Fez ontem precisamente 15 anos, nasceu em Portugal o Ciberdúvidas, essa magnífica ferramente informática que nos ensina a esclarecer as dúvidas que possamos ter na utilização da língua portuguesa.
Um dos seus fundadores, que ainda hoje é a teimosa alma do projeto, foi José Mário Costa, que, anos antes, fora já o organizador do primeiro "livro de estilo" de um jornal português, o "Público". Contra ventos e marés, tem conseguido levar avante o Ciberdúvidas e quero aqui deixar-lhe um abraço amigo e votos de coragem para o futuro.
Conheci o José Mário em 1968. Com o Fausto (esse mesmo, o cantautor) e outros amigos, fazia parte de um grupo de estudantes que, vindos de Angola, aportaram ao então ISCSPU, à Junqueira, nesses tempos em que Adriano Moreira tentava transmutar uma escola de formação de quadros para a administração colonial num centro cada vez mais dedicado às ciências sociais. Nos anos seguintes, estivemos envolvidos nas lutas académicas que "incendiaram" o ISCSP e a academia de Lisboa, com incidências na impressionante movimentação oposicionista para as "eleições" legislativas de 1969. O "Zé Mário" participou na primeira linha das batalhas políticas desse tempo e, por essa razão, foi preso pela PIDE/DGS. O 25 de abril iria encontrá-lo ainda, creio, na prisão política de Peniche.
Conheci o José Mário em 1968. Com o Fausto (esse mesmo, o cantautor) e outros amigos, fazia parte de um grupo de estudantes que, vindos de Angola, aportaram ao então ISCSPU, à Junqueira, nesses tempos em que Adriano Moreira tentava transmutar uma escola de formação de quadros para a administração colonial num centro cada vez mais dedicado às ciências sociais. Nos anos seguintes, estivemos envolvidos nas lutas académicas que "incendiaram" o ISCSP e a academia de Lisboa, com incidências na impressionante movimentação oposicionista para as "eleições" legislativas de 1969. O "Zé Mário" participou na primeira linha das batalhas políticas desse tempo e, por essa razão, foi preso pela PIDE/DGS. O 25 de abril iria encontrá-lo ainda, creio, na prisão política de Peniche.
Ao tempo da sua detenção, creio que em 1971, o movimento associativo universitário do ISCSPU decidiu inquirir junto da PIDE (que então já se chamava DGS - Direção-geral de Segurança - depois da reforma onomástica da "primavera" marcelista, que também transformou o partido único União Nacional em Ação Nacional Popular, bem como a Censura em "Exame prévio" ) sobre as razões que a fundamentavam e o futuro do nosso colega.
Porque era então presidente da Assembleia Geral da Associação académica, fui designado para me deslocar à sede da PIDE/DGS, na António Maria Cardoso. Expus o essencial da questão ao "pide" que estava na porta do prédio, que logo se mostrou um tanto perplexo com o sentido da diligência, estranhamente "naif", que eu estava a executar. Foi numa taquicardia conjuntural que subi a escadaria daquela sinistra casa, onde por aqueles tempos muita gente continuava a ser torturada, com as paredes recheadas de placas que lembravam agentes dessa polícia política que tinham perdido a vida em operações nas guerras coloniais em África.
Depois de uma longa meia hora de espera (é capaz de ter sido menos tempo, mas a mim pareceu-me uma eternidade), numa sala abafada, apareceu-me um "pide", com ar de mais sénior, a quem dei conta da nossa perplexidade pela detenção do nosso colega, explicando que também estávamos preocupados pelo facto dele não ter família na "metrópole" e, por essa via, poder não ter qualquer apoio.
O "pide", seco mas de bons modos, "sossegou-me": disse-me que o detido tinha uma tia que já tinha sido contactada e que "estava muito bem", pelo que não precisávamos de nos preocupar. Quanto aos motivos da detenção, nada podia dizer-me, mas "ninguém era detido sem razão". À saida, devolveram-me o bilhete de identidade que tinham guardado na portaria e, lembro-me bem, caminhei, sem olhar para trás, até à zona do S. Luiz, onde um grupo de colegas me aguardava.
Porque era então presidente da Assembleia Geral da Associação académica, fui designado para me deslocar à sede da PIDE/DGS, na António Maria Cardoso. Expus o essencial da questão ao "pide" que estava na porta do prédio, que logo se mostrou um tanto perplexo com o sentido da diligência, estranhamente "naif", que eu estava a executar. Foi numa taquicardia conjuntural que subi a escadaria daquela sinistra casa, onde por aqueles tempos muita gente continuava a ser torturada, com as paredes recheadas de placas que lembravam agentes dessa polícia política que tinham perdido a vida em operações nas guerras coloniais em África.
