam regularmente os seus impostos, incomodou alguns donos de unidades hoteleiras, restaurantes e cafés que punham no bolso o que deveriam investir em equipamentos e métodos de higiene para salvaguardar a saúde pública dos seus clientes, incomodou certos industriais e armazenistas para quem a validade e salubridade dos produtos eram identificáveis com preciosismos e rigor excessivo, incomodou os taxistas piratas que sonham passar pelo Estoril no caminho entre o aeroporto e a Baixa. E incomodou muita mais gente, em especial, claro, alguma classe política que sobrevive demagogicamente e faz o seu "fond de commerce" do voto dos supracitados e daqueles que deles dependem ou influenciam, às vezes por mera iliteracia cívica.

Eu já vivi no Portugal do comércio "à balda", das cozinhas imundas das tascas e restaurantes com baratas e ratos, do salve-se quem puder e do arranjismo do comércio e indústria que, com a total complacência dis poderes públicos, não tinha o mínimo respeito pelo público pagante. Eu sou do país que assistiu, por décadas, à "guerra" heróica e quase sempre muito solitária da Deco, ao esforço magnífico de homens "chatos" como Beja Santos, à má vontade e ao amiguismo (e, às vezes, à mais comezinha e disfarçada corrupção) que, por muito tempo, bloqueou a defesa do consumidor em Portugal.

Como governante, e com imenso gosto e empenho, representei, por mais de cinco anos, Portugal no conselho de ministros do "mercado interno" da União Europeia, onde ajudei a ligar o nome do nosso país a medidas de modernidade que o procuraram afastar de um mundo de outros tempos, que hoje só quero esquecer e ao qual me recusarei obstinadamente a regressar.

Não me venham com acusações de "fundamentalismos" anti-tabágicos, de excessos de rigor e de falta de flexibilidade na adaptação às medidas que a mera lógica da defesa do consumidor exigia. Não tenho a menor complacência para uma certa brigada snobe, acantonada na trincheira finaça do Ancão ou da Comporta, que defende a venda, sem condições mínimas de higiene, das bolas de Berlim no quente dos Verões sulistas, elitistas e liberais - para utilizar uma máxima consagrada.

Eu também não gosto do tom Dirty Harry que o diretor da ASAE às vezes assumia, detesto aqueles coletes "operacionais" que o seu pessoal usava (usa?), fiquei por vezes incomodado com o espetáculo mediático com que a ASAE envolvia algumas das suas operações, sob o "voyeurisme" das televisões. E aceito, sem dificuldade, que possa ter havido, aqui ou ali, algum excesso, no cumprimento das leis que a ASAE tem por obrigação fazer respeitar. Mas recuso-me a confundir tudo isso com o essencial: a ASAE foi uma benção para o consumidor português.

Por isso, para mim, e para sempre no futuro, nomeadamente na luta política que sobre isto aí virá, viva a ASAE!

Depois de Cristo

Eu tinha feito um comentário conjunturalmente algo ácido a propósito da "performance" de uma certa personagem político-institucional. Acontece-me cada vez mais, confesso. No grupo em que estávamos, um colega, diplomata ainda no ativo, saiu-se com esta:

- Você diz isso porque já está depois de Cristo!

Nesse instante, essa pessoa foi chamada por alguém e abandonou, por momentos, a sala. Perguntei aos circunstantes se tinham percebido o que ele teria querido significar com o que tinha dito. Ninguém tinha entendido o comentário. Por que raio estaria eu "depois de Cristo" e não "antes de Cristo"?

O colega regressou e eu pedi que fosse mais claro. Foi:

- Você já se pode dar ao luxo de dizer essas coisas, de fazer esses comentários, porque já não precisa "deles", porque já recebeu, creio que há quase 10 anos, a grã-cruz da ordem militar de Cristo, a mais alta condecoração a que poderia ambicionar. Ora eu ainda ando a lutar por ela, pelo que comigo "a coisa fia mais fino", tenho de ter muito cuidado, embora - confesso! - partilhe em pleno a sua opinião...

Percebi a prudência desse colega. Mas não pude deixar de pensar que, precisamente nos tempos imediatamente antes de eu receber "o Cristo" (como na carreira, simplificadamente, sempre nos referimos àquela comenda), eu tinha dito publicamente de alguns "deles" o que Maomé não diz do toucinho. Não de todos, reconheço. Não por receio, mas simplesmente porque o não mereciam.

Petróleo

Para melhor se entenderem algumas decisões tomadas pelo mundo. A fonte é insuspeita.