Com crescente regularidade, amigos e conhecidos portugueses perguntam a minha opinião sobre o possível desfecho das próximas eleições presidenciais francesas. Lamento sempre não poder satisfazer a sua curiosidade, mas a verdade é que um diplomata estrangeiro não sabe, sobre este assunto, mais do que... os franceses, que são quem acabará por escolher o seu presidente, para os cinco anos seguintes. E eles também não sabem...
Se há algo que aprendi na vida diplomática foi relativizar a minha própria opinião. E a não acreditar na minha presciência. Uma das vantagens da rotação regular dos embaixadores, entre os vários postos, tem a ver com a necessidade de produzir olhares novos sobre a realidade local. A experiência mostra que um diplomata que se eterniza num posto, independentemente de poder, por essa via, garantir um grande conhecimento da vida e da sociedade do país, de criar uma rede forte de interlocução e teste de ideias, pode também facilmente acabar por "go native" (isto é, passar a ter as reações de um local) ou perder o rigor na perspetiva de observação das mutações no país onde está acreditado. É que, rotinado numa certa leitura, um diplomata que fique por muito tempo num posto pode não estar aberto ao surgimento de novas realidades ou, confrontado com elas, pode ser tentado a rejeitá-las por as considerar incompatíveis com a grelha de observação em que se viciou.
Há uma história, auto-crítica, que costumo contar, passada comigo em Angola, nos anos 80. À chegada do novo embaixador, António Pinto da França, desenhei-lhe um quadro muito completo da relação de forças no seio do comité central do MPLA. Expliquei-lhe quem era quem, o que cada um representava, qual a política de alianças de grupos que prevalecia, tudo isso com o objetivo de apontar para aquilo que iriam ser as mudanças na liderança angolana, a ocorrerem no próximo congresso do partido.
O novo embaixador tomou nota mas, por si próprio, com os conhecimentos que entretanto foi criando, começou a fazer as suas próprias avaliações e juízos. Passado algum tempo, dei-me conta de que os telegramas que enviava para Lisboa, sobre a situação política interna angolana, começavam a afastar-se da linha que eu tinha como correta. Mais: a sua leitura sobre as personalidades que iam subir ou descer no próximo congresso do MPLA começava a divergir fortemente daquela que eu, observador com mais de três anos da vida política local, considerava dever ser transmitida às nossas autoridades. Isso preocupava-me. As minhas fontes, que tinha por excelentes e testadas, eram perentórias sobre as hipóteses de evolução tendencial do equilíbrio político, mas eu não conseguia convencer disso o meu embaixador. Não querendo contrariá-lo, lembro-me de ter trocado impressões sobre o assunto com outros diplomatas em posto, com vista a que o tentassem chamar à razão, reverter o caminho errado pelo qual prosseguia nas suas análises, cada vez mais diferentes das minhas. Mas não tive qualquer sucesso.
"To make a long story short", como dizem os anglo-saxónicos, as coisas passaram-se exatamente como o embaixador António Pinto da França as estava a ver e não como eu pensava que elas iam ser. O tempo em posto, por vezes, "desajuda" mais do que favorece.
Mas, afinal, qual é a minha perspetiva sobre o que sucederá politicamente em França, neste primeiro e decisivo semestre? O que penso sobre o assunto reservo-o, naturalmente, para as minhas autoridades. Mas devo adiantar que, nesta matéria, é capaz de ser prudente seguir o famoso preceito daquele lateral-direito de uma equipa do norte que, perguntado sobre como via a partida que o seu clube ia disputar, adiantou, com simplória sabedoria: "Prognósticos? Só no fim do jogo".