Depois de uma longa meia hora de espera (é capaz de ter sido menos tempo, mas a mim pareceu-me uma eternidade), numa sala abafada, apareceu-me um "pide", com ar de mais sénior, a quem dei conta da nossa perplexidade pela detenção do nosso colega, explicando que também estávamos preocupados pelo facto dele não ter família na "metrópole" e, por essa via, poder não ter qualquer apoio.
O "pide", seco mas de bons modos, "sossegou-me": disse-me que o detido tinha uma tia que já tinha sido contactada e que "estava muito bem", pelo que não precisávamos de nos preocupar. Quanto aos motivos da detenção, nada podia dizer-me, mas "ninguém era detido sem razão". À saida, devolveram-me o bilhete de identidade que tinham guardado na portaria e, lembro-me bem, caminhei, sem olhar para trás, até à zona do S. Luiz, onde um grupo de colegas me aguardava.
Só voltei a entrar na sede da polícia política depois do dia 25 de abril de 1974. Mas, nessa altura, foi já como militar e na minha qualidade de membro da "Comissão de Extinção da ex-PIDE/DGS e LP". A sala de espera onde eu tinha estado continuava idêntica. Mas respirava-se por lá melhor.
8 comentários:
Naqueles primeiros anos da década de 70, tanto as organizações estudantis em Portugal como uma boa parte do movimento associativo aqui na emigração agiam de forma inquebrantável para abrir as portas do sucesso.
Quais classificações de triplo ou A quais carapuça a distingui-las! Elas ziguezagueavam escadas abaixo, escadas acima na António Maria Cardoso, porta não porta sim nas universidades, protesto sim protesto sim em cada esquina de rua para que a maioria da população submetida ao obscurantismo pudesse antever um futuro sem algemas e alcançá-lo, e depois ali viver (em Portugal) num reinado (mas sem rei) de maravilhas onde todos trabalhassem e onde a única desigualdade possível e invejável pudesse apenas ser a inteligência!
Quando se revê naqueles anos movimentados, não obstante os sucessos conseguidos, o que é que falhou? Diga-nos Embaixador para ver se ainda se pode corrigir...
José Barros
Tenho orgulho a ver um Embaixador de Portugal assumir sem complexos e sem medos o seu passado político. Aqui fica um bom exemplo que outros deveriam seguir, como o Doutor Durão Barroso que quer mostrar-se conservador desde o berço.
ARP
Faço, provocatóriamente, dois reparos aos comentadores:
As desigualdades por força da inteligência são tão injustas como as da origem social: ambas resultam da sorte do nascimento!
O dr. Durão Barroso sempre foi conservador, teve foi um desvio de adolescência!
João Vieira
bom episódio para umas memórias, quando cai sobre um a tarefa dificil e arriscada há que ir adiante, como aconteceu.
Entretanto já espreitei o ciberduvidas que me pareceu interessante e utilissimo e já marquei.
O Ciberdúvidas é um site de verdadeiro serviço público ao qual recorri muitas vezes.
Quanto ao resto do seu apontamento, por uma assaz curiosa associação de ideias o seu post recordou-me, nem sei bem porquê, algumas notícias que por vezes afloram à superfície da actualidade mediática pelos lados da France 24 (canal muito do meu apreço), sobre os julgamentos que têm vindo a fazer-se, a bem da verdade e da civilização, num lugar distante e algo longe do conceito que temos por geral de "mundo desenvolvido": o Cambodja. Este é um caso extremo, mas outros países há onde se tem ousado fazer justiça sobre os crimes de regimes depostos há décadas. É surpreendente que nesta nossa parte do mundo avançado tantos crimes tenham passado ao esquecimento como se nunca tivessem sido cometidos, enquanto outros países mais pobres, mas não menos corajosos, fazem o necessário trabalho de memória sobre os momentos mais dolorosos das suas histórias recentes.
DL
Eis uma boa oportunidade para perguntar: quantos "pides" foram parar à prisão pelos crimes cometidos?
Ciberdúvidas - Quantas por aqui eu já tirei, agradeço aos autores na pessoa de José Mário Costa a partilha a título gracioso do conhecimento.
Em tempo: José Mário Costa referiu-me que nunca tivera conhecimento da diligência praticada junto da PIDE/DGS
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